Encontra-se no Senado Federal uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC186/2019) chamada carinhosamente de PEC Emergencial, tratada como prioridade pelo governo Bolsonaro como solução à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) em suspender qualquer possibilidade de redução salarial e jornada de trabalho dos servidores públicos. Se a constituição não permite, então muda-se a constituição.
Essencialmente, a proposta permite a redução de salários e jornada de trabalho dos servidores efetivos em até 25% e também dos comissionados em até 20%. Proíbe também a realização de concursos públicos, congela salários, veda quaisquer progressões, promoções, contratações e pagamentos extemporâneos sempre que o Estado (em sentido amplo) atingir o percentual de 95% de despesas correntes em relação às suas receitas.
Vale lembrar que o próprio Congresso Nacional, ao promulgar a PEC do Teto de Gastos (PEC 95/2016), já fixou limites aos gastos do governo, os quais não poderão superar os valores do exercício anterior acrescido de atualização monetária. Ora, se os gastos do governo já são limitados constitucionalmente, o que essa nova PEC pretende? Na verdade, o que se pretende é por em prática o projeto de redução total do Estado. Menos serviços públicos e menos servidores.
Interessante é a forma como foi construída essa proposta, pois Estados e Municípios não são obrigados a aderir às medidas emergenciais, elas são facultativas. Mas se não aderirem, ficam impedidas de emprestar dinheiro com a garantia da União. Na verdade é uma retaliação, pois muitas áreas do governo dependem dos financiamentos e empréstimos do governo. Claro mesmo ficou o objetivo da PEC no texto, pois todos os recursos serão destinados ao pagamento da Dívida Pública sempre que houver superávit financeiro.
O Senador Oriovisto Guimarães (PODE-PR), em seu relatório, criou uma regra ainda mais rígida que a “regra de ouro” vedando qualquer aumento de despesa com pessoal, inclusive de caráter indenizatório mesmo que implementada parceladamente ou retroativa. Tais pagamentos só serão possíveis após decisão judicial transitada em julgado. Vejam que, tratando-se de matéria constitucional, somente após decisão do Supremo Tribunal Federal que pode levar décadas pra decidir.
A PEC prevê três gatilhos que ensejariam a adoção de tais medidas emergenciais. O primeiro é a quebra da regra de ouro, válido para a União, ou seja, a União não pode contrair empréstimos para pagar despesas correntes, tais como salários, encargos, aluguéis, etc. O segundo gatilho, válido para Estados e Municípios, será disparado quando for atingido 95% de gastos com despesas correntes em relação às receitas. Acionado o gatilho, governadores e prefeitos estão autorizados a adotar as medidas emergenciais. O terceito gatilho, válido para União, Estados e Municípios, será acionado quando as despesas com pessoal atingir os índices previstos na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), estando os chefes do executivo das três esferas de governo autorizados a adotar as medidas emergenciais, independentemente de autorização legislativa (Congresso Nacional, Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais).
No entanto, a grande questão a ser enfrentada continua sendo a desigualdade social. Nenhuma nação cresce com uma desigualdade tão enorme. O sistema tributário em vigor aumenta a desigualdade social brasileira, pois onera excessivamente os pobres e não tributa a renda e o patrimônio dos ricos como deveria.
Na manifestação do Papa Francisco em 2015, por meio da importante carta encíclica Laudato Si, o Papa vem apontando o problema da dívida pública como um instrumento de controle e sua relação com a dívida ecológica, com grandes danos humanos e ambientais insustentáveis e, também, fazendo o chamado para a conscientização de que somos uma só família. E no Brasil, o controle e dominação está ficando bem claro com a urgência e prioridade para pagar os juros da Dívida Pública, em detrimento dos cidadãos pobres e carentes.
Ainda pode ser pior. O Senador Oriovisto, relator da matéria, fez incluir regra ainda mais rígida, eis que autoriza governadores e prefeitos, que após adoção das medidas emergenciais, sem autorização legislativa, prolongar os efeitos das medidas até atingir níveis inferiores a 85% de despesas em relação às receitas. Ou seja, o executivo poderá impor um enorme sacrifício à população, tudo em nome do pagamento de juros da Dívida Pública.
Segundo dados do próprio Ministério da Economia e Consultoria de Orçamento do Senado Federal, treze Estados brasileiros, incluindo Mato Grosso, em setembro de 2019, registravam percentuais de despesas correntes acima de 95% e já poderiam aplicar cortes com despesas de pessoal.
Enfim, pela proposta, todos os Estados e principais Municípios deverão economizar de 5 a 15% de seus orçamentos para pagar a Dívida Pública.
Ao economizar despesas correntes, Estados e Municípios reduzirão serviços públicos e juntamente com eles os servidores públicos.
As questões a serem respondidas pelos parlamentares são:
Quem será afetado com a redução dos serviços públicos de saúde, educação, habitação e demais serviços?
A redução do Estado fará com que a desigualdade social seja reduzida?
E para que servirá a PEC emergencial então? Essa eu mesmo respondo: distribuir a miséria para a grande maioria do povo e juros aos rentistas e banqueiros.