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Artigos / Colunas / Rober Caio Martins Ribeiro

29/06/2020 às 14:04

O fiscal do contrato administrativo sob a ótica dos Tribunais de Contas

Muito se dedica à análise da licitação propriamente dita, das eventuais falhas constantes no edital e tantos outros casos. Contudo, como nos ensinam os professores Cristiana Fortini e Fabrício Motta, o fato é que a corrupção ocorre com mais evidência na execução dos contratos administrativos, e não durante a realização do procedimento licitatório.

Nesse contexto, o artigo 67 da Lei n. 8.666/93, a qual institui normas para licitações e contratos da Administração Pública, determina que a execução do contrato administrativo deve ser fiscalizada por representante da Administração Pública contratante especialmente designado para tal, sendo, inclusive, permitida a contratação de terceiros para auxiliá-lo.

No entanto, apesar da clareza da lei, não raro, a indicação do fiscal do contrato administrativo é medida da qual não se tem a devida atenção dos gestores públicos. Como o próprio nome sugere, tal encargo é de extrema importância para a verificação da escorreita execução das cláusulas pactuadas.

Tanto é verdade que a Auditora Pública Externa do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso, Simone Pelegrini, é categórica ao afirmar, em seu texto “O fiscal do contrato”, que é usual se deparar, durante os procedimentos de auditorias, com contratos administrativos sem a correspondente designação do fiscal do contrato ou realizada de maneira meramente formal, sem a comprovação da efetiva fiscalização.

Apesar da negligência de muitos gestores, as falhas na indicação do fiscal bem como a fiscalização ineficiente estão sempre no radar das Cortes de Contas, conforme alguns julgados que aqui serão comentados, ressaltando, ademais, que o Tribunal de Contas da União compreende que “a prerrogativa conferida à Administração de fiscalizar a implementação da avença deve ser interpretada também como uma obrigação”. (Acórdão 1632/2009 – Plenário)

De início, importante distinguir as funções do gestor e fiscal do contrato. O primeiro diz respeito ao servidor que irá executar os “serviços gerais” do contrato, tais como exigir o cumprimento do pactuado, comunicar falhas, dentre outras atribuições de gerenciamento. Já o fiscal do contrato é aquele que irá acompanhar o efetivo cumprimento das obrigações contratuais, a exemplo do atingimento dos prazos e metas estabelecidos, inclusive, sugerir alterações no contrato, bem como verificar a manutenção das condições de regularidade trabalhista, previdenciária, tributária, etc.

Portanto, as duas atribuições não devem ser confundidas. Aliás, em respeito ao princípio da segregação de funções, as atividades de fiscal e gestor do contrato não devem ser atribuídas ao mesmo servidor público, ressaltando, ainda, que aquele não está subordinado a este.

Assim, a indicação do fiscal do contrato deve recair sobre servidor público pertencente aos quadros da Administração Pública contratante, devendo ser especialmente designado para tal desiderato. Desse modo, a Corte de Contas deste Estado entende que a nomeação de gestor do contrato administrativo e a efetiva realização de atividades de gerenciamento “não suprem a exigência de acompanhamento e fiscalização de contratos prevista no artigo 67 da Lei n. 8.666/93, tendo em vista que as funções de gestão e fiscalização de contratos não se confundem.”. (TCE/MT, Acórdão 2.860/2014 – TP, julgado em 11.12.2014)

Nessa lógica, o artigo 67 da Lei Geral de Licitações permite a contratação de terceiros para assistir e subsidiar o fiscal do contrato. Todavia, isso não implica dizer que a terceirização da função de fiscalização pode ser terceirizada, pois a contratação é tão somente para o assessoramento técnico do fiscal do contrato. (TCU, Acórdão n. 3.464/2007 – 2ª Câmara)

No mais, considerando que cabe ao fiscal o acompanhamento do efetivo cumprimento das obrigações contratuais, para que se permita uma fiscalização fidedigna, o momento correto para a sua indicação é antes ou, no máximo, contemporâneo ao início da vigência contratual.

Nessa perspectiva, ressalta-se que o TCE/MT entende que a designação de fiscal “nos últimos meses de exercício e quando restar comprovado que não ocorreu a efetiva fiscalização e acompanhamento dos instrumentos a ele atribuídos, não atende aos artigos 67 e 73 da Lei n. 6.666/93”. (TCE/MT, Acórdão 573/2014 – TP)

Quanto aos aspectos formais da indicação, o Plenário do TCU, no Acórdão n. 1.094/2013, estabeleceu algumas diretrizes a serem observadas pela Administração Pública, quais sejam:

1 – publicação de portaria específica ou instrumento equivalente para a nomeação/designação do fiscal, constando, inclusive, suas atribuições;

2 – que o fiscal designado possua conhecimento técnico compatível com o objeto contratado;

3 – separação das funções de fiscal e gestor do contrato;

4 – acompanhamento sistemático dos trabalhos de fiscalização;

5 – orientação dos fiscais para documentar todos os eventos do processo de fiscalização.

A respeito da indicação do fiscal com conhecimento compatível ao objeto do contrato, é importante frisar que, caso assim não o faça, eventuais falhas na fiscalização podem recair no agente público que o indicou por culpa in eligendo e/ou in vigilando, ou seja, por culpa na escolha do profissional sem o devido aprimoramento técnico e/ou no acompanhamento dos atos de fiscalização.

Para esclarecer tal circunstância, convém destacar que a 1ª Câmara do TCU, no Acórdão 5.842/2010, asseverou que “o ex-prefeito atrai para si a responsabilidade civil e administrativa também por não ter bem selecionado agentes probos a quem delegou tais tarefas operacionais, bem como por não ter devidamente supervisionado e exigido dos seus subordinados o escorreito cumprimento da lei”.

Por outro lado, caso o Poder Público não forneça condições adequadas para o exercício das atribuições de fiscalização, havendo dano decorrente da falta dela, não há que se falar em responsabilidade do fiscal. É o que, assim, ficou decidido pela 2ª Câmara do TCU na recente orientação emanada do Acórdão 2973/2019. Nesse caso, os Ministros do TCU fundamentaram tal entendimento, sobretudo, no artigo 22 da Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro, o qual estabelece que “na interpretação das normas de gestão pública, deverão ser considerados os obstáculos e as dificuldades do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo”.

Diante desse cenário, indaga-se: é possível a recusa do servidor em assumir o encargo da atribuição de fiscal de determinado contrato administrativo?

É certo que há previsão nos Estatutos dos Servidores Públicos a respeito dos deveres de exercício com zelo e dedicação às atribuições do cargo, lealdade às instituições a que servir e cumprimento das ordens superiores. A título de exemplo, no caso dos servidores federais, convém citar o artigo 116, da Lei n. 8.112/90.

No entanto, tal previsão não impede que o servidor recuse a sua designação para fiscal de contrato, desde que o faça de forma fundamentada, inclusive, demonstrando as razões pertinentes. Além disso, se não possuir conhecimento técnico acerca do objeto contrato e não ter condições adequadas ao ofício, é prudente que o servidor recuse tal incumbência.

 Em relação à fiscalização propriamente dita, deve o fiscal anotar, em registro próprio, todas as ocorrências verificadas, inclusive cabe a ele sugerir correções, propondo glosas administrativas e penalidades, receber provisoriamente o objeto executado, além de impedir que a Administração contratante arque com débitos trabalhistas e previdenciários decorrentes dos contratos de terceirização de mão de obra, nos termos do artigo 67, parágrafo 1º, da Lei n. 8666/93. Afinal, as anotações do fiscal irão orientar todo o processo de liquidação e pagamento relacionado ao contrato.

Portanto, o fiscal deve ter em mente que seu encargo, se realizado de forma deficiente, pode resultar em dano ao erário, o que, eventualmente, culminará em sua responsabilidade de repará-lo.

Nesse sentido, “a negligência de fiscal da Administração na fiscalização de obra ou acompanhamento de contrato atrai para si a responsabilidade por eventuais danos que poderiam ter sido evitados, bem como às penas previstas nos arts. 57 e 58 da Lei n. 8.443/92”. (TCU, Acórdão 859/2006 – Plenário)

Conforme previamente mencionado, cabe ao fiscal verificar o efetivo cumprimento do objeto contrato e registrar eventuais falhas, sob pena de causar prejuízo ao erário, em caso de negligência ao atestá-lo. Em suma, “os processos de pagamentos de despesas devem estar suportados por relatórios e/ou planilhas atestados pelo respectivo fiscal do contrato”. (TCE/MT, Acórdão n. 295/2016)

Nessa acepção, é imperioso anotar que o TCU, em recentíssimo julgado, entendeu que “o atesto de uma despesa efetuado sem a efetiva verificação do direito creditório daquele que entabulou o negócio com a Administração é ato grave, porquanto dá margem à ocorrência de pagamentos efetuados sem a devida contraprestação por parte do credor, sujeitando o responsável ao ressarcimento do dano apurado”. (TCU – 2ª Câmara, Acórdão 6145/2020).

De modo uniforme, a Corte de Contas da União entende que, uma vez verificada pelo fiscal a necessidade de alteração qualitativa e/ou quantitativa do contrato, é dever deste de notificar o respectivo superior acerca de necessidade de se promover termo aditivo, sob pena de responsabilização. (TCU, Acórdão 43/2015 – Plenário)

À vista disso, é possível afirmar que a função do fiscal do contrato, além de complexa, é de extrema relevância para o fiel cumprimento do contrato, uma vez que tal servidor é o principal representante da Administração Pública responsável por verificar o atendimento das expectativas contratuais.

Assim, a designação correta de servidor público para tal missão é, sobretudo, imprescindível para que a utilização de recursos públicos seja efetivamente programada, evitando-se atos de corrupção, de maneira particular, em tempos de pandemia, pois os mecanismos de contratação pública sofreram consideráveis alterações na tentativa de atender a contento a demanda, como já tive a oportunidade de tecer breves considerações no texto intitulado A antecipação de pagamento dos contratos administrativos em decorrência da COVID-19”, referente à possibilidade de antecipar os pagamentos do acordo administrativo, que, apesar de já ter amparo na jurisprudência, foi inserida na MP 961/2020 para dar mais segurança jurídica aos gestores.

Por fim, registra-se a necessidade de a Administração Pública capacitar os servidores públicos fiscais de contratos, dando-lhes condições adequadas ao trabalho, a partir da disponibilização de recursos atualizados, sob pena, inclusive, de responsabilidade, como asseverado acima.

Rober Caio Martins Ribeiro

Rober Caio Martins Ribeiro
Advogado e Procurador do Município de Cuiabá/MT
Contato: robercaio@hotmail.com
 
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