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24/07/2018 às 20:52

Quem tem medo de São Paulo?

O que escrever de um lugar sobre o qual praticamente tudo já foi escrito/falado/cantado?

Na segunda parada dessas curtas férias de meio de ano, volto à cidade de São Paulo onde vivi por 12 anos para sentir se ainda "alguma coisa acontece no meu coração". E várias coisas acontecem!

Termômetro da economia nacional, a maior metrópole do país não indica uma temperatura muito saudável nesse sentido. Vários espaços comerciais para alugar, um número impressionante da população em situação de rua na região central. Pessoas com quem conversei disseram que isso é resultado de uma convergência de motivos: a imigração advinda dos mais diferentes lugares do mundo (de haitianos a vizinhos sul-americanos, passando por senegaleses e brasileiros de outras regiões), dependentes de drogas que foram expulsos da chamada cracolândia (numa ação do governo que visava a solucionar o problema social, mas que efetivamente serviu para espalhar os usuários por uma área bem mais abrangente), além dos antigos moradores do prédio invadido que incendiou e desabou no último mês de maio. Some-se isso tudo aos já usuais habitantes em situação vulnerável de uma grande cidade, e o triste quadro social está formado.

Vários espaços disponíveis para venda e/ou aluguel em locais conhecidos por serem pontos fortes de comércio e filas com centenas de candidatos a vagas de emprego num sindicato no centro da cidade sinalizam que a tal crise econômica, que sufoca o país nos últimos anos, não apresenta indícios de perder a força.

O contexto triste acima arranha a imagem de grande centro de oportunidades e possibilidades que foi construída acerca da cidade que não para, que a todos acolhe, que pode oferecer outros horizontes àqueles que têm disposição para trabalhar. Na atual conjuntura, apenas disposição parece não bastar.

Mas, apesar de tudo isso, o que também abunda em São Paulo é a poesia para os olhos daqueles que conseguem enxergar mais do que o concreto ? em seus bem mais de 50 tons de cinza ? que domina o ambiente. A vida pulsa neste lugar, por todos os lados. No verde que encontra brechas no concreto e explode no ar. Na pessoa apertada no transporte público que se locomove. No barulho quase incessante de talheres nos restaurantes na hora do almoço. Nas luzes noturnas que indicam que enquanto uns dormem para recuperar suas energias, outros estão prontos para gastá-la, ganhando a vida, se divertindo, pulsando na noite da cidade que não dorme.

E não só de concreto é feita São Paulo. É feita também de outras cores nos grafites que cobrem algumas paredes, nos jardins verticais que cobrem de verde algumas outras, nas flores dos parques e praças que poderiam ser mais numerosos. Há também as cores das culturas, cores de espectro mais vasto nos produtos vendidos pelos africanos no centro, na arquitetura de bairros como a Liberdade, o Bom Retiro e o Bixiga. E a mistura de todas as cores da região da Avenida Paulista.

São Paulo é um tipo de grande espelho do Brasil, para diagnosticar o bom e o ruim. Sim, ela assusta quem chega de fora e vê o mar de prédios, de gentes, de cores e sons. Mas perde-se qualquer sensação de estranheza quando se nota que São Paulo é uma cidade capaz de, em sua complexidade fragmentada, fazer com que você, independentemente de sua origem, se sinta em casa com o passar do tempo.

Gabriel Oliveira - Crônicas do Cotidiano

Gabriel Oliveira - Crônicas do Cotidiano
As Crônicas do Cotidiano se dedicam a vislumbrar o quão surpreendente pode ser aquilo que aparentemente é corriqueiro, e que depende de cada um tornar grandioso e significativo para si mesmo o que naturalmente parece trivial e insignificante. Este é um espaço dedicado à reflexão de que todas as ações possuem reações que afetam a nós e ao mundo em nosso redor, à ideia de que somos seres políticos e que exercemos esta característica nas escolhas que fazemos no cotidiano. 

Gabriel Oliveira, professor do Instituto Federal de Mato Grosso - IFMT, é Doutorando em Linguística pela UNICAMP, Mestre em Ciências da Comunicação pela USP e Graduado em Letras pela Federal do Rio Grande - FURG. Concentra suas pesquisas na área de Análise do Discurso. É membro da diretoria da Associação Brasileira de Estudos da Homocultura - ABEH e possui larga experiência com docência superior em instituições de MT e de SP, além de trabalhos e projetos em Comunicação no mundo corporativo.
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