Imprimir

Imprimir Artigo

14/07/2020 às 19:09

STF e a eternidade das ações de ressarcimento ao erário

No art. 37 da Constituição encontram-se dois dispositivos importantíssimos: §§4 e 5º. A doutrina tradicional preconiza(va) que o §5º concretiza(va) uma cláusula de imprescritibilidade, quando a pretensão fundasse em ressarcimento de danos, seja decorrente de ato de improbidade ou não. A imprescritibilidade seria uma regra.
 
No âmbito da jurisprudência do STF, a imprescritibilidade da pretensão de ressarcimento dos danos foi objeto de discussão no julgamento do MS 26.210 (DJe 10/10/2008). Conquanto levantadas teses, a da imprescritibilidade foi adotada pela maioria; vencido apenas o min. Marco Aurélio.
 
A partir de 2016, o STF voltou a dar atenção aos preceitos consignados, notadamente o §5º. Passou a adotar teses restritivas do poder de demanda do Estado. Em outras palavras, passou a acolher (sim) o entendimento do min. Marco Aurélio, amoldando-se aos parâmetros do ordenamento jurídico, que não tolera situações eternizadas, como se o processo fosse uma inesgotável ameaça às pessoas sujeitas à perene e eventual pretensão ressarcitória.
 
Então, no RE 669.069/MG (julgado em 03/02/2016 – repercussão geral), a Fazenda Pública sustentou a tese de que “as ações de ressarcimento ao erário propostas em caso de ilícitos civis praticados contra o Poder Público são imprescritíveis”. A tese não foi aceita, que adotou a seguinte: “É prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública decorrente de ilícito civil.” – Tema 666.

Todavia, não passou a valer para os atos de improbidade. Em resumo: a pretensão de reparação de danos à Fazenda Pública decorrentes de “ilícito civil”[1] estariam sujeitas à prescrição (RE 669.069/MG). Pode-se afirmar que a pretensão de ressarcimento decorrentes de ato de improbidade eram imprescritíveis (CRFB/88, art. 37, §5º). Não havia, até aqui (2016), distinção entre ato ímprobo doloso ou culposo.
 
Já em 2018 o STF avançou na temática quando julgou o RE 852.475/SP, julgado a 08/08/2018 (repercussão geral), fixando a seguinte tese: “São imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa.” – Tema 897.
 
Dessa forma, somente são imprescritíveis a pretensão envolvendo atos de improbidade praticados dolosamente. Se do ato de improbidade decorreu prejuízo ao erário, mas praticado culposamente, então, neste caso, a pretensão de ressarcimento será prescritível e deverá ser proposta no prazo do art. 23 da Lei Federal 8.429/1992 (LIA), em regra, 05 anos. Somente o art. 10 da referida lei admite a imputação por culpa, os demais (arts. 9º, 10-A e 11), somente a título de dolo.
 
Em todos os casos, os atos ímprobos devem ser provados em processo que seja assegurado o contraditório. É inadmissível a propositura de demanda com viés ressarcitório, veiculando-se o ato doloso apenas na causa de pedir. O ente lesado ou o Ministério Público devem propor ação de conhecimento visando provar a prática de ato de improbidade doloso, para então deduzir o pedido de ressarcimento. Em outras palavras, a certificação judicial da existência de um ato ímprobo doloso é pressuposto lógico para a procedência do pedido ressarcitório.
 
Resumidamente, o STF resolveu pacificar a questão atinente ao §5º do art. 37 da Constituição. E o fez da seguinte forma: a) É PRESCRITÍVEL a pretensão de reparação de danos à Fazenda Pública decorrentes de “ilícito civil” (RE 669.069/MG); b) É PRESCRITÍVEL a pretensão de ressarcimento decorrente de ato de improbidade praticado culposamente (LIA, art. 10). A ação deve ser proposta dentro do prazo do art. 23 da LIA (RE 852.475/SP); e c) É IMPRESCRITÍVEL a pretensão de ressarcimento decorrente de ato de improbidade praticado dolosamente (LIA, arts. 9º, 10-A e 11) (RE 852.475/SP).
 
Conquanto aparentemente a questão se mostre pacificada, não parece imune a críticas. A previsão de que “a lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos (...) que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento”, deve expressar a intenção de separar os prazos de prescrição do ilícito propriamente dito, seja penal ou administrativo, dos prazos das ações de responsabilidade, que não terão razão de coincidência obrigatória. O termo “as ações de ressarcimento” deve significar que terão prazos autônomos em relação aos que a lei impõe para as responsabilidades administrativa e penal, em sentido amplo; ou seja, entende-se que são especiais.
 
As razões para esse especial pensamento contam com o beneplácito de autorizada doutrina nacional. É o caso de Celso Antônio Bandeira de Mello, que, na 28ª edição do seu Curso ... (p. 1.073), mudou de posição, adotando o entendimento de Emerson Gabardo em conferência proferida no Congresso Mineiro de Direito Administrativo, realizado em maio de 2009, no sentido de que, se acolhida a tese da imprescritibilidade, “restaria consagrada a minimização ou eliminação prática do direito de defesa daquele a quem se houvesse increpado danos ao erário, pois ninguém guarda documentação que lhe seria necessária além de um prazo razoável, de regra não demasiadamente longo”.
 
O consagrado administrativista ainda sustenta que, quando quis abraçar a regra da imprescritibilidade, a Constituição da 1988 o fez expressamente, como o art. 5º, LII e LXIV, não havendo espaço para outras hipóteses.
 
Processos de responsabilização pessoal sujeitam-se a prazos legais para o exercício legítimo da pretensão. “Criar” hipóteses de imprescritibilidade sem respaldo constitucional expresso é alargar o poder-dever de sancionar, caracterizando elevada carga restritiva de direitos. Coloca o acusado em posição jurídica de eterna situação de sujeição passiva, transformando a imputação de atos de improbidade em categoria assustadora, pelo claro dano à segurança e à estabilização das relações jurídicas, agredindo demasiadamente a Constituição. Afinal, quando uma ação de improbidade tem fim?
 
 Imprimir