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31/03/2019 às 20:00 | Atualizada: 02/04/2019 às 21:41

1964 e o regime que viveu probleminhas

O mundo fervilhava no início da década de 1960.

Ainda no fim dos 1950 foram lançados vários projetos culturais alternativos ao moralismo rígido então vigente. A literatura beat de Jack Kerouac, o rock de garagem marginal aos grandes astros, movimentos de vanguarda no teatro e no cinema. Nos EUA, a eleição de John Kennedy (1960) rompia com um período de domínio político mais conservador. Alguns países ocidentais acenavam (uns mais, outros nem tanto) politicamente à esquerda, com a Revolução Cubana de 1959, a coalizão italiana de centro-esquerda (1963) e os trabalhistas britânicos (1964). No Brasil, o governo João Goulart sorria para a União Soviética.

Época de questionamentos para os americanos, com a segunda onda do feminismo e os movimentos civis de negros e gays. João 23 abre concílio que mexeria com o catolicismo. Movimentos de contracultura, como o hippie, protestavam por um mundo de paz e amor, contra a Guerras Fria e do Vietnã. Havia um certo lirismo no ar, com manifestações socioculturais e um idealismo advindo de um espírito de luta do povo. Até a Bossa Nova sofre uma ruptura, com nomes como Marcos Valle, Dori Caymmi, Edu Lobo, Carlos Lyra e Nara Leão se aproximando mais do morro e das raízes brasileiras, como o samba de Zé Ketti e Cartola e o xote de João do Vale.

Na economia os tempos por aqui eram difíceis. A urbanização e a industrialização do período JK resultaram em declínio no crescimento do Brasil. A dívida externa era galopante, dados os empréstimos para a modernização do país, que passava por queda na produção interna, já que a indústria nacional não era competitiva. Essa conjuntura causou queda do poder aquisitivo dos salários, desemprego e inflação. As novas indústrias não criavam empregos o suficiente para o rápido crescimento populacional urbano, e a renda estava ainda mais concentrada.

Crise socioeconômica, movimentos contraculturais, questionamentos morais, o “perigo comunista” soviético, isso tudo junto e misturado, mais uns interesses daqui e dali, resultaram com que João Goulart fosse deposto da presidência, em golpe político apoiado por segmentos sociais importantes, como os grandes produtores rurais, a burguesia industrial paulista, boa parte da classe média urbana e o setor católico conservador, que promoveu a “Marcha da Família com Deus pela Liberdade” poucos dias antes do 31 de março de 1964, quando os militares assumiram o poder. Seguiu-se no Brasil um período politicamente ditatorial de 21 anos marcado por um regime nacionalista e autoritário.

Nesta última semana, Jair Bolsonaro, presidente de formação militar e eleito sob a vigência do Estado Democrático de Direito, e poucos dias depois de ordenar comemorações pelo 31 de março, declarou em entrevista à Rede Bandeirantes que não houve ditadura no Brasil, e no período de mais de duas décadas após o golpe de 1964 “de vez em quando teve um probleminha”, como há em qualquer casamento.

Durante o regime militar, segundo o relatório da Comissão Nacional da Verdade, 423 pessoas foram mortas ou desapareceram, crimes resultantes de uma política de Estado. Ao todo, 4.841 pessoas perderam seus direitos políticos, tiveram seus mandatos cassados, foram compulsoriamente aposentadas ou demitidas. Em 1968, o Ato Inconstitucional número 5 (AI-5) produziu mais de 2.200 casos denunciados de tortura de presos políticos. São alguns dos probleminhas ocorridos durante o regime. 

Bela matéria da revista Superinteressante explica os mecanismos psicológicos que levam à postura de negação da existência de uma ditadura no Brasil, por exemplo.

Este que vos escreve entende que não há o que comemorar no 31 de março de 1964 para a nação brasileira. Entende que neste dia houve um golpe civil-militar que implantou uma ditadura militar causadora de feridas históricas de que jamais devemos esquecer, para que nunca se repitam!
 
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