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05/08/2019 às 11:21 | Atualizada: 05/08/2019 às 11:23

Concluir o VLT é um erro, mas poucos vão tocar nessa ferida

Em 2009, Cuiabá foi eleita uma das doze cidades sedes da Copa do Mundo de 2014. Naquele momento, os mato-grossenses foram convencidos de que a região metropolitana de Cuiabá receberia novos investimentos, infra-estrutura, novos empregos, novas empresas e soluções modernas para o trânsito. A expectativa foi imensa, mas os resultados efetivos foram trágicos. Após dez anos desde o fatídico anúncio feito pela FIFA e cá estamos em um gigante imbróglio, com várias frentes políticas tentando decidir algo que vai muito além de uma busca por votos: O futuro de um estado inteiro.

E aqui, não está em jogo apenas uma questão moral de fazer cumprir a meta proposta da instauração do VLT (Veículo Leve Sobre Trilhos) e que fora paga com os impostos dos contribuintes. Estamos diante de um trem fantasma, cujo seu valor original equivale a R$ 1,4 bilhões, com seus gastos se expandindo +ainda mais, caso suas obras sejam eventualmente retomadas. E não podemos deixar que uma má decisão tomada no passado com fins exclusivamente políticos seja repetida, perpetuando o erro e sobrecarregando a população com um fardo ainda maior. Diante de um cenário caótico, é preciso abrir o debate para algo que vá além da implantação do modal, abordando a real questão que Cuiabá ainda não enfrentou, que é o investimento, planejamento e estruturação de uma mobilidade urbana ampla e abrangente, que compreenda a construção de novas avenidas à instalação de um meio de transporte eficaz, econômica e socialmente viável.

Foi essa falta de perspectiva e a sede apelativa por votos que fez com que as discussões a respeito do modal tivessem se transformado em palanques para ludibriar o povo. Usando argumentos frágeis e contestáveis, o VLT substituiu a implantação do BRT (Bus Rapid Transit), arrastando consigo um cenário de endividamento, uma alastrada corrupção e prisões que envergonharam o nosso estado e nos deixaram a ver navios. Na época das discussões, a verdade foi deixada de lado para sustentar o ego de figuras que hoje fazem parte da lista negra do ramo político e social e não se levou em consideração os próprios dados da consultoria contratada para levantar o estudo de viabilidade do modal. Números esses que comprovam ser necessário ter uma média de 15 mil passageiros por hora para garantir a sustentabilidade econômica do veículo, em um contexto cuiabano onde a quantidade seria de pouco mais de sete mil, considerando ainda a defasagem deste levantamento, feito em uma época onde o aplicativos de carona e de corridas particulares não existiam na Capital. 

E esse cenário de inviabilidade é ainda maior, ao considerarmos as novas frentes tecnológicas que têm redefinido o trânsito em Cuiabá e ao redor do mundo. Segundo um estudo feito pela Consultoria Delloite em 20 países, incluindo o Brasil, 39% dos brasileiros estão interessados em serviços de carona como o Uber, 99 Taxi, Lyft, entre outros, salientando uma mudança na dinâmica de deslocamento da própria população. E em um universo onde corridas dessa natureza saem pouco mais que uma tarifa de um transporte público, não é possível decidir os rumos da nossa cidade e - logo - o do VLT, sem considerarmos o contexto contemporâneo que a mobilidade urbana enfrenta. Fechar os olhos e apertar o "play" na obra é leviano, irresponsável e vai sair mais caro que todos pensam. 

Indo mais longe, os números que norteiam o VLT são assustadores. Além de já ter consumido mais de R$ 1 bilhão dos cofres públicos, sem ao menos andar um metro sequer, seu custo de instalação é R$ 700 milhões a mais em relação à implantação do BRT. Essa obra se transformou em uma lembrança do que a corrupção, falta de planejamento, organização e fiscalização podem acarretar na vida da população. Como um erro berrante que grita a plenos pulmões, ela é a incerteza do desenvolvimento que nunca veio, das oportunidades jamais nascidas e da qualidade de vida prometida que jamais fora cumprida.

E neste balaio de promessas frágeis e fracas demais, existe um estado que perece em uma crise econômica, com hospitais regionais desabastecidos e em condições precárias de atendimento, uma perigosa ausência de medicamentos nos Postos de Saúde da Família (PSF) e uma greve de professores estaduais que evidencia ainda mais a falta de recursos públicos para honrar o trabalho desses profissionais. Com um quadro preocupante, é leviano alterar a voz com demandas descabidas, que exigem a retomada das obras de um monumento fracassado que sabemos ser completamente inviável. Sejamos francos, construir o VLT - a essa altura do campeonato - não é a solução para um povo que possui problemas tão graves que ainda não foram solucionados. 

E como uma espécie de bandeira pró-VLT, infelizmente testemunhamos representantes sociais exigindo uma obra que, desde seu princípio, já estava errada. Considerando as extensões de Cuiabá e toda sua estrutura, é evidente que o modal mais adequado e de implantação mais certeira seria o BRT, cuja obra custaria R$ 423 milhões. Mas a irresponsabilidade sócio econômica, em virtude de vaidades políticas, comprometeu o genuíno desenvolvimento de Cuiabá e Mato Grosso à época da decisão, nos deixando à deriva, em busca de uma solução que - financeiramente - não funciona em nosso atual contexto. 

Além disso, muito mais que entregar o VLT, é necessário ponderar seus gastos frequentes de manutenção. Segundo os dados mais recentes da Secretaria de Estado de Infraestrutura e Logística (Sinfra-MT), os custos e despesas anuais de sua operação seriam de R$ 78 milhões, sendo que a receita anual do veículo seria de mais de R$ 48 milhões - considerando que o valor das passagens seria de R$ 3,60, com a integração custando R$ 1,36 (o montante ainda considera todas as gratuidades vigentes em nosso sistema). Com este quadro, Mato Grosso teria um déficit anual de mais de R$ 37 milhões. E a pergunta que não quer calar: De onde viriam os recursos necessários para garantir a subsistência desse modal?

Em um universo onde as empresas que compuseram o Consórcio VLT estão entre recuperações judiciais e crises financeiras sem precedentes e o Ministério Público move ações civis para que mais de R$ 100 milhões sejam devolvidos aos cofres públicos, será mesmo que retomar as obras do modal é a melhor decisão? Enquanto os hospitais e PSFs estiverem desabastecidos e servidores não estiverem sendo devidamente remunerados, a óbvia resposta é não. Desconfie de quem pensar o contrário.
 
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