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05/05/2021 às 10:30

Personalidades da cultura de MT são vacinadas e refletem sobre pandemia

Expoentes de diferentes segmentos culturais e artísticos compartilham suas experiências e impressões acerca do atual momento

Túlio Paniago

Personalidades da cultura de MT são vacinadas e refletem sobre pandemia

Foto: Divulgação

Há pouco menos de um ano, no dia 03 de julho de 2020, Cuiabá perdia Marília Beatriz de Figueiredo Leite, 76. Ela foi uma das mais de 410 mil vítimas da covid-19 no Brasil. Professora aposentada e uma das fundadores da Universidade Federal de Mato Grosso, Marília também era escritora, poeta, teatróloga e ocupava a cadeira de número 02 da Academia Mato-grossense de Letras (AML), instituição que presidiu entre 2015 e 2017.

Assim como ela, outros nomes da cultura e das artes de Mato Grosso passaram a compor a triste estatística de quase 10 mil mortes causadas pelo novo coronavírus no estado. Esta rotina de óbitos cria uma sensação de luto coletivo que parece se estender indefinidamente, porém, em contrapartida, a resiliência da vida se personifica nos que ficam.

Obviamente nada suprime a dor da perda, ou as dores das perdas, em um plural que singulariza vida e morte, mas ao menos serve como alento em dias que a ausência de más notícias já é uma boa notícia. Afinal, enquanto a ordem do dia é o luto, pequenos respiros dão fôlego à vida, como a recuperação dos internos e a vacinação que, lentamente, imuniza idosos e grupos de risco.

A atriz Lucia Palma já tomou as duas dosesPensando nisso, o Leiagora conversou com representantes de diferentes segmentos culturais e artísticos que já tomaram ao menos a primeira dose, como a atriz Lucia Palma (Foto ao lado); Vera Capilé (Música); Vitória Basaia (Artes Plásticas); Lorenzo Falcão (Literatura); e Maurília Valderez (filosofia).

Trata-se de uma amostra do vasto universo cultural de Mato Grosso. Mais nomes estão listados ao fim desta matéria, inclusive, caso o(a) leitor(a) saiba de personalidades que já foram vacinadas e ainda não constam nesta lista, basta enviar um comentário que iremos atualizá-la.

Isolamento e luto

O encenador polonês Jerzy Grotowski (1933-1999) acreditava que “a essência do teatro é o encontro”. Esta perspectiva se estende a outras linguagens artísticas, não por acaso é tão perturbadora esta realidade esvaziada de pessoas em teatros, salas de cinema, museus, galerias, espaços de shows e outros ambientes de apresentações e exposições artísticas. E a falta de afetos físicos nos afeta emocionalmente.

“Gosto do abraço, da prosa olho no olho, sinto falta da casa cheia”, comenta a artista plástica Vitória Basaia. Ser anfitriã era um hábito em sua vida, até porque sua residência é uma espécie de museu. Ela conta que sempre gostou de receber as pessoas, porém perdeu “muitos amigos que frequentavam o lar”.

E as visitas continuarão ausentes de sua rotina, afinal, conforme recomendado pelas autoridades sanitárias, ela mantém o isolamento mesmo após receber as duas doses da vacina. Mas, em algum momento, sonha com novos encontros. “Não vejo a hora de rever os poucos amigos que ainda me restam num come bom cheio de risos sem máscaras”.

Enquanto estes encontros não são possíveis, cada qual lida com a nova realidade à sua maneira, inclusive estendendo o isolamento ao universo virtual. “Eu já nem vejo redes sociais, porque é só gente morrendo: parentes, amigos, conhecidos”, relata a cineasta Glória Albuês, que tomou a primeira dose, em Chapada dos Guimarães, no dia 23 de abril.

Já o escritor Lorenzo Falcão, 63, que acaba de publicar o livro “Abobrinhas”, aguarda pela segunda dose enquanto pensa sobre o cotidiano. “Nos últimos cinco anos venho me dedicando mais ao ofício da literatura, arte que combina com solidão. Mas aí veio a pandemia e balançou muito minha rotina”. Ele revela que tem sentido falta de beijos, abraços ou simples apertos de mão. “Pude ter a certeza de o quão importante é o contato físico com as pessoas”.

Contato que, em alguns casos, jamais chegou a acontecer. “Tenho uma neta de nove meses que não pude ver seu nascimento, nem a conheço”, lamenta a atriz Lucia Palma, 73, que tomou a segunda dose no dia 30 de abril. Ela conta que, não bastasse as recentes mortes de pessoas próximas, também perdera, ao longo da vida, amigos para outras doenças, como raiva, tétano e tifo, portanto aprendeu cedo a importância das vacinas. Inclusive, ciente do risco que corria por conta de algumas comorbidades, chegou a umedecer os olhos no momento da vacinação. “Fui acometida de uma forte emoção. Minha Saúde, minha vida estava ali!”, relembra.

Vacinação: uma questão ética

Uma das primeiras a sentir esta sensação que comoveu Lucia foi justamente uma de suas grandes amigas, a cantora Vera Capilé, 72, que é psicóloga e trabalha com idosos. Vera foi voluntária ainda na fase de testes da Coronavac. “Logo que soube da pesquisa procurei me candidatar. Meu desejo era contribuir para que a vacina fosse liberada para imunizar o máximo de pessoas”.

Todavia, enquanto alguns lutam para que todos sejam imunizados, outros insistem em questionar a eficácia das vacinas e dos demais protocolos de segurança. É o que
alerta a professora de filosofia Maurília Valderez, 72, que tomou a segunda dose nesta segunda (03.05). Ela classifica esta posição negacionista como um “comportamento nocivo”, afinal “difunde o vírus e propaga a morte”.

“Existe um conjunto de fatos que atestam a necessidade da vacina, da manutenção do isolamento, do uso de máscaras, da higienização das mãos, mas ainda assim tem gente achando que nada disso é importante. É um grupo minoritário que vive se alimentando de um discurso que é resultado das Fake News”, reforça a professora, que ainda lembra que a imunização coletiva só é garantida com a vacinação de toda a população.

Sobre este aspecto, Lucia Palma levanta questões éticas em um cenário cujos cuidados individuais e coletivos se confundem. “A ‘liberdade’ de optar por não se vacinar esbarra na obrigação e responsabilidade em preocupar-se com o outro. É uma obrigação nossa como cidadãos. É um ato de civilidade. Não vacinar é voltar à barbárie, à Idade das Trevas”. Ela destaca recentes conquistas da ciência, em especial a criação de várias vacinas em menos de um ano, o que classifica como “um grande feito civilizatório”.

Neste sentido, Vera Capilé comenta, levando em consideração o contexto cultural do século passado, que até compreende o processo que levou Oswaldo Cruz a ser “repudiado, agredido pela sociedade da época, mas hoje, no século XXI? Como entender isso!? Indignação é o que sinto! Indignação!”, ressalta.

Do luto à luta

Glória Albuês também se revolta quando pensa nas “mortes que poderiam ter sido evitadas se o governo federal tivesse feito o que se espera de um governo”. Ela lembra que o executivo teve oportunidade de adquirir, ainda em 2020, doses das vacinas Pfizer e Sputnik V, mas preferiu abrir mão de ambas, além de “não elaborar um plano de vacinação eficaz e com antecedência”.

A cineasta, aliás, está concluindo o documentário “Itinerários e cicatrizes”, que trata da última queimada no Pantanal e suas consequências. O filme-ensaio tenta “seguir os passos da morte, os passos da destruição, por onde o fogo passou, as marcas que deixou”. A descrição da obra é quase alegórica em relação ao atual momento, afinal “o sentido acaba sendo muito parecido [com o da pandemia], isso de se olhar ao redor e ver que está tudo arrasado”, reflete.

Diante deste quadro desolador, Lorenzo aproveitou o momento da vacinação para fazer uma manifestação política. Ele posou segurando um adesivo escrito “Fora Bolsonaro” e postou em uma rede social. A publicação teve grande repercussão, porém ele pontua que a intenção não é ser panfletário, tampouco “banalizar a vacina, inserindo-a no contexto político”, inclusive, na legenda da imagem, destacou que estava conseguindo algo [a vacina] que deseja a todos.

“Continuo batalhando por um mundo melhor e isso significa um conjunto de iniciativas focadas no aspecto humanitário, o que, definitivamente, não é o que o governo federal vem demonstrando”, complementa o imortal da Academia Mato-grossense de Letras.

Maurília Valderez é enfática: “a gente está mergulhado em um filme de terror”. Segundo ela, “o Brasil se transformou num laboratório de morte em vários sentidos, morte da população por abandono, por uma política de extermínio". E acrescenta que o governo tem consciência deste processo, pois age no intuito de "matar ou simplesmente deixar morrer”.

Por fim, ciente da contribuição cultural dela e dos demais colegas já vacinados (e também dos mortos), Valderez critica ataques feitos pelo atual presidente da República e por considerável parcela da população contra a classe artística e profissionais da educação. “É uma distorção do ponto de vista do que é o trabalho intelectual, do que é o trabalho criativo, qual é o lugar do pensamento no campo da cultura, qual é o lugar da arte na constituição da nossa vida, do nosso cotidiano”.


É difícil mensurar as perdas de profissionais ligados ao setor cultural, perdas que abarcam os mais variados sentidos da palavra. A classe artística “dança na corda bamba de sombrinha / e em cada passo dessa linha / pode se machucar”, como diriam os afamados versos de Aldir Blanc, poeta que, após ser vítima da covid, batizou a Lei Federal que destina recursos aos artistas mais afetados pela pandemia. A mesma canção diz que “a esperança equilibrista / sabe que o show de todo artista / tem que continuar”, portanto os que ficam buscam alterativas para sobreviver enquanto vislumbram um futuro com texturas de passado.

Lista de personalidades da cultura já vacinadas:
Lucia Palma, atriz
Vitória Basaia, artista plástica
Lorenzo Falcão, escrtiro
Glória Albuês, cineasta
Maurília Valderez, professora de filosofia
Vera Capilé, cantora
Domingas Leonor, criadora do Flor Ribeirinha
Guapo, músico
Lucinda Persona, poeta
Aclyse de Mattos, poeta
Aline Figueiredo, crítica de arte
Dalva de Barros, artista plástica
Ivens Cuiabano Scaff, escritor
Elizabeth Madureira Siqueira, historiadora
João Carlos Vicente Ferreira, escritor

Foto 01: Mosaico
Foto 02: Lucia Palma
Foto 03: Vitória Basaia
Foto 04: Maurília Valderez (Autor: Protásio de Moraes)
Foto 05: Glória Albuês
Foto 06: Lorenzo Falcão
Foto 07: Vera Capilé
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