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Notícias / Cinema

14/05/2021 às 09:14

'Sou exemplo do avesso', diz Luciene Carvalho sobre filme quase autobiográfico

Documentário dirigido por Juliana Curvo concorre ao troféu do Cinemato

Túlio Paniago

'Sou exemplo do avesso', diz Luciene Carvalho sobre filme quase autobiográfico

Foto: Foto: Karen Malagoli

“Artista. Pobre. Mulher. Preta. Gorda. Louca. Dependente. São tantos rótulos que talvez a ousadia seja falar, contar, expor, sobreviver, atravessar, prosseguir”, reflete a poeta que dá nome ao documentário que está "em cartaz" no Festival de Cinema e Vídeo de Cuiabá (Cinemato). Dirigido por Juliana Curvo, “Luciene” é um dos sete concorrentes ao troféu na Mostra Competitiva de Longas-Metragens.

Cada uma das produção fica disponível, em formato virtual, durante 24 horas. O público tem até às 18h desta sexta-feira (14) para assistir na plataformaAmazônia Flix. Basta acessareste linke realizar um rápido cadastro.

Luciene, que se recuperou recentemente de um enfarto, completa 56 anos no sábado (15), portanto o filme é uma espécie de presente, porém, amparada pela própria experiência de vida, adota um certo receio preventivo. “Vou para a estreia, dentro de mim, cheia de medo. Pela exposição, pela demasia, pelo derramamento, pelo medo do julgamento”, confessa.

Apesar da compreensível insegurança, ela confiou na sensibilidade da diretora Juliana Curvo para se deixar ser registrada até “nas questões menos dignas de aplausos”. Luciene, que goza da imortalidade na Academia Mato-grossense de Letras, tem feito desta vida de carne, osso e vísceras a sua principal obra.

“Não sou filme porque sou grandiosa, porque sou heroica, porque realizei grandes feitos. Sou heroína da resiliência. Eu sou exemplo do avesso”, diz se referindo às internações que já foi submetida, bem como às questões raciais e de gênero que fazem parte da sua trajetória.

Ela costuma, em cada frase que constrói, listar adjetivos, substantivos ou verbos como se todos servissem para compor o sentido desejado. Ou talvez nenhum, por isso a busca. Seja como for, ela tem total domínio sobre a linguagem das palavras, mas não a do audiovisual. “É uma perda de controle a partir do momento que uma arte potente, como o cinema, me olha, me registra e me narra”.

Sobre o documentário

Quem domina essa outra linguagem é Juliana Curvo, que optou por dar voz absoluta à sua personagem-título, colocando a produção em um lugar que beira a autobiografia. “A gente deu a liberdade para só a Luciene falar. Então ela tem a liberdade de brincar com as memórias, embaralhar essas memórias, e nos contar da maneira que a convém”, comenta a diretora.

Portanto, ao se inserir neste registro quase autobiográfico, a obra consequentemente flerta com a autoficção, o que não é nenhum problema, até porque a proposta é justamente subverter “esse fardo de ser realista” que o gênero carrega. “O legal desse documentário foi brincar com isso, com esse limite entre o que é invenção e o que é realmente o cotidiano da Luciene”, complementa.

Entretanto, quando se encontraram pelas primeiras vezes, a ideia era fazer um documentário clássico, com enquadramentos em primeiro plano, imagens de arquivos e depoimentos de especialistas, mas a experiência com Luciene subverteu a linguagem do filme, pois ela não se sentiu tão à vontade diante dessa abordagem. “A gente percebeu o quanto ia ficar frio e distante do que ela é e do que a obra dela representa para a literatura mato-grossense e brasileira”, acrescenta Juliana.

Então, identificado o que não estava funcionando, a diretora teve que buscar novas possibilidades de abordagens. Eis que Juliana abriu mão da hierarquia estabelecida entre documentarista e documentada e também se jogou em cena, alterando assim as próprias prioridades iniciais, afinal o trabalho passou a prezar mais pela experiência compartilhada e os relatos genuínos do que pela plasticidade cinematográfica. “Andar com ela pelas ruas do Porto foi, pra mim, uma das melhores partes do documentário”, revela.

Esta experiência de se colocar diante das câmeras, embora inusitada para a cineasta, colaborou para tirar Luciene do estado de protagonismo absoluto que a impedia de se expressar com naturalidade. E a opção ainda criou uma relação cênica entre as duas. “Traz o embate, por isso que eu falo do antagonismo, porque é como se ela tivesse alguém a enfrentar”.

Diante do trabalho concluído, Juliana considera que Luciene foi a co-autora, afinal a experiência entre elas reformulou a linguagem da obra. “Ela também cria nesse documentário, não só como a personagem, mas como alguém que, de algum modo, nos colocou numa situação de procurar novas estratégias e novos caminhos”.

Luciene revelou estar emotiva por, em suas palavras, “atravessar um ponto sensível da travessia”. Ela fez um desabafo emocionada ao fim desta entrevista: “Eu quero voar. Eu quero alguma plenitude, alguma dignidade na minha vida. Eu quero seguir com minha arte. Eu quero um pedaço de mato, de quintal, de casa, e seguir com a minha história e tentar fazer de mim uma pessoa melhor. Não sei se vai dar, não sei se vou conseguir. Não sei se vai dar tempo. Se esse filme me ajudar a seguir em algum nível, se alguma coisa do que foi exposto de mim ajudar as pessoas a entender as pessoas, é mais um passo no cumprimento da jornada”.
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