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27/02/2023 às 14:45

Vídeo | Conheça Estefânia, a cuiabana fundadora de um dos grupos de skates mais importantes do Brasil

Diretamente do CPA 4, Estefânia criou o “Divas Skateras” em 2006 para unir mulheres que queriam trocar experiências sobre o esporte

Paulo Henrique Fanaia

Vídeo | Conheça Estefânia, a cuiabana fundadora de um dos grupos de skates mais importantes do Brasil

Foto: Arquivo Pessoal

O ano era 2006. Bandas de rock como Charlie Brown Jr, Offspring e Millencolin estavam no auge, vídeos da “Chocolate Skateboard” [empresa especializada em vídeos de esportes] e revistas como a “Tribo Skate” e “100% Skate”, a febre da “MTV Brasil” e até jogos de videogame como o “Tony Hawk Pro Skater 2” ajudaram a dar um gás ao skate no Brasil e no mundo. Nessa mesma época, embora o esporte estivesse bombando, uma garota de 18 anos moradora do CPA 4 se via sozinha no meio de tantos garotos na pista de skate. Foi por meio desse isolamento que Estefânia Lima decidiu ir até uma lan house do bairro e fazer uma pesquisa na internet: “Skate para meninas”.

Como resultado, ela encontrou um site que disponibilizava um mural de recados para que os participantes pudessem se conectar com os amigos. Estefânia tomou coragem e deixou o contato de e-mail e de MSN. A partir daí ela passou a fazer amizades com diversas garotas do Brasil inteiro. O Orkut ainda era a rede social do momento, e foi lá que Estefânia criou o “Amigas da Fânia”, um grupo virtual onde as meninas podiam trocar experiências de como era a vida nas pistas de skate pelo país.

Acontece que esse grupo de amigas foi crescendo e tomou uma proporção muito grande e o nome “Amigas da Fânia” já não cabia mais no contexto. Baseadas em uma propaganda de sabonete que incentivava as mulheres a serem divas em todos os lugares, o grupo de meninas criou um nome bem propício para a ocasião, o “Divas Skateras”.

“Na época, tinha uma propaganda do sabonete Lux Luxo dizendo que a ‘mulher tinha que ser muito diva em todos os momentos’, uma parada assim, aí a gente falou: ‘tem que ser muito diva é pra aguentar o skate na canela’”, conta Estefânia.

A partir daí, as garotas passaram a trocar experiências e perceberam que todo o preconceito que sofriam nas pistas era igual para as outras colegas. Machismo, falta de incentivo e isolamento de gênero eram, infelizmente, comum a todas.

Tudo tem um começo

A primeira lembrança que Estefânia tem do skate remonta ao ano de 2002, quando ela morava em uma casa no CPA 4. Um dia ela ouviu um barulho muito alto vindo da rua. A menina de 13 anos foi correndo no portão e viu um grupo de garotos descendo a avenida andando de skate. Lá longe vinha uma garota, sozinha, seguindo os meninos. “Nossa! Tem uma menina ali no meio”, esse foi o estalo que ela precisava para entender a importância da representatividade feminina.

Ela então foi correndo pedir aos pais para comprar um skate, brinquedo este que eles compraram em um shopping de Cuiabá. Com o skate de shopping, ela então passou a freqeuntar as pistas da cidade de forma acanhada.

Sempre enxergando o lado bom das coisas, ela se sentiu abraçada pelos colegas de pista, porém, sempre escutava brincadeiras machistas com seu corpo ou comentários do tipo: “lugar de mulher não é andando de skate”, ou “você nunca vai aprender a dar um flip”. Mas o que para alguns é uma forma de desmotivar, para ela serviu de combustível, afinal, ela queria sentir “o poder de dar um ollie air”, como diria Marcelo D2.

O tempo foi passando, as manobras foram saindo e o grupo de meninas que andava de skate em Cuiabá foi aumentando, o que levou as garotas a participar do primeiro campeonato no ano de 2006 organizado na Capital. Porém, nem tudo foi um mar de rosas.

“Foram oito meninas ao todo. Foi muita emoção, nós nos abraçamos, choramos, porque era a primeira vez que todas andavam juntas e participavam de uma competição, foi mágico pra gente naquela época, vieram profissionais de fora. Então teve a premiação. Os prêmios eram diferentes. O menino que ganhou primeiro lugar ganhou um skate completo. Eu que ganhei o primeiro lugar, ganhei uma peça de roupa tamanho G, masculina, que nem me cabia, aquelas peças de roupa ponta de estoque mesmo sabe, só para cumprir tabela”, lembra.

Vamos juntar as Divas

Após esse evento, algumas meninas desanimaram com o esporte, outras se mudaram de Cuiabá, começaram a namorar ou casar e abandonaram o skate, o que remonta ao começo desta reportagem, quando Estefânia ficou sozinha na pista, foi para uma Lan House, fez uma busca na internet, reuniu as amigas e fundou o “Divas Skateras”.

As meninas estavam longe umas das outras, mas isso não impediu a troca de vídeos, fotos, depoimentos e o intercâmbio cultural entre elas. Fundadora do grupo, Estefânia já rodou o Brasil e o mundo por meio do “Divas Skateras”, visitando cidades como Campo Grande, Goiânia, São Paulo, Rio de Janeiro, chegando a visitar países como Espanha e França.

Atualmente, o “Divas Skateras” é uma plataforma digital que é referência no Brasil e no mundo, tendo participado de diversos eventos país afora. Marcas como Vans, Stanley, Crail Trucks, Bowlhouse e Baw já fizeram parcerias e patrocinam as garotas que realizam o Divas Meeting em várias cidades do Brasil, sempre produzido e protagonizado por mulheres.

Eventos beneficentes onde a inscrição custa apenas um quilo de ração para ajudar animais abandonados, aulas gratuitas de skate para crianças, rodas de conversas para acolhimento de novas praticantes do esporte, grupos de apoio para meninas LGBTQIA+, vídeos especiais com marcas famosas, tudo isso faz parte da rotina do Divas que atualmente tem um alcance mundial.

“Não é só sobre pódio, é sobre se abraçar, sobre representatividade, se fortalecer, trocar ideia, fazer um piquenique, uma roda de conversa e aí a gente faz os eventos chamado Divas Sessions, eventos beneficentes onde aproveitamos o skate para ajudar instuições e ONGs. O Divas é para crianças, meninas, é aberto para todas, independentemente da idade. Eu sozinha não aguento, preciso de mais mulheres mobilizadas, por isso sempre conseguimos fazer os eventos. O Divas está crescendo e se expandido, as marcas estão começando a acreditar na gente”, revela a garota.

Com o objetivo de apoiar mulheres cis e trans de todas as idades, o foco do grupo não é nas competições, mas sim no incentivo para que essas garotas não abandonem o esporte e continuem levando o skate a todos os cantos do país e do mundo, sempre rompendo a barreira do machismo e colocando a mulher no seu devido lugar, que é onde ela quiser, como ela quiser e quando ela quiser.

Para se ter uma ideia do tamanho do grupo, em 2019 aconteceu o Divas Sessions Day, que mobilizou 13 estados do Brasil para uma sessão de skate feminino simultânea. Esse feito nunca havia sido realizado no país e ajudou a mostrar a união e a força das skatistas brasileiras. Já em 2022 o Divas realizou o Divas Meeting, um grande encontro nacional em Goiânia e São Paulo. O evento foi todo produzido e protagonizado por mulheres e teve patrocínio e participação da Vans Brasil.



O futuro e o presente estão nas rodinhas

Devido ao sucesso que obteve com o Divas, Estefânia virou referência do esporte em Mato Grosso, e agora é vice-presidente da Federação Mato-Grossense de Skate (FMSKT), filiada à Confederação Brasileira de Skate (CBSK), um feito histórico para o esporte no estado.

“Agora nessa posição [vice-presidente da FMSKT] eu consigo exigir dos organizadores a equidade na premiação. Sempre quando me chamam para organizar um evento, ser parceira e cuidar da competição feminina eu falo: ‘Ok, mas como vai ser a premiação?’. Sempre busco ser para essas meninas o que eu não tive, ou seja, a pessoa que defende os direitos delas. Se vai ter um evento e a premiação é R$ 3mil para o masculino, então a premiação vai ser R$ 3 mil para o feminino. Porque todo mundo anda de skate igual, tem a mesma dificuldade. Então, os mesmos caras que lá atrás me deram premiação diferente, hoje eles são obrigados a dar a premiação igual para as meninas”, comemora Estefânia.

Com o crescimento do grupo, o Divas agora precisa se profissionalizar ainda mais. Estefânia é formada em Marketing e usa os conhecimentos para aperfeiçoar o grupo, porém as dificuldades ainda permanecem. Hoje ela pode dizer que vive e trabalha com o skate, afinal, todo o seu tempo é voltado para a divulgação do Divas, com reunião com empresários, promotores de eventos, atletas de mundo todo e claro, formando novas pupilas.

Nathalia Izidoro é uma cuiabana de 23 anos que conheceu Estefânia nas pistas da Capital aos 14 anos. Tal qual a fundadora do Divas, Nathalia achou surreal ver uma menina andando de skate no meio de tantos garotos. Nathi, como é chamada pelas amigas, também sentiu logo cedo o preconceito de ser skatista.

“Eu sempre andava com os amigos, era só eu de menina e, querendo ou não, é um ambiente machista. Escutei muitas piadas machistas e comentários desrespeitosos nos lugares que íamos, sempre ouvia comentários maldosos por eu estar sozinha no meio dos meninos. Eu fui aprender a lidar com o preconceito sendo uma mulher skatista com a Fânia. Ela me ensinou a enxergar e a superar isso”, conta Nathalia.

Para a jovem skatista, o Divas representa tudo em sua vida. Além de ser uma rede de apoio, o grupo ainda constrói pontes para que daqui de Cuiabá, Nathi possa ter acesso às principais skatistas do mundo, tal como a sua referência no esporte, e expoente Pipa Souza, atleta de alto nível que reside na capital de São Paulo.

É por essas e outras que a luta de Estefânia nunca vai parar. Igual a um skate, mesmo que as peças quebrem, as rodinhas danifiquem, o rolamento esteja gasto, o shape não esteja legal, ela pode sempre seguir em frente, pois sempre terá um grupo de garotas para ajudá-la a se reerguer.

Mesmo que tenha realizado o sonho de viver do skate, ela ainda diz que é surreal pensar que uma menina do CPA 4 conseguiu fundar um grupo que se tornou referência no esporte ao redor do mundo. E se for para voltar no tempo e falar com a Fânia de 14 anos, ela diz que faria tudo de novo, pois como diria Chorão: “quanto mais a gente rala, mais a gente cresce”.

“Eu acho que só iria agradecer por não ter desistido, porque foram várias vezes a vontade de jogar tudo pro alto. Às vezes, apesar de ter essa rede de apoio, querendo ou não fica tudo nas minhas costas. Então se eu desistisse todas as vezes que eu tive a vontade, eu não poderia estar vivendo hoje o que o Divas está proporcionando para tantas garotas. As conquistas que o Divas tá tendo hoje, eu nunca imaginei, eu não pensei que estaria viva pra viver isso. Então essa dificuldade que eu passei, eu espero que as próximas gerações não passem, que todas possam viver seus sonhos, trabalhar com o que ama. Então enquanto eu tiver gás eu quero poder proporcionar isso pra essas mulheres”, conta Estefânia.
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