Acervo de 'Chau': armênio que viveu em Cuiabá no século XX fez mais de 20 mil registros com suas lentes
Lázaro Papazian registrou monumentos, construções na capital, Exército, carnavais cuiabanos, festas de santo e até o batizando do ex-governador Dante de Oliveira
Em 19 de agosto, celebra-se o Dia Mundial da Fotografia, uma homenagem à invenção do daguerreótipo, aparelho antecessor das câmeras fotográficas. Por meio destas imagens que congelam no tempo momentos marcantes e até históricos, a sociedade pode relembrar acontecimentos significativos de seu cotidiano.
Boa parte destes registros do dia a dia e da história de Cuiabá ao longo dos anos 1960 se devem às lentes de Lázaro Papazian “Chau”. Considerado um dos primeiros repórteres fotográficos e cinematográficos da Capital, por décadas, registrou em película fatos históricos, eventos oficiais, além de locais, personalidades históricas e famílias tradicionais da cuiabania.
Se estivesse vivo, Chau completaria 118 anos neste mês. Nascido em 15 de agosto de 1906, de origem Armênia, fugiu da 1ª Guerra Mundial com a família e se refugiou em Paris, onde adquiriu conhecimentos de fotografia.
Antes de chegar a Cuiabá, Chau migrou da Europa a Buenos Aires, capital da Argentina, e, em seguida, para o Rio de Janeiro. Lá, conheceu o governador de Mato Grosso na época, Mário Corrêa da Costa, e foi convidado a cobrir a posse de seu governo em janeiro de 1926. Desde então, fincou raízes na capital mato-grossense.
“Chau”, como ficou conhecido, na verdade, foi um apelido que recebeu dos cuiabanos devido ao seu modo de falar, seu sotaque ao falar “ciao” para se despedir das pessoas. Foi assim que nomeou seu estúdio fotográfico, o “Studio-Cine Photo Cháu”, que ficava no cruzamento da avenida Getúlio Vargas com a rua Barão de Melgaço.
Chau registrou ruas, monumentos, grandes reformas e construções na Capital, formaturas de bombeiros e militares, membros do Exército, desfiles cívicos, carnavais cuiabanos, festas de São Benedito, eventos religiosos, solenidades de governos, famílias e personalidades conhecidas, registrou presidentes da República e políticos como Eurico Gaspar Dutra, José Garcia Neto, Fernando Corrêa da Costa, Carlos Lacerda, entre outros.
Dentre seus milhares de registros que mais chamam atenção estão a inauguração do Estádio Presidente Dutra, na década de 1950; a vinda do presidente da República Juscelino Kubitschek a Cuiabá, em 1961, a inauguração da Fonte Luminosa da Praça Alencastro, em 11 de julho 1965; a inauguração do Obelisco do Centro Geodésico da América do Sul, em 1973; o velório do ex-deputado federal Emanuel Pinheiro da Silva Primo, em julho de 1974, e até mesmo o batizado de Dante de Oliveira.
Quem conta ao Entretêboa parte desta história é o economista e repórter fotográfico Gonçalo Papazian, o último filho vivo de Chau. “Papai foi um cara que registrou isso aqui, 68 anos de história de Mato Grosso e Cuiabá. E não era só aqui não, qualquer evento que tinha em Corumbá, Campo Grande, papai ia daqui até lá. Quando o governo ia, ele ia acompanhando”, relembra.
Parte dessas fotografias ainda hoje estão no acervo pessoal de Gonçalo, um dos seis filhos de Lázaro com Adelaide Enock Papazian, com quem se casou em Poconé, em uma verdadeira festa no Pantanal.
“Era mais pelo amor à fotografia do que pelo dinheiro”, conta. Este amor pela fotografia foi uma das heranças que deixou para os filhos. Alguns deles também se aventuraram na fotografia e no jornalismo, com registros e coberturas para diversos veículos de comunicação de renome, tanto locais quanto pelo Brasil afora.
Gonçalo diz que em decorrência de um acidente que o pai sofreu e machucou a cabeça, foi adoecendo aos poucos, até que faleceu em 17 de abril de 1991, aos 84 anos.
Nos últimos anos, os filhos de Chau deixaram este plano. Em 25 de janeiro de 2009, faleceu o engenheiro eletricista Eduardo Papazian. Marta Papazian faleceu em 2 de março de 2017. Pedro Papazian, jornalista e advogado, faleceu em 3 de março de 2018. O também jornalista Gabriel Papazian faleceu em 24 de julho de 2019. Já em 11 de fevereiro de 2021, a servidora aposentada do Tribunal de Contas de Mato Grosso (TCE), Yolanda Papazian de Paiva, faleceu em decorrência da covid-19.
Legado e contribuição histórica
Ao todo, estima-se que o trabalho de Lázaro Chau chegou a mais de 20 mil fotos, distribuídas entre acervo familiar, no Núcleo de Documentação e Informação Histórica Regional (NDHIR) da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), além de álbuns de famílias, memorialistas e colecionadores de fotos, entre outros.
“A maioria desses filmes, fotos, foi vendida para famílias tradicionais de Cuiabá. Naquela época, tinha um evento, ‘ah Chau vem aqui bater foto’, aí ele ia, batia, fazia um álbum de 18x24, ou menor, de 10x15, nesses tamanhos que tinha. Tudo que você pensar, o que teve aqui ele participou e fotografou. Famílias, governo do Estado, inauguração de usina. Quando tinha evento, lá estava o Chau. Papai tinha amor pela foto. Se você comprasse, bem, se não comprasse, ficava para ele”, Gonçalo recorda.
Em sua homenagem, o Museu de Imagem e Som de Cuiabá (MISC) recebeu seu nome em 2006, como forma de homenagear o trabalho do armênio naturalizado brasileiro. Localizado na esquina da rua Voluntários da Pátria, em frente à Igreja Nosso Senhor dos Passos, o espaço fica aberto durante a semana, das 8h às 12h e das 14h às 18h.
O coordenador do MISC, Cristóvão Luiz, acredita que Chau ‘estava no lugar certo, na hora certa’, quando, em 1926, no Rio de Janeiro, foi convidado por Mário Corrêa da Costa para vir para Cuiabá registrar sua posse.
“Ele veio aqui, constituiu família e se tornou o nosso correspondente nacional e internacional, falando por nossas imagens, nossa cultura, nossa literatura, nossa filosofia, ele registra e divulga tudo isso para o mundo. Lázaro era um homem entrelaçado à sua máquina fotográfica, e sua máquina fotográfica entrelaçada à sua alma”, cita.
Ele relembra que, em 2011, foi feita a digitalização e catalogação de fotografias de Chauna UFMT. “O professor e historiador, Silvano Siqueira, reuniu uma equipe com um projeto de Lei de Incentivo à Cultura. Em um ano, ele digitalizou e catalogou essas fotografias. Os álbuns, os equipamentos, as máquinas fotográficas se encontram digitalizados, à disposição de pesquisadores, historiadores, na universidade. Agradeço ao Hélio Pimentel, que cuidou desses equipamentos, das fotografias, hoje aposentado, mas é um ser humano que tem um respeito muito grande pelo trabalho do Lázaro Papazian Chau”, acrescenta.
Dia Mundial da Fotografia
Em 19 de agosto de 1939, a Academia Francesa de Ciências anunciou mundialmente a invenção do daguerreótipo. O aparelho foi desenvolvido em 1837 pelo francês Louis Daguerre, graças aos estudos de Joseph Niépce, que havia criado a héliographie alguns anos antes.
Em 1839 também foi inventado o calótipo, um outro sistema de captura de imagens criado por William Fox Talbot. Devido a estas invenções, 1839 se consagrou como o Ano da Invenção da Fotografia.
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