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14/07/2021 às 09:37

Quase seis anos após incêndio, Museu da Língua Portuguesa reabre com novidades

Entretê

"Eu preciso destas palavras escrita". Assim mesmo, com 'escrita' no singular, foi como o artista sergipano Arthur Bispo do Rosário eternizou a frase em um de seus mais célebres bordados. Como tantos artistas, Bispo usou a palavra como matéria-prima de suas obras em mantos que fizeram dele um dos principais nomes da arte brasileira, mesmo tendo vivido meio século internado em uma instituição psiquiátrica.

Talvez a relação de Bispo com as palavras, de necessidade e encantamento, seja a melhor síntese para a exposição Língua Solta, com curadoria de Fabiana Moraes e Moacir dos Anjos, que reinaugura o Museu da Língua Portuguesa em 31 de julho, quase seis anos depois do incêndio que destruiu parte do prédio da Estação da Luz.

A exposição mostra a influência da língua nas artes visuais, trazendo obras de artistas variados que usam letras, frases e palavras. "Tivemos o desafio de adequar o museu, que não tinha reserva técnica, para uma exposição com muitos objetos, mas também uma alegria de fazer essa conversa entre o que a gente entende como arte contemporânea e arte popular", afirma a curadora Fabiana Moraes.

"Eu tinha um desejo de mostrar a arte popular como não sendo uma arte dócil", completou. É essa intenção que fez Fabiana reunir nomes como Mira Schendel, Leonilson e Anna Bella Geiger e artistas populares, anônimos e até produtores de memes como o coletivo @saquinhodelixo.

Para Moacir dos Anjos, a forma como a exposição foi montada, de maneira não hierárquica, é também um aspecto engajado da mostra. "Sem desmerecer a qualidade dos artistas consagrados, essa separação entre erudito e popular, que sempre parte do campo erudito, é muito arbitrária", acredita. "A língua é uma das formas principais de expressão de desejos, enunciação de danos ou injustiças e também de reclamação por direitos, reivindicação de reparações".

Novos tempos
No hiato em que o museu ficou inativo, o mundo mudou de diversas formas que fizeram a instituição se adequar e repensar o próprio papel. "O Museu da Língua Portuguesa não é o museu da mesóclise", diz a diretora técnica Marília Bonas.

Ela conta que o museu passou a dar atenção "às línguas dos imigrantes, às línguas de resistência, que só continuam a existir, porque resistiram, ao português como esse espaço de disputa, muitas vezes de imposição violenta".

Nessa realidade, a incorporação do debate sobre a linguagem não binária, que apenas engatinhava quando houve o incêndio no museu, no fim de 2015, e questões como o preconceito linguístico e a xenofobia fazem parte da ordem do dia da instituição, que busca celebrar a diversidade da língua. Isso se vê em espaços expositivos como Falares, no 3º andar, em que os mais diferentes sotaques do português são homenageados sem apelo ao exotismo.

A exposição de longa duração do museu, com curadoria de Isa Grinspum Ferraz e Hugo Barreto, também foi aprimorada. "A língua mudou, a sociedade mudou desde quando começamos a conceber o museu, em 2003", conta Isa.

"Tivemos de repensar o que manter, o que atualizar e o que trazer de novo, mas tentamos manter o espírito do museu, que é tratar da língua com uma visão social, antropológica, e não como gramática, mas como o que nos faz brasileiros", contextualiza Isa.

Os presidentes de Portugal, Cabo Verde e Moçambique confirmaram presença no evento de reinauguração do Museu da Língua Portuguesa, em 31 de julho.

Novidades

Terraço
Os visitantes terão acesso a uma área nova do prédio, um terraço com vista para a Praça da Luz. Depois da pandemia, o espaço deverá receber também um café.

Integração com a Estação da Luz
Antes, os frequentadores do local tinham de sair da Estação da Luz para acessar o museu, o que não será mais preciso.

Ênfase nas exposições temporárias
O museu, que ficou historicamente conhecido por sua mostra permanente, deve ganhar exposições temporárias com maior frequência e relevância.

Espaços expositivos
Novas áreas foram abertas ao público, com foco em conteúdos multimídia, como reprodução de sotaques distintos e de falas de grandes nomes da literatura lusófona.

Produção acadêmica
O museu ganhará um centro de referência da língua para pesquisa e produção intelectual.

 
Estadão Conteúdo
 
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