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29/10/2020 às 11:49 | Atualizada: 29/10/2020 às 13:15

Pesquisadora de MT é curadora da 1ª mostra indígena contemporânea da Pinacoteca

Maria Clara Cabral

Um dos mais importantes museus de arte do Brasil, a Pinacoteca de São Paulo realiza, pela primeira vez, uma exposição dedicada à produção indígena contemporânea. A pesquisadora de Mato Grosso, Naine Terena é a curadora da mostra, permeada por ativismos, diversidade de linguagens e suportes.

‘Véxoa: Nós sabemos’ traz obras históricas e contemporâneas de 23 artistas individuais e coletivos, que demonstram a pluralidade da produção indígena. Destaque para a presença de obras de Denilson Baniwa, Daiara Tukano e Ailton Krenak, um dos grandes pensadores indígenas brasileiros.
 
São pinturas, instalações, esculturas, objetos, vídeos e fotografias que desmistificam a produção artística indígena à condição de artefato ou artesanato. Elas ocupam as três novas salas para exposições temporárias, localizadas no segundo andar da Pina Luz, em diálogo com a nova apresentação de coleções do museu.


“A grande intenção é fazer uma mostra que não tenha uma centralização no pensamento do curador ou da instituição, mas que considere profundamente o local de fala dos artistas, os anseios”, comenta Naine Terena, doutora em educação pela PUC/SP e mestre em artes pela Universidade de Brasília (UNB). A exposição resulta de uma pesquisa de longa data, que tem se aprofundado no último um ano e meio.


Alton Krenak integra 'Véxoa'
 
A mostra tem patrocínio do Itaú e poderá ser vista pelo público a partir deste sábado (31). Conforme a organização, um marco da representatividade dentro da Pina, que se dedica às artes visuais brasileiras desde sua fundação, em 1905. Somente em 2019 incorporou ao seu acervo obras de arte brasileira produzidas por artistas indígenas.

“Essa exposição é fruto de um diálogo ativo durante os últimos anos entre o museu e diversos atores da arte contemporânea de origem indígena brasileira, colocando em debate a história da arte que o museu pretende contar e as que permaneceram invisíveis”, afirma o diretor-geral do Museu, Jochen Volz.

Por meio do Programa de Patronos de Arte Contemporânea da Pinacoteca, foram adquiridas obras de artistas indígenas, 'Feitiço para salvar a Raposa Serra do Sol', de Jaider Esbell, e 'Voyeurs, Menu, Luto, Vitrine'; 'O antropólogo moderno já nasceu antigo'; e 'Enfim, Civilização', de Denilson Baniwa. Elas fazem parte da nova exposição do acervo da instituição, que também será inaugurada também no dia 31.


Kaya Agari, de Cuiabá, na  montagem de 'Véxoa'. 

Artistas de Mato Grosso
 
De Mato Grosso, integram a exposição Kaya Agari, Yakairu, Tamama e Beri Yudjá e as Máscaras do Povo Waujá, emprestadas pelo Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

Kaya Agari, nasceu em Cuiabá (MT) é estudante da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) e ativista pelos direitos indígenas. Desde 2011, a artista de dedica à pintura, produzindo a partir de técnicas como o óleo sobre tela e a pintura mural. Sua pesquisa visual é voltada à cultura dos Kurâ-Bakairi, que incorpora elementos materiais e imateriais para a criação de seus trabalhos.

Os Kurâ-Bakairi ou Kura (que pode ser traduzido como “nossa memória” ou “nossa gente”), comumente chamados de Bakairi, habitam tradicionalmente Terras Indígenas localizadas nos municípios de Paranatinga e Nobres em Mato Grosso. Entre as principais fontes de inspiração de Agari estão os grafismos de seu povo.


A artista Kaya Agari

Dos Waujá, serão exibidas as máscaras e trajes Atujuá, Sapukuyawá Eneju, Sapukuyawá Toneju que foram produzidas por encomenda para Eduardo Caró, pesquisador que integra o Projeto Xingu da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM/Unifesp) entre 1999 e 2001. O conjunto é doado pelo pesquisador ao Museu da UFPR em 2006.  

Yakairu, Tamama e Beri Yudjá tiveram o apoio de Anarrory Yudjá para produzir três panelas, modeladas especialmente para a exposição da Pinacoteca de São Paulo, já que no período de isolamento social, migraram para dentro das matas da região do Terra indígena do Xingu. Um dos desafios para a produção das peças foi a escassez de alguns materiais.

Destaques de Véxoa

De acordo com Naine Terena, a organização expositiva dos trabalhos de '
Véxoa: Nós sabemos' é não cronológica, pois leva em consideração as diferentes temporalidades da produção artística indígena, que se transforma no tempo e não é efêmera ou pontual. “Por isso as obras ocupam espaços dialógicos independente da sua estrutura, localidade de origem, artista ou outra classificação, como a etnográfica”.

A exposição reverencia a importância de figuras históricas, trazendo trabalhos inéditos de artistas já conhecidos e também abre espaços para novos, demonstrando também a forte atuação do cinema e da fotografia indígenas, além de amplificar iniciativas de comunicação.

Destaque para as obras produzidas em diferentes suportes, da fotografia ao vídeo, passando pela cerâmica, o bordado e o uso de materiais naturais.

No tocante às pinturas, o Coletivo Huni kui Mahku, do Acre, formado por artistas plásticos indígenas que realizam murais a partir da vivência de diferentes lugares, procura transpor para suporte da tela as distintas dimensionalidades que a Pinacoteca e a exposição carregam.


O artista Jaider Esbell

O artista plástico Jaider Esbell, indígena da etnia Macuxi, traz os diálogos interativos na obra coletiva Árvore de todos os saberes, um painel de lona de 2 metros que, desde 2013, vem sendo realizado por povos indígenas do Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Peru, Estado Unidos, México.
 
Além desta produção, ele apresenta mais quatro vídeos que discutem temas como o neoxamanismo; a mercantilização dos saberes dos povos originários; denuncia os ataques aos seus parentes indígenas Makuxi e demonstra a inserção de uma nova geração de indígenas no universo das tecnologias digitais para registrar as memórias e suas experiências nos dias de hoje.
 
Também já conhecido do público, Denilson Baniwa, nascido na aldeia Darí, da comunidade Baturité/Barreira, no Amazonas, apresenta duas obras: uma instalação com vestígios do incêndio do Museu Nacional do Rio de Janeiro, em referência à destruição da cultura material indígena ali preservada, e uma ação de plantio de flores, ervas medicinais e pimenteiras no “território” externo da Pinacoteca, que será transmitida por meio de câmeras de segurança para o interior do museu.

Etnomídia

Na mostra também se destacam produções de “etnomídia indígena”, em que as ferramentas de mídia são utilizadas pelos próprios povos, gerando autonomia, representatividade e pluralidade dos discursos. Se destacam Olinda Muniz Tupinambá (Tupinambá, Bahia), o Coletivo Ascuri (Mato Grosso do Sul), Anapuaká Tupinambá (Tupinambá, Bahia) e Edgar Correa Kanayrõ (Xakriabá, Minas Gerais).


A cineasta Olinda Muniz

A Associação Cultural dos Realizadores Indígenas (
Ascuri), formada por jovens realizadores/produtores culturais que usam a linguagem cinematográfica, traz para a exposição as diferentes facetas vividas pelos povos Terena e Kaiowá, entre outros, propagando o “jeito de ser indígena” a partir de suas produções.

Ainda no campo do vídeo, a diretora Olinda Muniz Tupinambá estreia o filme “Kaapora”, produção que, conforme a diretora, é feita para seu povo e também para o público externo. Ela explica que o filme é uma forma de fortalecer a cosmovisão de sua comunidade, embora também se preocupe com o que o não índio irá entender.

Assim como Daiara Tukano, reconhecida ativista que apresenta uma série de pinturas, os Hori, que propõem um diálogo com a cosmovisão Tukano.

A primeira web rádio indígena do Brasil, a Rádio Yandê ("Nós", em Tupi), também estará presente, representada por seu co-fundador, Anapuaká Tupinambá, realizando uma programação especialmente desenvolvida para a mostra.


A artista 
Daiara Tukano

Ativismos

Em muitos dos trabalhos, será nítida a relação entre arte e ativismo indígena, aspecto inerente às práticas desses artistas. É o caso das fotografias em preto e branco do artista Edgar Kanayrõ que retratam a dança, a pintura corporal e a luta do seu povo, os Xakriabá, pela demarcação e revisão dos limites de terra no município de Itacarambí, em Minas Gerais.

No campo das esculturas, a pataxó Tamikuã Txihi expõe Áxiná (exna), Apêtxiênã e Krokxí que simbolizam os guardiões da memória. Em 2019, essas peças sofreram ataques motivados por racismos em relação aos povos indígenas durante a Mostra Regional M”BAI de Artes Plásticas na cidade de Embu das Artes.
 
A exposição também discute os estereótipos a respeito das artes indígenas, frequentemente associadas apenas a peças de artesanato. Para isso, os artistas Gustavo Caboco, Lucilene Wapichana, Juliana Kerexu, Camila Kamē Kanhgág, Dival da Silva e Ricardo Werá exibem objetos confeccionados por indígenas que, por carregarem símbolos e elementos que não são considerados pertencentes à cultura dos povos originários, são erroneamente desconsiderados como arte indígena.


A artista Yakunã Tuxá
O ativismo feminino estará presente por meio da produção de Yakunã Tuxá, artista da etnia Tuxá na Bahia, que propõe uma reflexão sobre os desafios das mulheres indígenas. As ilustrações abordam as suas ancestrais, a força, a beleza e os preconceitos vividos pela mulher indígena nas grandes cidades.

Programação

Durante o período em que a exposição ficará em cartaz, a mostra também será composta de outras atividades. Jaider Esbell iniciará os trabalhos com uma ativação na exposição. As mulheres Terena, de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, irão entoar os seus cantos lúdicos e ritualísticos.

A presença dos Praiá, materialização dos encantados do povo Pankararu (comunidade que reside na grande São Paulo), também está confirmada. Esta é outra programação que ocorrerá no período, ampliando os repertórios, conceitos e olhares de todos os visitantes. As datas dessas ações serão divulgadas posteriormente.

OPY e o Prêmio Sotheby’s 2019
 
‘Véxoa: Nós sabemos’ faz parte de um projeto de pesquisa, com o título OPY, uma colaboração entre três instituições a Pinacoteca, a Casa do Povo e a aldeia Tekoa Kalipety – um museu do Estado, um centro cultural independente e uma comunidade Guarani Mbya perto do bairro da Barragem no sul da capital. 
 
OPY levanta a seguinte questão: se olharmos a história da arte do ponto de vista do que não existe? Assim, o projeto destaca a ausência de arte indígena nas coleções de museus, aborda preservação, transmissão de conhecimento e ensaia um outro Brasil através da exposição de artistas indígenas contemporâneos e uma série de performances e seminários. Promovendo, também, ações fora dos limites físicos do museu e ao criar atrito entre coleções e práticas de arte indígena. 
 
OPY recebeu o Prêmio Sotheby’s 2019, um reconhecimento da excelência da proposta curatorial, um apoio financeiro para facilitar a exposição.

Serviço

Véxoa: Nós sabemos
Abertura: 31 de outubro de 2020
Horário: 12h às 20h
Ingressos: apenas no site.
Curadoria: Naine Terena
Endereço: Praça da Luz, 2, Luz.
Ingressos: Gratuito para todos, todos os dias da semana, mas necessário reservar no site da Pinacoteca (www.pinacoteca.org.br).

Obs.: O ingresso é válido para visitar a exposição 'Véxoa: Nós Sabemos' e a exposição 'Acervo'.

Obs. 2: Ele não é válido para visitar as salas expositivas da exposição OSGEMEOS: Segredos, que tem ingresso exclusivo e que também deve ser adquirido/reservado no site.
 
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