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17/12/2020 às 12:30 | Atualizada: 07/01/2021 às 13:22

Luciene Carvalho manifesta versos de aquilombamento em tempos de pandemia; assista

Maria Clara Cabral

Os versos que compõem a nova obra de Luciene Carvalho foram escritos em 61 dias, entre junho e julho de 2020. 'Na Pele' traz reflexões de um contexto de confinamento da poetisa – expoente da literatura mato-grossense, autora de 'Dona' e primeira mulher negra a ocupar uma cadeira na Academia de Letras – seus fluxos e percursos durante a pandemia da covid-19.

"Nas primeiras semanas desse aquilombamento, com raras saídas e nenhuma visita, minha garganta entrou em colapso; meu coração de poeta percutiu numa batida que me atravessou inteira: eu queria falar sobre ser preta, queria dialogar com os pretos do meu hoje; através dos meus versos, queria conversar com os viajantes da Rota da Melanina. Urgia. Na TV, estarrecida, vi joelhos sobre pescoços negros: sincronicidade: eu também não estava conseguindo respirar…", relata a artista.

No lançamento da obra, toda a potência da cultura preta assume o palco do Teatro do Cerrado Zulmira Canavarros para o programa Arte e Cultura Mato Grosso – Especial Virada 2020/21.
O programa será vai ao ar na TV Assembleia neste sábado (26), às 15h, com reprise no domingo (27), às 15h e às 20h.

No palco, artistas interpretam poemas da nova obra em homenagem à negritude, guiados pelo mestre de cerimônias, Raul Lázaro, cuiabano, jornalista e produtor cultural.  

Nezinho, do Grupo Quilombola de Mata-Cavalo-de Cima, apresenta 'O Siriri do Escravo'. Comprometido com o ativismo negro, Rodrigo Zaidem faz cinema e teatro pelo Brasil. Estudante de direção na MT escola de Teatro, ele vai interpretar o poema “Figa”, um dos destaques da nova obra de Luciene.

"Quando cheguei em Cuiabá minha prima Zulma falava: 'Figa!' quando via viaturas policiais. Eu não entendia na infância dos meus 11 anos. (...) Ela disse que eu tinha o 'beiço roxo', que eu era preta do 'beiço roxo'. Aí eu descobri que era preta e não morena como me haviam enganado desde pequena (...) Os guris voltavam apanhados, iniciados no aprendizado de que a rua não era deles, de que a cidade não era deles”.

Cabe a Rapper Azul, da sensibilidade poética e da origem periférica, interpretar o lindo poema 'Encardida', que traduz as sensações de uma menina, que não sabia destas coisas de preto e de branco. Tentou se divertir com as outras colegas do colégio, ao que ouviu:

- "Nem pensar. Na nossa turma, você não vai jogar. Aqui não tem lugar para você. Será que não vê? Você é encardida! (...) Ao chegar em casa, guardou a mochila, subiu no banquinho, lavou as vasilhas, limpou toda a pia". Pegou o sabão, foi para atrás da casa, entrou na bacia e, ao se ensaboar queria ter a pele do corpo igualzinho à palma da mão.

Articulador de movimentos sociais, lenda da discoteca e da música, Dj Taba – ele próprio uma narrativa do movimento Hip Hop em Mato Grosso -, estará na festa para celebrar o momento inédito da arte mato-grossense.

O ator André D´Lucca, influenciador digital, humorista conhecido nos cenários regional e nacional, e observador atento há anos da poesia de Luciene, vai brindar os telespectadores com uma interpretação própria de Fuga do Encontro, um poema totalmente autobiográfico de Luciene.

Confira o trecho literal: "Neguei. Neguei. Fingi não ver. Fingi não doer. Fingi que nada iria acontecer... Cheguei num tal local da existência em que falo do assunto ou volto pra demência".


Patrimônio imaterial

O lançamento será oficializado por uma singela cerimônia de entrega de 'Na Pele' à Casa das Pretas, novo espaço cultural de Cuiabá, "transformando o livro em patrimônio imaterial", comenta Luciene.


Ao final do espetáculo, Luciene distribui exemplares da obra para as idealizadoras Paty Woolf, Gilda Portella e Antonieta. Por último, para êxtase geral, declama o último poema do livro, chamado Quilombo Geral.

"Existe tanto talento negro neste Mato Grosso, que o programa é só uma palhinha. E o livro Na Pele é uma voz de legado pros meus e eu não faço mais do que a obrigação em escrever sobre isso".


A autora


Luciene Carvalho ocupa a cadeira n. 31 da Academia Mato-grossense de Letras (AML) e é autora de inúmeras obras que conquistaram prêmios e condecorações, sendo 'Dona (Carlini & Caniato, 2018)' o livro mais recente. Parte importante de seu trabalho se faz em shows poéticos, como declamadora, em que une figurino, efeitos cênicos e trilhas musicais para oferecer sua poesia viva e colocá-la à serviço da emoção da platéia.

Também são obras de sua autoria: 'Sumo da lascívia'; 'Aquelarre ou o livro de Madalena'; 'Porto'; 'Cururu e Siriri do Rio Abaixo (Instituto Usina)'; 'Caderno de caligrafia (Cathedral)'; 'Teia (Teia 33)'; 'Devaneios poéticos: coletânea (EdUFMT)'; 'Insânia (Entrelinhas)' e 'Ladra de flores (Carlini & Caniato)'.

Arte e Cultura de Mato Grosso

O
Especial Virada 2020/21 é o 25º programa inédito do projeto, que objetivou oferecer atrações culturais para a plateia isolada em casa e garantir socorro financeiro aos artistas. O projeto da Assembleia Social, gestora do Teatro do Cerrado Zulmira Canavarros, já contemplou mais de 140 artistas de várias expressões, como dança, literatura, fotografia, cultura popular, artes plásticas, entre outas.
 
 
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