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30/06/2021 às 08:32

Taxação do sol? Inconstitucional? Entenda o que diz a lei e os argumentos sobre o assunto

O governo passou a cobrar 27,5% pelo uso do sistema de distribuição dos consumidores que armazenam energia na rede elétrica e o assunto vem causando polêmica

Alline Marques

Taxação do sol? Inconstitucional? Entenda o que diz a lei e os argumentos sobre o assunto

Foto: Divulgação

Você já deve ter ouvido falar sobre a taxação do sol, mas sabe do que se trata? E quem tem razão em todo esse debate? Na última semana o assunto ganhou destaque na imprensa mato-grossense devido ao veto do governador Mauro Mendes (DEM) ao projeto de lei do deputado Faissal Calil (PV), que isenta a cobrança de ICMS, até 31 de dezembro de 2027, sobre as operações de circulação de energia elétrica, sujeitas a faturamento sob o Sistema de Compensação de Energia Elétrica de que trata a Resolução Normativa nº 482/2012-Aneel.

O governo iniciou a cobrança dos consumidores em abril deste ano, com uma alíquota de 27,5%, e a matéria é polêmica e até contraditória tanto no mundo tributário, quanto no Judiciário. Em meio a isso, o estado de Mato Grosso já sofreu algumas derrotas na justiça de abril para cá devido à cobrança sobre o uso da rede de distribuição referente à energia consumida pela casa, nos momentos em que não é gerada a energia pela usina fotovoltaica.

Inclusive, em 29 de abril, uma decisão do juiz da 2ª Vara Especializada da Fazenda Pública de Cuiabá, Carlos Roberto Barros de Campos, concedeu liminar em um mandado de segurança para que a cobrança de sobre a tarifa de utilização do sistema de distribuição da energia (TUSD), no sistema de compensação de energia elétrica, fosse suspensa sob pena de aplicação de multa diária de R$ 10 mil em caso de descumprimento. Essa foi uma dentre outras decisões similares.

"Como se observa na Resolução, a relação jurídica entre o consumidor e a distribuidora de energia elétrica na modalidade de compensação da energia outrora injetada na rede de distribuição, não se caracteriza como ato de mercancia, porquanto se trata de um empréstimo gratuito”, diz trecho da decisão. 

O Leiagora conversou com o advogado Gustavo Guilherme Arrais, da Comissão de Estudos Tributários e Defesa do Consumidor da Ordem dos Advogados do Brasil - seccional de Mato Grosso (OAB-MT), para entender melhor o assunto e explicar o que se está discutindo na Assembleia Legislativa, que inclusive deve apreciar o veto ainda nesta quarta-feira (30). 

E para começar, Gustavo é bem claro sobre a cobrança: “do ponto de vista jurídico é uma aberração o que o estado está fazendo e não tem nenhuma alteração na lei que justifique isso”. 

Gustavo explica ainda que a cobrança da energia é composta por quatro custos: compra da energia elétrica; uso da rede de transmissão; uso do sistema de distribuição; e o usuário ainda paga adicional de bandeira tarifária. “O que acontece? O estado cobra ICMS sobre essas quatro contas diferentes”, o que do ponto de vista jurídico, por si só, já está errado, mas esta é uma discussão que está travada no Superior Tribunal de Justiça (STJ).

A questão sobre a cobrança sobre a energia solar é que o usuário já paga a conta de luz que engloba todos esses serviço, por isso, não haveria motivo para pagar novamente pelo crédito gerado. E é exatamente o que se está em discussão na Assembleia: a cobrança do ICMS sobre o armazenamento das sobras da energia solar produzida pelo consumidor que é colocada na rede de distribuição da Energisa. Essa relação, que é de troca, é regulamentada pela Resolução 482/2012. 

Desde que entrou em vigor, a resolução permite que o consumidor brasileiro gere sua própria energia elétrica a partir de fontes renováveis ou cogeração qualificada e, inclusive, forneça o excedente para a rede de distribuição de sua localidade. Trata-se da micro e da minigeração distribuídas de energia elétrica, inovações que podem aliar economia financeira, consciência socioambiental e autossustentabilidade.

Gustavo explica que neste modelo de geração existe o que é chamado de crédito de energia. Isto ocorre quando a energia solar produzida é superior à consumida, então cria-se um “crédito” que não pode ser revertido em dinheiro, mas pode ser utilizado para abater o consumo da unidade consumidora nos meses subsequentes ou em outras unidades de mesma titularidade (desde que todas as unidades estejam na mesma área de concessão), com validade de 60 meses, ou seja, cinco anos. 

Um exemplo é o da microgeração por fonte solar fotovoltaica: de dia, a “sobra” da energia gerada pela central é passada para a rede; à noite, a rede devolve a energia para a unidade consumidora e supre necessidades adicionais. Portanto, a rede funciona como uma bateria, armazenando o excedente até o momento em que a unidade consumidora necessite de energia proveniente da distribuidora.

Para Gustavo, essa relação é, inclusive, produtiva para a própria Energisa, que não paga pela energia que vai para a rede, e o usuário possui uma compensação. “Esse sistema de compensação é bom para a Energisa, porque ela não precisa comprar energia solar, ela não tá pagando nada, mas se todo o mês ela tivesse que me pagar seria ruim, por isso a compensação é de todo o sistema, não apenas da energia, está na distribuição e geração”. 

O advogado aponta ainda que até o momento não houve nenhuma mudança legislativa e nem da Aneel que autorize essa cobrança. “Se a Energisa não me cobra isso, então qual é a base de cálculo para me cobrar? Não existe!”, afirma. 

Gustavo aponta ainda que o projeto do deputado Faissal nem seria necessário, porque o convênio 16/2015 do Confaz está em vigor e autoriza os estados a “conceder isenção do ICMS incidente sobre a energia elétrica fornecida pela distribuidora à unidade consumidora, na quantidade correspondente à soma da energia elétrica injetada na rede de distribuição pela mesma unidade consumidora com os créditos de energia ativa originados na própria unidade consumidora no mesmo mês, em meses anteriores ou em outra unidade consumidora do mesmo titular, nos termos do Sistema de Compensação de Energia Elétrica, estabelecido pela Resolução Normativa nº 482, de 17 de abril de 2012”.

“Tem mais um detalhe que não é do ponto de vista jurídico, mas do país. Perto do colapso do sistema energético, o que o governo faz é desestimular novas fontes de energia limpa. Você só contrata energia solar se ficar mais barata, caso contrário não faz sentido, por isso que a Aneel traz este incentivo para gerar esse sistema”, defende o jurista. 

O que diz o governo?

O governo alega que o projeto apresentado por Faissal é inconstitucional porque estaria legislando sobre questões federais. O Estado explica, ainda, que não taxa a energia solar, mas sim o uso da rede de distribuição referente à energia consumida pela casa, nos momentos em que não é gerada a energia pela usina fotovoltaica.

A cobrança estaria respaldada no mesmo convênio 16/2015 do Confaz. Isto porque no parágrafo 1º, inciso II, que aponta que a isenção não se aplica “ao custo de disponibilidade, à energia reativa, à demanda de potência, aos encargos de conexão ou uso do sistema de distribuição, e a quaisquer outros valores cobrados pela distribuidora”.

Nesta mesma linha, o Ministério Público Estadual entrou no debate e notificou o governo para, caso o veto ao projeto de Faissal seja derrubado pela Assembleia, ele ingresse com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade. O posicionamento do órgão é de que toda isenção precisa passar pelo Confaz. 

“O que alguns questionam é que não existe norma tributária prevendo o ICMS sobre o uso da rede, mas existe sim, pois o artigo 1º, §4º, do regulamento do ICMS diz que incide o tributo sobre a distribuição e quando se produz a energia solar, mesmo que não incida ICMS sobre a energia injetada na rede, incide sobre o custo da distribuição. A matéria é polêmica e ainda não é pacífica no Judiciário, tanto que o STJ determinou a suspensão de todos os processos sobre esta matéria para decidir a tese”, explicou o MP em nota.

O que diz Faissal sobre o assunto?

O deputado, que é autor do projeto que altera a Lei Complementar 631/2019, alega que o próprio governo encaminhou a mensagem para a Assembleia Legislativa prevendo a isenção até dezembro de 2027, e durante todo este período nunca efetuou a cobrança, que iniciou em abril deste ano. Por isso, a proposta do parlamentar retira o trecho da lei que vincula às regras do Confaz.

Para ele, o conselho não tem competência para legislar e Mato Grosso teria autonomia para definir sobre a questão do ICMS.
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