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Notícias / Geral

12/08/2022 às 07:13

Conheça Carla Leal, a cuiabana que decidiu morar em uma casa na árvore

Equipe de reportagem do Leiagora esteve na praça Major João Bueno e conheceu a história da mulher de 37 anos que desde 2018 vive em situação de rua

Paulo Henrique Fanaia

Conheça Carla Leal, a cuiabana que decidiu morar em uma casa na árvore

Foto: Paulo Henrique Fanaia / Leiagora

Quem passa pela praça Major João Bueno em Cuiabá encontra uma situação inusitada, uma casa improvisada montada nos galhos de uma árvore. Nesta 'casa', com 'paredes' formadas por panos velhos, colchões, paletes de madeira, várias bandeiras do Brasil e até mesmo uma tábua de passar roupas, mora Carla Leal Lima, uma cuiabana de 37 anos que, por vontade própria, resolveu sair de casa e passar os dias e noites na rua.
 
Bem articulada, com roupas limpas e ajeitadas, Carla se sentou em um dos bancos da praça para conversar com a equipe de reportagem do Leiagora. Segundo ela, a decisão de viver na rua surgiu no final de 2018, quando por diversas divergências em casa e no antigo trabalho, ela abandonou tudo e foi para as ruas.
 
Carla conta sua história
 
Era por volta das 9h desta quinta-feira (11) quando a equipe de reportagem foi até a praça e se aproximou da árvore onde Carla montou sua casa. Ela recebeu a equipe com certo receio.

Desconfiada, perguntou se antes da entrevista poderia tomar banho. Aceitamos e Carla nos convidou para sentar na “sala de estar”, um banco próximo à árvore. Com uma lata de achocolatado vazia, Carla foi até uma mangueira de água e se lavou, escovou os dentes e cerca de cinco minutos depois voltou pronta para a entrevista.
 
Ela nasceu em Cuiabá e morou junto da família durante muitos anos no bairro Pedra 90. Carla foi casada com um homem que era usuário de drogas e alcoólatra, e que segunda ela, passava dias longe de casa enquanto ela cuidava dos dois filhos pequenos, um menino e uma menina.
 
Logo após a morte do marido, Carla voltou a morar com a mãe e os avós. Ela cuidava dos filhos e trabalhava no setor da indústria, como ela mesma diz.

A cuiabana conta que sempre percebeu que sua mente funcionava de forma diferente, com rompantes de euforia e, em outras vezes, de desânimo. Indo ao médico, foi diagnosticada com depressão e bipolaridade, doenças que atrapalharam Carla a se manter em empregos fixos, já que ela não conseguia focar no trabalho.
 
Após idas e vindas de empregos, em 2019, ela decidiu pedir demissão, abandonou a família e se aventurou em Brasília. Chegando lá, sem dinheiro e emprego, ela passou a morar nas ruas da Capital Federal, lugar onde se apaixonou pela natureza e pelas árvores.
 
“Teve um dia que fiquei lá no fundo da Esplanada e lá tem muita árvore, muita área verde. Aí eu peguei e comecei a subir nas árvores e criei uma paixão pelas árvores. Eu sentava lá, desenhava as árvores...”.
 
Quando voltou para a capital de Mato Grosso, Carla decidiu não ir para casa e foi morar em uma kitnet próximo ao Ginásio Fiotão, em Várzea Grande, local onde morou junto de um namorado. Se sentindo presa dentro de casa e, devido a dívidas de aluguel, ela abandonou tudo e novamente voltou para as ruas.
 
“Eu fiquei cinco meses em um albergue da prefeitura, mas era muita gente. Chega gente hoje, depois sai o pessoal que já estava lá. Muita gente diferente que mora do lado da gente. Lá é bom, nunca fui maltratada lá. Eles nos recepcionam muito bem, até mais do que eu mereço. Mas sabe... esse é meu jeito. Não aguentei me adaptar naquele ritmo, tenho dificuldades para lidar com isso”, revela.
 
A vida nas ruas
 
Encontrar Carla em sua casa da árvore é um pouco difícil. Geralmente ela desce da árvore por volta das 9h, se arruma e sai à procura de bicos pela cidade para ganhar algum dinheiro e volta somente por volta das 20h. Alguns dias ela trabalha como faxineira em motéis, em outros ela se vira como pode. Mas nunca pede ajuda. “Eu sempre corro atrás!”, diz a animada moradora da árvore.
 
Na hora do almoço, ela vai até o bairro do Porto, local onde as pessoas em situação de rua recebem comida como arroz, feijão, salada e alguma carne. Na hora da janta, ela vai para a praça Ipiranga onde também servem refeições. Quando não consegue um serviço, ela passa os dias escrevendo em um diário improvisado, um caderno onde Carla escreve seus pensamentos e relata a rotina das ruas.
 
“Saí perambulando sem ter horário. Ficar vagando de um lado para o outro, não posso desacostumar a dormir nas redes e nas árvores. Subo em árvores com muita frequência. Ainda perambulando começou os surtos. Subir em árvores por medo dos surtos”, diz uma das folhas do diário.
 
Dentro do diário, ela guarda uma perna de óculos quebrada. Segundo ela, essa perna de óculos é de uma senhora que mora em Várzea Grande. “Ano passado eu estava em surto, eu fico muito brava e acabei brigando com essa senhora. Eu quebrei os óculos dela. Eu guardei essa perna aqui porque quando eu ganhar um dinheiro vou comprar outro e dar de presente como um pedido de desculpas”, diz.
 
Ela sabe que morar na rua é perigoso e que deve tomar cuidado, mas até hoje nunca aconteceu nada grave com ela. Carla diz que não bebe e não é usuária de drogas.

Quanto aos remédios para os transtornos mentais, Carla conta que semanalmente recebe ajuda de funcionários da assistência social da Prefeitura de Cuiabá. Eles a encaminham até uma policlínica onde ela faz consultas com psiquiatras e pega receitas e os remédios que utiliza.
 
O que diz a prefeitura
 
O Leiagora entrou em contato com a Secretaria Municipal de Assistência Social, Direitos Humanos e da Pessoa com Deficiência de Cuiabá e eles nos informaram que uma equipe de psicólogos e assistentes sociais vem acompanhando o caso dela há algumas semanas. Por diversas vezes, os profissionais tentaram encaminhar Carla para casas de acolhimento, mas ela se recusa a ir para esses lugares.
 
A família de Carla também é acompanhada e tem notícias dela. Atualmente, os psicólogos estudam uma forma de aproximar ela da família.
 
A despedida
 
A conversa durou cerca de 30 minutos, que passaram muito rápido. Na hora da nossa equipe ir embora, mesmo com frio, ela não aceitou receber uma blusa da equipe por ser um modelo masculino. “Não precisa da blusa, não. Só de vocês virem aqui conversar comigo eu já me senti aquecida. Gosto de conversar”, disse Carla com um sorriso.
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4 comentários

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  • Michele 13/08/2022 às 00:00

    Maravilhosa reportagem. Todos os envolvidos estão de parabéns, mostrar a dura realidade, e a Carla é um exemplo a ser seguido, de que muitos não precisam ficar pedindo esmola no trânsito, já que tem serviço para todos, basta a força de vontade. DEUS E NOSSA SENHORA ABENÇOE sua vida Carla, e a vida de todos os envolvidos nessa reportagem. Amém ????

  • Summertime 13/08/2022 às 00:00

    Matéria com qualidade, sem nenhum palanque político, Parabéns Boa Sorte e Sucesso em tudo.

  • Ana Gomes 13/08/2022 às 00:00

    Parabéns, tbm, aos jornalistas dessa matéria! Se aprofundou com relevância, parabéns

  • Leandro Rocha 12/08/2022 às 00:00

    Que matéria sensível. Parabéns ao autor. Muito bacana que o portal tenha espaço para escritas assim, que vão além do noticiar, que trazer mais uma peça para montar esse quebra-cabeça que chamamos de sociedade. Que venham mais como esta.

 
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