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28/07/2024 às 08:00

ENTREVISTA DA SEMANA

Pena para crimes contra animais é grande, mas sociedade precisa cobrar que criminoso seja punido, defende advogada

O Leiagora entrevistou Carla Fahima, que além de advogada é defensora dos direitos dos animais, e ela falou sobre os trabalhos no Projeto Lunaar e como a sociedade pode ajudar com a causa

Paulo Henrique Fanaia

Pena para crimes contra animais é grande, mas sociedade precisa cobrar que criminoso seja punido, defende advogada

Foto: Reprodução Leiagora

Na semana passada, um vídeo chocou e revoltou a população. Uma câmera de segurança de uma residência do bairro Jardim Califórnia, em Cuiabá, mostra um idoso segurando um machado e perseguindo uma gata. Após espantar o animal, que buscou abrigo embaixo de um carro, o idoso joga o machado na gata. Ferida, a felina agoniza na calçada até morrer. Sem demonstrar qualquer tipo de remorso, o idoso pega o machado do chão e vai embora tranquilamente. 

Dois dias depois, a Delegacia Especializada de Meio Ambiente (Dema) conseguiu identificar o suspeito. Trata-se do ex-vice-reitor e professor aposentado da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Elias Alves de Andrade, de 74 anos. Além de assassinar brutalmente a gatinha Sofia, moradores do bairro contaram na delegacia que ele já matou outros gatos, chegando ao ponto de soltar cachorros de grande porte na rua para assassinar os animais. 

Diversas entidades de proteção dos direitos animais se manifestaram quanto ao crime. Pessoas fizeram mobilizações e passeatas pelas ruas, inclusive na porta da casa do criminoso, que ficou foragido por dias, mas se apresentou à polícia na última terça-feira (23). 

Mas, por que as pessoas cometem esses crimes? Para entender esse mistério, o Leiagora entrevistou a advogada defensora dos direitos dos animais e diretora do Projeto Lunaar, Carla Fahima. A jurista já foi presidente da Comissão de Defesa dos Direitos dos Animais da Ordem dos Advogados do Brasil - Seccional Mato Grosso e, atualmente, atua como advogada animalista. 

Durante a entrevista, Carla explica como funciona o trabalho da Lunaar, entidade sem fins lucrativos que desde 2017 atua em Cuiabá na defesa dos animaizinhos. Além disso, ela comenta como o aumento da pena para os que cometem crimes de maus-tratos ajuda no combate à violência e de que forma a sociedade pode contribuir para nesses casos. 

Mesmo que a pena para os crimes e maus-tratos seja satisfatória, a advogada alerta: a sociedade precisa ficar atenta e cobrar para que os criminosos paguem pelos atos praticados. 

Confira a entrevista na íntegra: 

Leiagora - As penas para os crimes de maus-tratos contra animais domésticos são de 2 a 5 anos, mas, mesmo assim, sempre vemos nas mídias casos como este. Por que isso continua acontecendo?  

Carla Fahima - Infelizmente, na maioria dos casos, nós não conseguimos identificar o autor dos maus-tratos. Na maioria dos casos que a gente vê ONGs resgatando, protetores independentes, a gente sabe que é um caso de maus-tratos, porque o animal ou foi atropelado ou ele está com alguma lesão que evidentemente não foi uma coisa natural. Só que é muito difícil identificar o autor desses maus-tratos. Então, isso acaba gerando essa sensação de impunidade, porque a gente não vê as pessoas serem responsabilizadas pelos maus-tratos. 

Leiagora - Então, isso acaba gerando aumento nos números de casos

Carla Fahima – Isso mesmo, porque a gente vê diariamente animais em situação de rua em Cuiabá, que é uma situação de maus-tratos, mas a gente não sabe identificar quem foi que abandonou, quem foi que atropelou. É muito difícil termos o autor dessa situação, diferente da situação que a gente vivenciou [do professor filmado por câmeras de segurança matando a gata Sofia], que é quando a gente consegue de fato comprovar quem é, onde foi feito o boletim de ocorrência. A partir daí, acompanhamos esse boletim de ocorrência até ele chegar ao Ministério Público como um processo.  

Leiagora - Vocês fazem esse acompanhamento, mas mesmo com as penas de 2 a 5 anos, não vemos os criminosos sendo presos por esses crimes. Por que isso acontece? 

Carla Fahima - A pena hoje é de 2 a 5 anos, no caso de gato e cachorro, e ela é uma pena de reclusão, tem multa. Se a pessoa for tutora do animal, ela perde o direito à guarda. O que acontece é que algumas vezes o entendimento do Ministério Público, que é uma coisa que nós estamos até brigando para que não seja esse entendimento, é que cabe um Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) por conta do tempo da pena. Quando faz esse acordo, a pessoa, ela paga ou em trabalho voluntário ou em pecúnia. A gente briga por isso. É um entendimento dos advogados que defendem os direitos animais, para que o caso de maus-tratos não ser reconhecido como passível de ANPP. Por que? Porque como é maus-tratos e gera uma lesão, quando o crime gera lesão, não pode ser feito um Acordo de Não Persecução Penal com o réu. Mas ainda são feitos acordos com os réus nessas situações de maus-tratos. Isso acontece em Mato Grosso e em outros estados que a gente acompanha.  

Leiagora - Você acredita que pelo fato de gerar o Acordo de Não Persecução Penal, isso acaba gerando uma maior reincidência nos crimes? 

Carla Fahima - Acredito que sim, porque por mais que não vemos a mesma pessoa cometendo o mesmo crime, vemos outros crimes sendo cometidos. Eu acho importante essa repercussão, essa exposição na mídia dessa situação [da morte da gata Sofia], porque as pessoas acabam ficando mais inibidas a cometer esse tipo de crime quando de fato a gente identifica e expõe isso para a sociedade: “essa pessoa fez isso”. Essa comoção gera mais efeito do que só responder a um processo ali sem ninguém ficar sabendo. 

Leiagora - Qual seria a saída, uma maior fiscalização ou aumentar as penas para esses criminosos? 

Carla Fahima - Eu acredito que os protetores, as ONGs, quando elas fazem esses resgates, eu entendo que não é função delas fazer essa investigação dos crimes. Mas se possível, elas conseguirem levantar maiores provas para levar para a delegacia especializada para quando for realizar os boletins de recorrência. O problema não é a Dema (Delegacia Especializada de Meio Ambiente) fazer a investigação e o Ministério Público fazer a autuação, eles fazem esse processo perfeito. Mas a gente precisa que esses crimes sejam notificados de fato para que a polícia consiga identificar e acompanhar mais de perto junto com o Ministério Público. Porque é uma ação que independe.

Se fez o registro do boletim de ocorrência, o Ministério Público vai movimentar o processo, essa denúncia vai caminhar, a não ser por “enes” fatores de juízo, mas essa pessoa vai ser denunciada por isso. Então, precisa de um acompanhamento também das ONGs, das pessoas que fazem a denúncia. A pena não é pequena, dois a cinco anos de reclusão, você perder um réu primário por questões de maus-tratos é uma coisa muito grave. Antes, era meses, se não me engano, era de dois meses a um ano, era muito pequeno. Agora, de dois a cinco de reclusão, é uma pena boa, é uma pena grande, mas a gente precisa acompanhar e cobrar do Ministério Público, cobrar da delegacia que faça a investigação, cobrar do Ministério Público que faça essa denúncia, para que as pessoas tenham uma sentença condenatória no final.  

Leiagora - Você disse que a Lunaar acompanha os casos, como vocês estão acompanhando o caso do professor, mas vocês fazem outros tipos de trabalho de conscientização das crianças ou com a população em geral para evitar esses crimes?  

Carla Fahima - A gente sempre faz. Sempre participamos de palestras em escolas, em órgãos públicos, sempre que somos convidados a prestar esse tipo de apoio, a gente apresenta o projeto, fala da conscientização, seja nos cuidados básicos com os animais, até contra as situações de maus-tratos. A gente faz esse trabalho forte nas redes sociais da associação, mas também presencialmente, quando a gente é convidado. 

Leiagora - E como é o retorno da sociedade? 

Carla Fahima - A visão das pessoas está mudando, elas estão melhorando. Antigamente, as pessoas sempre queriam comprar animais. Hoje, as pessoas querem os animais, mas elas já pensam em adotar. Já começou a mudar isso, as pessoas estão mais conscientes sobre essa questão de ajudar uma ONG que faça trabalho com animais, de ter uma visão melhor e também de questão de adotar animais. As crianças, hoje em dia, têm uma aceitação bem melhor com essa ideia. Elas não ligam para a raça do animal, elas querem ter um cachorro, elas querem ter um gato. Não importa para ela se é de raça ou se não é de raça. Então, a gente percebe que está tendo uma mudança. Aos poucos, a humanidade está avançando. 

Leiagora - Você começou no Lunaar em 2018. Quais foram os maiores avanços que o Lunaar atingiu? Não só o Lunaar, mas a sociedade como um todo? 

Carla Fahima - Infelizmente, ainda não temos um avanço significativo, porque são anos fazendo esse trabalho. Todo dia são dezenas de pedidos de resgate para animais em situação de rua, mas as pessoas hoje têm uma visão melhor. A gente conseguiu explicar para as pessoas que adotam com o Lunaar a importância da vacinação, a importância da castração para elas entenderem o trabalho da ONG. Nós não queremos ficar aqui para sempre resgatando, resgatando e resgatando. Nós queremos um dia poder falar que conseguimos zerar o número de animais em situação de rua, que todos eles estão em lares responsáveis, com cuidados e tudo isso.

Já fizemos mais de centenas de resgates, encontramos famílias para centenas de animais. Aos pouquinhos, a população foi conhecendo o trabalho do Lunaar e foi entendendo essa responsabilidade que temos com a sociedade, que não é só com os animais, a gente acaba tendo um trabalho maior também de exemplo para a sociedade. Estamos avançando, a passos lentos ainda, mas em Cuiabá já existe uma secretaria de Bem-estar Animal, a gente conseguiu com o apoio do Ministério Público adquirir um castramóvel. O Ministério Público é um grande apoio para a ONG, diversos projetos que a gente tem, a gente consegue apoio deles para ir mudando aos pouquinhos a causa animal na nossa cidade. 

Leiagora - É possível identificar o perfil de uma pessoa que pratica esses crimes? Esse, por exemplo, foi cometido por um professor universitário, que já ocupou cargos públicos e é ex-vice-reitor da UFMT. 

Carla Fahima - No caso de maus-tratos diretamente, não. Às vezes, conversando com as pessoas, elas já demonstram ali que não gostam de gato, de cachorro, ou de qualquer tipo de animal. Mas existe a Teoria do Elo, que diz que uma pessoa que comete um crime contra um animal, provavelmente pode cometer outro crime. Isso já foi estudado e investigado. Ela comete um crime contra um animal, ela é capaz de cometer uma violência doméstica, ela é capaz de cometer um homicídio. A pessoa naquele ponto de cometer aquele crime, porque é uma vida ali, é um ser que está naquela situação de rua e não é por escolha dele, ele é um animal irracional. E nós, humanos, que temos a racionalidade de poder pensar, a gente comete um ato desse. Essa pessoa pode ser capaz de cometer outros crimes mais graves. 
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