O caso das pacientes que morreram depois de serem submetidas a cirurgias plásticas na Valore Day Hospital, em Cuiabá, reacendeu a importância dos cuidados na hora de escolher e realizar procedimentos cirúrgicos estéticos.
Durante a entrevista ao Leiagora, o cirurgião plástico e corregedor do Conselho Regional de Medicina de Mato Grosso (CRM-MT), Magno Stefani César, falou sobre o assunto.
Como o número de intervenções vem crescendo a cada ano, os riscos de erros e mortes também aumentam. Por isso, o especialista deu algumas orientações de como realizar procedimentos estéticos de forma segura.
Para que o barato não saia caro, de acordo com o corregedor, é necessário realizar a cirurgia com um médico que seja especialista. No site do CRM, o paciente poderá conferir a veracidade das informações repassadas pelo profissional. Através do portal, também é possível fazer denúncias, caso aconteça alguma adversidade.
Confira a entrevista completa:
Leiagora - Quais são os cuidados que as pessoas têm que ter na hora de fazer uma cirurgia plástica e evitar esse tipo de ocorrência?
Médico - Infelizmente, nós tivemos essa tragédia aí, é muito lamentável. Mas eu já te adianto que não posso falar a respeito porque nós estamos trabalhando nesse caso. Então, certamente não vou poder abordar esse tipo de coisa com você diretamente. Mas a primeira coisa que o paciente deve fazer para evitar problemas é consultar e operar com um cirurgião plástico que seja especialista. Por exemplo, problemas acontecem muito mais com não especialistas. Isso é uma coisa muito importante de salientar e abordar, porque a primeira coisa é escolher o cirurgião plástico especialista. Porque, para ser especialista, isso exige muito conhecimento, tempo de estudo e treinamento. Não existe um cirurgião plástico com menos de cinco anos de treinamento e especialização. Então, isso é uma das coisas que eu considero que são muito importantes.
Escolhido um especialista, a pessoa tem que ter a própria base de informação dela. Então, ela precisa ler e se informar sobre o que ela vai fazer. Obviamente, fazer uma boa checagem de saúde. O especialista vai pedir exames, avaliação cardiológica, exames de sangue e tudo mais. E operar na melhor condição física e clínica da paciente possível. Isso não significa dizer que todo mundo que vai ser operado vai ser operado estando maravilhosamente bem. Até porque, em algumas situações, tem coisas que o paciente está tratando e não vai deixar de ter aquela patologia que ela tem. Feito (sic) todas essas avaliações, checagens, avaliação cardiológica, muitas vezes, tem outras avaliações clínicas que o cirurgião vai pedir. Paciente fumante de longa data precisa fazer uma avaliação pneumológica também. Então, os pacientes precisam fazer uma série de avaliações antes do procedimento. Por fim, uma avaliação pré-anestésica, que é o momento da rechecagem. O anestesista vai checar todas as avaliações feitas até aquele momento, obviamente com o foco na anestesia, escolha adequada da melhor anestesia para o procedimento que vai ser feito também são coisas extremamentes importantes
Leiagora - Como o CRM costuma agir quando acontece alguma morte ou erros suspeitos durante uma cirurgia plástica?
Médico - O Conselho Regional de Medicina abre uma sindicância. Na sindicância, vai se apurar se as coisas estão bem claras e se está tudo compreendido. Ou se existem coisas a se averiguar de forma melhor. Se a sindicância chegou à conclusão que é necessário abrir um PEP, que é um Processo Ético Profissional - abrir um PEP não é necessariamente uma suspeita de que houve um erro. Simplesmente, o CRM quer averiguar melhor, é uma investigação. No final, aí tem sim o julgamento que avalia todos os fatos daquele caso.
Leiagora - Para uma clínica fazer procedimentos estéticos, o que ela precisa ter? UTI é obrigatória?
Médico - Nas normativas do Conselho Federal de Medicina (CFM) e da Anvisa, não existe exigência de Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Nas resoluções, é possível encontrar as classificações dos tipos de centro cirúrgico e o que pode ser feito em cada um deles. Então, por exemplo, na classificação centro cirúrgico 5, na resolução estabelece os equipamentos que são necessários. Tem uma série de equipamentos, segurança e monitorização. Esse centro cirúrgico é classificado para fazer qualquer tipo de cirurgia. Também é importante a pessoa conversar com o profissional que vai atender ela e perguntar sobre o local. Isso vai muito além da relação médico e paciente e sobre como se estabelece esse diálogo.
Leiagora - Como os pacientes conseguem verificar se o médico possui registro profissional e confirmar a autenticidade do documento?
Médico - Isso que você perguntou é extremamente importante e útil. O próprio CRM, no seu portal, a pessoa pode consultar o médico e ver se ele tem o RQE, que é o Registro de Qualificação de Especialista. Alguém que não tem o RQE não é especialista. A pessoa consulta no portal do CRM, no www.crmmt.org.br. E pode consultar também no site da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica. Veja que às vezes tem uma discrepância entre um e outro porque nem todos os especialistas então conectados com a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica e têm o registro de qualificação de especialista no CRM. Então, o do CRM é que é o mais importante. É algo muito fácil e eu desejaria que todo mundo fizesse.
Se todo paciente for lá, ele já está selecionando, já está partindo do pressuposto que vai atender com alguém que é especialista. E especialistas são de 3 mil a 7 mil horas de treinamento em serviço depois que a pessoa se forma. Não é um curso de pós-graduação. Depois que ele se forma médico, ele vai acompanhar um outro cirurgião e, depois, um cirurgião plástico. As pós-graduações têm uma carga horária de cerca de 500 horas e um especialista tem uma carga horária de pelo menos 4 mil horas. Então, é muito tempo de treinamento, isso é fundamental.
Se o paciente escolher bem o médico, ele provavelmente também está escolhendo o melhor local. O não médico ele acaba podendo cometer um monte de bobagens por pura ignorância, ele não tem a formação necessária. Mas, o mais importante, além dos problemas que podem acontecer durante a cirurgia, um especialista vai ter mais condições de não fazer certas bobagens. Mas, o principal, coisas que possam acontecer, além da expectativa, ele sabe como resolver e agir. Obviamente que nem toda complicação é sanável ou tratável, mas tem um ditado na medicina que diz o seguinte: 'você mostra que é especialista quando resolve os problemas'. Porque todo procedimento cirúrgico pode ter complicações, intercorrências e problemas. Quanto melhor a formação do profissional, ele vai conseguir contornar esse problema e evitar danos maiores.
Leiagora - Na sua opinião, cada vez mais as pessoas estão em busca de cirurgias plásticas? Por que?
Médico - As pessoas estão vivendo mais e vivendo com mais vitalidade e mais qualidade de vida. Nessa questão de qualidade de vida, muitas vezes ter uma aparência condizente com a própria vitalidade e energia vai se tornando uma necessidade.
A gente tem essa quantidade enorme de cirurgias bariátricas e a pessoa perdeu quase 60 kg. Se você imaginar que a pele dessa pessoa era a roupa dela e aquela roupa que era tamanho 60 agora está numa pessoa que tem o tamanho 44, tem muito tecido sobrando. Essa pessoa certamente vai querer ajustar essa pele ao novo corpo dela. Então, aí a cirurgia plástica deixa de ser até uma questão de vaidade. Um outro exemplo é um pessoa com 70 anos de idade que faz academia, natação e joga tênis. Mas o rosto dela não tem conformidade com aquela energia que ela tem. Fisicamente, ela parece uma pessoa de 40 anos e rosto é de 70 anos. Essa pessoa vai querer buscar uma harmonização entre a aparência do rosto e a energia interna dela. Nesse aspecto, a própria cirurgia plástica começa a se tornar uma questão de saúde.
Leiagora - O CRM recebe denúncias de procedimentos suspeitos? Como são feitas?
Médico - O CRM tem dois tipos de abertura de sindicância. A abertura que nós vemos no trabalho de vocês (jornalistas). Então, aconteceu alguma coisa, nós temos que investigar. E tem aquelas coisas que não vão para a imprensa, mas que a pessoa pode vir aqui ou através do portal. Uma vez feita uma denúncia, nós vamos investigar. Nós temos obrigação legal de investigar. É muito importante, porque a pessoa vai descobrir por meio da investigação que, na verdade, ela infelizmente teve uma complicação que não foi culpa do médico, mas vai trazer para ela uma certa paz. E se for culpa do médico, também vai trazer paz, porque ela sabe que esse médico será advertido.