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Notícias / Entrevista da Semana

01/12/2024 às 08:02

ENTREVISTA DA SEMANA

Confiança entre advogado e cliente depende da confidencialidade na relação, diz criminalista sobre proposta de gravar conversas

Segundo o advogado Matheus Guedes Cézar, o Estado já goza de mecanismos de intercepção via Justiça para legalmente vigiar as conversas entre advogados e seus clientes

Vanessa Araujo

Confiança entre advogado e cliente depende da confidencialidade na relação, diz criminalista sobre proposta de gravar conversas

Foto: Leiagora

A declaração do procurador-geral de Justiça de Mato Grosso, Deosdete Cruz Junior, de que as conversas entre advogados e clientes faccionados que estão presos devem ser gravadas gerou ampla polêmica e dominou os debates da última semana. A sugestão provocou uma reação nacional, com entidades entrando em confronto. De um lado, o Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais dos Ministérios Públicos dos Estados e da União (CNPG) se posicionou em defesa de Deosdete, enquanto, do outro, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) se manifestou em prol das prerrogativas da advocacia, levantando preocupações sobre a violação de direitos fundamentais.

Em entrevista ao Leiagora, o advogado Matheus Guedes Cézar, especialista em Direito Público, Direito Penal e Processo Penal, explicou os motivos que geram preocupação na classe advocatícia em relação à declaração do procurador-geral de Justiça. A proposta, caso entre um dia em vigor, pode quebrar a confiança entre os juristas e seus clientes. 

Confira a entrevista completa:

Leiagora - O que a Constituição e o Código de Processo Penal dizem sobre a relação entre advogado e cliente? 

Matheus Guedes - A previsão constitucional que trata desse sigilo profissional está contida no artigo 5º inciso 55 da Constituição Federal, mas o principal dispositivo legal que rege esse sigilo entre advogado e cliente está na Lei 8.906, que instituiu o Estatuto da Advocacia. Nela, no artigo 7º inciso 3º, é assegurado o direito do advogado comunicar com seus clientes, pessoal e reservadamente mesmo sem procuração quando eles estiverem presos. E esse dispositivo encontra respaldo no artigo 133 da Constituição Federal, que estabelece a inviolabilidade do advogado por seus atos no exercício da sua profissão. Então, esses são os dispositivos constitucionais e legais que asseguram essa inviolabilidade da comunicação entre o advogado e o cliente. 

Leiagora - Como a proposta de gravação interfere nas garantias e prerrogativas da defesa, especialmente no que se refere ao direito à comunicação confidencial?

Matheus Guedes - Primeiro, é importante considerar que as garantias dessa confidencialidade entre advogado e cliente é uma prerrogativa não só dos advogados, mas de todos os cidadãos, porque, quando investigados e quando acusados de um processo penal, eles deverão estar representados por advogados, e esse sigilo é necessário para o exercício da plena defesa do cidadão, que também é uma garantia constitucional da ampla defesa e do contraditório, para que ele seja processado e, se for o caso, sentenciado ou condenado. Além desse fato, essa confidencialidade é importante para a manutenção da confiança do advogado e seu cliente, para que essa defesa não seja fragilizada perante a acusação que é imputada a esse cliente.

Leiagora - A proposta do procurador-geral alega que advogados poderiam ser usados como instrumentos para facilitar crimes dentro dos presídios. O senhor acredita que essa justificativa tem fundamento ou é uma generalização? 

Matheus Guedes - Eu acredito que representa uma parcela pequena dos profissionais da advocacia, assim como nós também vemos em todas as instituições, tanto estatais quanto profissionais, que existem maus e bons profissionais. Então, como eu citei, em relação a esses profissionais que têm uma conduta controversa, que tem envolvimento, na prática, em supostos delitos, deverão ser feitas investigações, levantamento de provas e elementos para que seja de fato quebrado esse sigilo entre advogado e cliente, que seja interceptada uma comunicação legalmente. O Estado já está amparado de vários mecanismos para poder assistir e monitorar essa comunicação, basta ele preencher os requisitos, preencher as possibilidades da quebra do sigilo telefônico. Não só sigilo telefônico, telemático e sigilo de carta. 

Leiagora - O senhor acredita que a gravação das conversas poderia ser usada de maneira abusiva, ou até mesmo seletiva, contra advogados que atuam em defesa de faccionados?

Matheus Guedes - Eu entendo que essa proposta do procurador-chefe do Ministério Público está vestida de generalidade, porque, quais seriam os critérios? Primeiro, será que o faccionado deveria ter uma condenação transitada em julgado para poder ser considerado um faccionado? Seria durante as investigações? Então, minimamente, deveriam existir critérios para poder estabelecer quem de fato é um faccionado, quem de fato é a pessoa que faz parte de uma organização criminosa. Então, parte daí essa necessidade de parâmetros, que não pode ser discricionário das autoridades estabelecer quem é o delegado de polícia, identificar uma pessoa como faccionada e simplesmente interceptar as ligações. Existe a necessidade do preenchimento de uma série de requisitos e o estabelecimento desses requisitos é que vão (sic) garantir a legalidade desses atos. Essa quebra do sigilo da forma que é proposta pelo procurador-chefe do Ministério Público precisa de uma discussão muito detalhada para saber se de fato é uma necessidade para o bem da sociedade. Quais são os parâmetros e quais os critérios para que seja feito essa relativização dessa garantia do sigilo da comunicação entre advogados e clientes?

Leiagora - O advogado criminalista é vítima de preconceitos até mesmo de operadores do Direito. Muitos são vistos como “pombos-correios do crime”. Como acabar com esse estigma?

Matheus Guedes - Na realidade, sempre que nós falamos e observamos crimes, é delicado tratar, porque sempre é uma vítima. Então, quando nós falamos de um processo penal, quando nós falamos de um delito, por vezes a vítima será um particular, em outras ocasiões, a vítima vai ser toda a sociedade. Então, existe sempre um estigma social de que determinada pessoa que pratica delito ela agride toda a sociedade. Então, o advogado, quando representa um acusado, ele acaba representando para a sociedade que ele está ali defendendo um crime, mas, na realidade, ele não faz um juízo de valor do crime, não faz um juízo de valor da pessoa. O advogado está ali apenas para que a pessoa esteja orientada juridicamente para justamente coibir qualquer tipo de prática de abuso do Poder Público, que por vezes ocorre, não por uma intenção dolosa, mas, por vezes, em razão da quantidade de processos, do volume de processos que o Poder Judiciário tem, que as delegacias de polícia têm de seus inquéritos, que acabam fazendo a tramitação dessas investigações, dessas ações penais de forma robótica. O advogado serve justamente como um último revisor, como um último analista desse fato e da legalidade desses fatos que estão sendo imputados. Então, a forma do advogado contornar esse estigma é fazendo um trabalho técnico eficiente de legalidade dos atos praticados, sem se valer das suas prerrogativas para cometimentos de atos infracionais ou ilícitos. É assim que eu entendo. 
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