A posse do novo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, na última segunda-feira (20), movimentou o mundo. Com poucos dias no poder, o republicano já tomou medidas severas que impactam não só a nação que governa: taxação de países estrangeiros, retirada dos EUA do Acordo de Paris, expulsão de imigrantes e até adoção de uma política oficial que leve em conta somente dois gêneros, entre outras.
Em entrevista ao Leiagora, o analista político Vinícius de Carvalho falou sobre os impactos do governo Trump para o Brasil e Mato Grosso. Conforme o especialista, apesar da China ser o maior parceiro comercial do país, ele acredita que os Estados Unidos podem colocar algumas barreiras e restringir acessos econômicos brasileiros. Tendo em vista que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) costuma tomar uma postura anti-americana.
A questão da mudança climática é outro ponto importante, já que o presidente norte-americano é um crítico aos movimentos contra o aquecimento global e deve influenciar no ganho de força dessa agenda anti-climática no Brasil.
Vinícius de Carvalho também defende que essa ascensão de Trump vai influenciar nas eleições de 2026, pelo fato de ele ser um dos dos maiores representantes mundiais da extrema direita.
Confira abaixo a entrevista na íntegra:
Leiagora - Primeiro, eu gostaria que falasse um pouco sobre o seu trabalho como analista político em Mato Grosso. Há quanto tempo atua nessa área no Estado?
Vinícius de Carvalho - Eu estou nessa já desde 2011, que eu comecei realmente a me profissionalizar como analista político. Eu comecei nessa área no RD News (site de notícias). Durante quatro anos, eu publiquei lá e continuo lá até hoje. Foi uma experiência muito boa, tanto que foram mais de 200 artigos. Foram artigos bons, robustos e com muita informação. Tanto que eu até juntei depois os melhores e publiquei no meu livro, que é o “Política em Gotas” volume um. Já em paralelo a isso, no próprio RD News, eles têm alguma webtv e eu também era convidado para entrevista e para analisar a conjuntura. Em 2014, por conta desse meu trabalho, eu fui chamado para fazer rádio. Na época, era na Mega FM, que não tem mais agora. Participava do programa 'Chamada Geral', que era apresentado pelo Lino Rossi, falecido. Era um programa diário de rádio. Lá eu fiquei de 2014 a 2020, foram mais de seis anos. Foi um segundo passo pra mim, em termos de profissionalização como analista político.
Depois, eu já criei, em 2017, o site Política em Gotas, que ficou no ar até 2022. Inclusive eu tenho essa marca registrada, ela já é de minha propriedade. Em paralelo a isso, fiz televisão na TV Band, que agora é Cidade Verde, fiz uma participação lá em 2015 e 2016. Apresentei um programa chamado “Emparedado”, que passava na TV Mais, que é a TV Cultura daqui. Também participei do grupo da Jovem Pan e fiquei lá também por 4 anos. Saí em dezembro do ano passado. Bom, chegamos no meu momento atual. Eu tenho as minhas redes sociais e um programa na Record News de Cuiabá.
Leiagora - Qual é a sua formação? Sempre quis falar sobre política?
Vinícius de Carvalho - Não foi nada linear, eu sempre tive esse perfil. Essa é uma área desestruturada, não é como outras áreas que você escolhe uma formação. É desestruturada e de difícil profissionalização, inclusive. Mas eu sempre gostei, estudei minha graduação, fiz Administração na Universidade Federal de Mato Grosso. No entanto, sempre tive, desde o começo do curso, uma inclinação muito grande para ciências humanas. É um curso muito orientado ao setor privado. Mas eu sempre gostei da área de humanas sociais. Em 1996, eu trabalhei em um jornal como revisor e lá comecei a publicar alguns artigos. Aí terminei Administração e fui fazer Administração Pública. Eu já gostava muito de economia, política, sociologia, direito público e filosofia. Já tinha essa inclinação para a área de humanas muito forte. Aí, eu fui fazer gestão pública. Na graduação, fiz e, depois, fui fazer a especialização pública. Aí fiz um concurso para o governo do Estado para a carreira de gestor governamental, em 2001, assim que a carreira foi criada. Eu prestei o concurso e fui aprovado. Desde então, eu faço parte da carreira dos gestores governamentais, já são 23 anos. Depois, eu fui fazer o mestrado, doutorado em História Política. Após isso uma especialização em Ciência Política e, em seguida, o doutorado em História Política também.
Leiagora - Na segunda-feira (20), aconteceu a posse do novo presidente dos EUA, Donald Trump. Ele sinalizou, durante o evento, que pretende estabelecer tarifas e impostos sobre produtos de outros países, como é o caso do Brasil, que tem relação econômica com eles. Como você acha que essa medida pode impactar o país e, sobretudo, o agronegócio de Mato Grosso?
Vinícius de Carvalho - O Trump está com um nível de retórica muito inflamado. Disso aí ele vai colocar em prática uns 20%, no máximo, de tudo que ele está falando. Mas, assim, ele vem numa linha realmente de desglobalização. Isso é bem forte. No primeiro foi assim. E nesse segundo, ele vai chegar mais ainda. Ele está conquistando esse segundo mandato e assumindo o poder muito mais fortalecido do que oito anos atrás, quando assumiu pela primeira vez. Porque, naquele momento, primeiro ele era o começo dessa nova direita da política. Começou ali, com o Brexit, que foi o movimento de saída do Reino Unido da União Europeia, em 2016, e, depois, com a vitória de Trump. Desde então, essa direita cresceu muito, a nível mundial. Tem o Bolsonaro aqui, o Javier Milei na Argentina. Tem vários nomes no mundo afora.
Então, essa direita se fortaleceu muito, o Trump ganhou no voto popular dessa vez. Da outra vez, a Hillary Clinton tinha ganhado o voto popular e, agora, ele ganhou. Ele tem a maioria nas duas casas do Congresso, na Câmara dos Deputados e no Senado. O partido Republicano não tem a maioria, e ele tem o controle do partido. São todos os elementos que não havia, lá em 2017. Então, ele chega muito mais fortalecido. Realmente que vai avançar mais nessa agenda. E da Suprema Corte ele também terá a maioria, lá são nove ministros só, e ele terá a maioria logo.
Ele está em uma correlação de forças muito mais favorável. Nessa agenda específica que você mencionou, deve ter algumas barreiras que o Brasil fica numa numa situação entre China e Estados Unidos. Olhando como país, o maior parceiro comercial do Brasil é a China e o segundo maior os Estados Unidos. A União Europeia como bloco, se somar os 27 países, a União Europeia ganha como segundo maior parceiro comercial. Mas, olhando os países de forma isolada, China em primeiro e Estados Unidos em segundo. E vai haver muita tensão em relação a isso. Em alguns mercados específicos os Estados Unidos, realmente pode colocar algumas barreiras em que possa restringir mais e mais acesso. O Brasil exporta pouca coisa para lá em termos de agronegócio. A economia do agronegócio deles já é muito forte, muito pujante. Mas, em outras áreas, deve ter impacto sim. Então, vai mexer nesse sentido.
Mas eu vejo que o impacto maior não vai ser nessa parte tarifária, o que vai pegar é a questão da mudança climática. Com essa agenda do aquecimento global e da mudança climática. Que é algo que toca muito no agronegócio aqui. O nosso agro é cobrado, especialmente pela União Europeia. Tem essa questão da Moratória da Soja, de não poder plantar soja em áreas recém-desmatadas. O Trump é um crítico em relação ao aquecimento global e a essa agenda da mudança climática. Até porque uma das bases lá dele são as indústrias de carvão e petróleo.
Leiagora - Então, essa questão de o Trump não ter políticas para a mudança climática pode impactar o Brasil?
Vinícius de Carvalho - Vai impactar pelo seguinte, os Estados Unidos é o segundo maior poluidor do mundo. O maior poluidor é a China e o segundo, os EUA. E haverá um esfriamento dessa agenda em nível mundial. Ele saiu do Acordo de Paris de novo. É um acordo de 2012, que tem metas para a mudança climática, para estabilizar a temperatura e a redução da poluição. Ele tinha saído da outra vez e, agora, já saiu de novo. Quer dizer, então, a COP 30 que ocorreu no Brasil, que é a conferência da ONU que trata de mudança climática, vai ficar esvaziada. Vai haver o esvaziamento e vai fortalecer setores do agronegócio que são críticos ao aquecimento global. Muitos setores aqui do nosso agronegócio, que estão na região da Amazônia, aqui, de Mato Grosso, e outros estados são críticos a essa agenda e à União Europeia. Aquele discurso que eles fazem que querem restringir, que não conseguem competir, esse pessoal vai ganhar força com o Trump, que tem apoio político de peso em nível internacional.
Leiagora - Entre as medidas sobre a imigração, inclui tentar acabar com a questão constitucional da cidadania por direito de nascença. O que isso pode ocasionar na vida dos brasileiros que estão nos Estados Unidos?
Vinícius de Carvalho - Os Estados Unidos é o país do exterior que tem mais brasileiros, a maior comunidade brasileira que está fora do Brasil é lá, nos Estados Unidos. Porque tem muitos brasileiros em Nova York, na Flórida, Boston e Califórnia também, tem muitos anos. Enfim, esses são os principais polos, mas tem brasileiros espalhados nos 50 estados norte-americanos. A segunda maior comunidade de mais brasileiros no mundo, depois, do Brasil é la. Também tem a questão do Green Card. Nos EUA, ou eles adotam o direito do solo, quem nasce naquele lugar é cidadão daquele país, que é a medida que eles têm lá, hoje. Ou o direto do sangue, um filho americano, nascido fora, também é cidadão americano. E em alguns países, adotam os dois critérios. Então, se ele fizer essa mudança aí, de que filhos de estrangeiros não têm a cidadania automática, será uma mudança expressiva.
É uma mudança realmente complicada, porque tem muitos brasileiros já legalizados lá, tem os ilegais também. São 11 milhões de imigrantes ilegais e, nesse número, tem muitos brasileiros. Só que os filhos conseguem casar lá e ter filhos. Se o Trump revogar isso, a situação dele ficará mais delicada e difícil. Então, isso vai impactar os brasileiros com certeza.
Leiagora - 'Eles precisam de nós mais do que precisamos deles', disse Trump sobre a América Latina, quando questionado por uma repórter brasileira. Qual a sua avaliação a respeito dessa declaração?
Vinícius de Carvalho - Bem típico dele, né. Bem arrogante e ultranacionalista. Mas não é bem assim, se fosse desse jeito, ele poderia tirar daqui as empresas americanas que estão no Brasil, como a Microsoft, Apple e outras várias empresas americanas que estão aqui. Os EUA e a China são os maiores investidores do Brasil. Mas, realmente, a América Latina é uma das poucas regiões do mundo na qual os Estados Unidos têm superávit comercial. A balança comercial deles com a América Latina é diferente dos outros países do mundo. Na China, por exemplo, é ao contrário. Eles compram muito mais da China do que vendem pra lá. Então, nesse sentido do nosso comercial, ele tem razão. Porque, realmente, a América Latina precisa mais dos Estados Unidos em termos de capitais e de mercadoria do que o contrário.
Mas a América Latina não é uma região prioritária para os Estados Unidos, nunca foi pra governo nenhum. Alguns governos olharam com mais atenção, os governos do partido Democrata costumam ser um pouco mais atenciosos na América Latina. O Joe Biden esteve aqui na reunião do G-20, no Amazonas e no Rio de Janeiro. Além dele, o Bill Clinton e o Barack Obama também estiveram aqui. Geralmente, os presidentes do partido Democrata vem ao Brasil, mas os Republicanos, não. Para eles, não é uma região prioritária do mundo. Eles focam muito no sudeste Asiático, Oriente Médio, Rússia e Europa. Isso demonstra essa distância e essa pouca prioridade que os Estados Unidos dão para América Latina. O foco do Trump será o Milei, que é da mesma linha política dele. Além de tentar derrubar a esquerda na América Latina, como a Venezuela, Nicarágua e etc. Mas, tirando isso, não deve ter um foco muito grande na nossa região. Que foi o que ele quis dizer com essa declaração.
Leiagora - Diante das medidas que o Trump decidiu até agora, como você acha que Mato Grosso será impactado de vários pontos de vista, econômico e social, sobretudo? Será positivo ou negativo, tendo em vista que o Estado é um dos principais players mundiais de produção de grãos e, inclusive, compete com a produção norte-americana?
Vinícius de Carvalho - Vai ficar quase empatado. Tem aspectos positivos, mas tem os negativos. Tem uma situação muito delicada entre China e Estados Unidos, principalmente no agronegócio brasileiro. Mas, por outro lado, ele acaba dando força para essa agenda anti mudança climática. De forma geral, o impacto vai ser quase que empatado. Não terá grande diferença, talvez um pouquinho mais desfavorável para o Brasil. Porque, por exemplo, o Brasil exporta para os Estados Unidos é suco de laranja. Talvez haja mais fechamento de fronteiras. Então, eu acho que vai ser nada muito destacado, mas, com uma leve tendência para ser pior para o Brasil. No conjunto geral, a aliança com a União Europeia será muito mais interessante para o Brasil. Acho que a tendência é uma leve mudança, não terão mudanças muito grandes, e uma mudança para pior.
Leiagora - Existe algo que precisa ser feito para melhorar as relações com os EUA? O que seria?
Vinícius de Carvalho - Existe sim. O governo Lula tem esse perfil anti-americano, isso é bem notável. Desde o primeiro governo Lula, ele já tinha esse perfil anti-americano, de se opor aos Estados Unidos e de tentar organizar os chamados do Sul Global. No Hemisfério Sul, os países são de renda média e mais pobres, e o Brasil se colocar como um grande líder, um grande representante desses países. O Brasil é um país de renda média, está no meio do caminho ali. Então, ou ele pode querer ficar no último dos ricos, entrando no final da fila dos ricos, ou ele pode querer liderar os pobres. A linha do Lula é essa e tem como grande objetivo a reforma do Conselho de Segurança da ONU. Ao todo, são 15 membros, mas cinco membros têm poder de veto, que são os Estados Unidos, a China, a Rússia, a França e o Reino Unido. Esses cinco países podem vetar qualquer resolução. Então, qualquer norma aprovada tem que ser por unanimidade desses países. E o governo Lula já preconiza há muito tempo uma mudança nesse conselho de segurança para colocar mais membros, como o Brasil, a Índia e etc. Isso vai ficar muito difícil. Assim, o governo vai ter que repensar muito essa postura anti-americana, que é muito marcada. O Lula tem esse perfil mais forte. Ele vai ter que repensar muito isso, terá que avaliar realmente e adotar uma política mais pé no chão. Porque é quase impossível reformar a ONU, quase 200 países teriam que aprovar, quase que inviável. Mas o Lula se posiciona sempre a tentar conseguir algumas vantagens e representar esse grupo de países mais pobres. Então, essa estratégia do Sul Global, de reforma da ONU, esse posicionamento anti-americano vai ter que ser repensado. Tem que ter um interesse mais econômico e menos político. O viés é muito político e pouco econômico e, agora, vai ter que ser mais econômico do que político.
Leiagora – Como essa ascensão de Donald Trump, um dos maiores representantes mundiais da extrema direita, pode influenciar o Brasil nas eleições de 2026? Chega a mexer com o cenário político mato-grossense?
Vinícius de Carvalho - Pode sim. É uma aposta muito grande. Tanto que muita gente não entendo porque o pessoal que não é dos EUA está apoiando o Trump, inclusive participando da posse. Essa direita populista reacionária ganha força no mundo inteiro com essa volta do Trump. Tem gente que acha que ele pode impor sanções econômicas ao Brasil para dificultar mais o governo Lula e facilitar uma vitória da oposição nas eleições de 2026. Mas eu não acredito que existem sanções específicas por causa disso, mas será uma relação muito mais tensa e vai fortalecer a direita. Porque é um apoio internacional muito forte. Não acredito em espionagem ou apoio a golpe de estado. Mas, realmente, é um peso maior que o Trump vai dar para essas forças aqui. O Lula é anti-americano e essa direita é pró-americana. Tanto que o Bolsonaro bateu até incontinência para a bandeira norte-americana. Então, eles vão alegar isso, precisamos ter o presidente alinhado com os EUA para ter uma relação econômica e política melhor. Nesse ponto, enfraque o Lula e fortalece a oposição de direita.