AGORA POD | Procurador alerta: O pedófilo convive conosco no dia a dia e a criança sofre calada dentro do próprio lar
MT registrou um aumento de 90% no número de casos de violência sexual contra criança e adolescentes entre 2020 e 2024 e procurador faz um alerta a pais e familiares
“Não converse com estranhos.” O alerta é repetido por pais e mães há gerações. Mas, quando o assunto é violência sexual contra crianças e adolescentes, o perigo raramente vem de fora. “O pedófilo convive conosco no dia a dia. Frequenta os mesmos lugares, está nas nossas famílias, nas nossas rotinas, e a gente não sabe”.
O alerta do procurador de Justiça Paulo Prado, titular da Procuradoria Especializada na Defesa da Criança e do Adolescente, é duro, mas necessário. Ele foi feito durante entrevista ao Agora Pod, deste domingo, 18 de maio — Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. A data, que integra o calendário do Maio Laranja, ganha contornos ainda mais urgentes diante de uma realidade alarmante: entre 2020 e 2024, os crimes sexuais contra crianças e adolescentes aumentaram 90,2% em Mato Grosso. Foram de 1.586 ocorrências em 2020, para 3.018 em 2024.
Os registros incluem casos de estupro, estupro de vulnerável, pornografia infantil, aliciamento, exploração sexual, importunação, assédio, simulação de cenas pornográficas com crianças, entre outros crimes bárbaros. A lista é longa, repugnante e cresce ano após ano.
“Existe uma velha frase que diz: cuidado com pessoas estranhas. A gente fala para as crianças: não converse com pessoas estranhas. Tome cuidado com pessoas estranhas. Mas 80% dos abusos sexuais praticados contra crianças e adolescentes não são de pessoas estranhas. São de pessoas bem próximas. São de padrastos, tios, pais, avôs, enteados, irmãos de casamentos diferenciados, de vizinhos.”
O relato é inquietante. O agressor, muitas vezes, é aquele em quem a criança mais confia. Alguém que oferece carinho, proteção, atenção. Até que esse “carinho” passa a machucar.
“Olha, eu vou te ensinar um carinho que é só meu e seu. Eu gosto tanto de você. Você é uma menina tão educada, tão boazinha, que eu vou te fazer um carinho”, exemplifica o procurador, citando falas de abusadores. “A menina tem 4 anos de idade. Aí ele chega dando uma bala, dando um sorvete, um presente. Aí começa beijando, começa abraçando, até o momento que esse carinho passa a machucar, passa a doer. Aí a criança entra em pânico. ‘Mas ele falou que é carinho, mas tá me machucando’. E ele fala: ‘Não conta pra ninguém. Ninguém vai acreditar em você. Você ainda vai ser motivo de piadas’.”
Os dados confirmam essa realidade: só em 2024, em Cuiabá, 190 casos de violência sexual contra crianças e adolescentes foram notificados, e 73,7% deles aconteceram dentro da casa da vítima. As meninas representam a maioria esmagadora das vítimas: 176 dos 190 casos.
O Ministério Público de Mato Grosso tem atuado tanto na repressão quanto na prevenção desses crimes. “Quem processa o agressor é o Ministério Público. Quem está do lado da vítima, protegendo a vítima, é o Ministério Público. Quem vai pedir a prisão do estuprador, do agressor, daquele que viola uma criança de 4 anos de idade, uma menina de 6 anos de idade, é o promotor de Justiça da sua cidade, da sua comarca.”
Na área preventiva, o MP percorre escolas públicas com a peça Inocentes Pétalas Roubadas, encenada pela companhia mato-grossense Vostrás de Teatro. Com mais de 300 apresentações e mais de 100 mil crianças e adolescentes alcançados em 80 municípios, a peça aborda temas como bullying, mutilação, suicídio e, principalmente, abuso sexual.
“A criança, no seu imaginário, não pensa que o pai seria capaz de fazer mal. O pai é o protetor. É o referencial. É alguém que tem como se fosse um herói. Porque a história e os contos de fadas mostram os pais como os salvadores, os protetores, os heróis. No final, tudo dá certo. Meu pai chega e afasta o bicho-papão. Afasta o agressor.”
Ao fim de cada apresentação, os estudantes recebem orientações sobre como reconhecer os sinais do abuso, como pedir ajuda e os canais de denúncia. O procurador relata também que é comum que ao menos uma criança faça uma denúncia após assistir a peça.
O espetáculo, que já alcançou mais de 100 mil estudantes em 80 municípios, aborda o abuso de forma lúdica e pedagógica, incentivando o diálogo e ensinando as crianças a identificarem e denunciarem agressões. “Elas encontram apoio na escola, na cantina, no corredor, em quem acolhe. E muitas vezes é ali que o primeiro pedido de socorro acontece”, explica.
O procurador reforça também a importância de se falar sobre esse assuntos com as próprias crianças e adolescentes, não pode ser um tabu. Falar tanto na escola, quanto dentro de casa. "A gente tem que orientar as crianças", afirmou o procurador, que também é favorável à educação sexual nas escolas.
"Eu sou a favor dessa educação, bem ministrada, bem orientada, de uma forma que realmente seja voltada para o conhecimento preventivo e orientativo. E também usando ferramentas como esporte, como teatro, como cinema, como vídeos bem selecionados", defendeu.
A campanha Maio Laranja é mais do que uma mobilização simbólica. É um apelo por vigilância, escuta e coragem. O silêncio protege o agressor. A denúncia salva a vítima.
Veja a íntegra da entrevista:
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