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16/10/2018 às 08:00

Coruja, sabedoria e professores

Gabriel Oliveira

Animais fascinantes! Sempre fui fascinado por corujas! Infelizmente, nunca morei em locais onde elas fossem abundantes... até mudar para Mato Grosso! Lembro-me de, quando criança, ir para a escola e passar pela casa de um vizinho que tinha uma coruja. A casa era de esquina, e o caminho de casa para a escola incluía virar naquela esquina. A coruja ficava em um pequeno poleiro quase no canto da casa. Eu a avistava a uns 20 metros, olhando para mim. Passava por ela, e ela me olhando. Virava e esquina e olhava para trás, lá estava ela, ainda olhando para mim e sem mexer o corpo desde o início do movimento do pescoço. Isso é possível porque a ave consegue virar o pescoço em um ângulo de 270º ? para ter uma ideia, o pescoço humano mal atinge um giro de 180º. Confesso, dava um certo arrepio: eu tinha menos de 10 anos de idade, e a névoa das manhãs frias do interior gaúcho deixava um clima de ?mistério cinza? no ar... Normalmente, ela não estava lá quando eu voltava da escola, por volta do meio-dia. Talvez por preferir a noite. Com o passar dos anos, não a vi mais. A presença marcante da coruja no imaginário social vem de longe. Na mitologia grega, o animal representava ou acompanhava Atena, a deusa da sabedoria. Os gregos entendiam que a noite era o momento específico para o pensamento filosófico. A coruja, animal de hábitos noturnos, com visão e audição aguçadas, está sempre silenciosamente observando o mundo e seus fenômenos, como um filósofo. Enquanto todos dormem, ela está acordada e vigilante. Os gregos acreditavam que quem consumisse a carne da coruja poderia adquirir dons como clarividência e outros poderes divinos e/ou sobrenaturais. Daí advém a coruja ser símbolo de conhecimento, sabedoria, perspicácia e erudição, tornando-se mascote de áreas do conhecimento como Filosofia e Pedagogia. Na cultura popular, expressões como ?mãe-coruja? ? quando a mãe talvez exagere um pouco nas atribuições positivas da prole ?, ou no futebol, quando a bola passa perto ?lá de onde a coruja dorme? ? o canto que marca o encontro do travessão com o poste, dentre outros usos indicam a presença da ave no imaginário social ainda hoje. Um aspecto menos glamoroso da coruja é o fato de ela ser uma ave de rapina. Prima da águia, do gavião e do falcão, mas também do urubu, do abutre e do carcará ? aquele que, segundo a música do Chico Buarque, ?pega, mata e come?, a coruja tem visão aguçada para caçar suas presas. A ótima audição garante que as rapinantes consigam ouvir uma presa agonizando a distâncias consideráveis. O bico curvo, forte e afiado, facilita a dilaceração da pele e da carne das vítimas, enquanto são imobilizadas com a ajuda de afiadas garras. O cenário acima parece mais amedrontador com aves maiores. As corujas são menores, mas não menos ferozes. Assim que mudei para Mato Grosso, notei uma família de três corujas-buraqueiras ? as mais comuns do cerrado brasileiro ? no canteiro central da avenida que fica a alguns metros da minha casa. O casal adulto cuidava de um filhote, que raramente saía do buraco no chão. Os adultos responsáveis sempre mantendo guarda na borda do buraco. Os cachorros da vizinhança, de porte médio, nunca passavam incólumes ali por perto do ninho; eram perseguidos pelas corujas adultas em voos rasantes e destemidos! Até eu, um adulto humano robusto com quase 1,90m e mais de 100kg, quando chegava a pé a uns 50m do local já ouvia o crocitar agudo e raivoso direcionado a mim. Nunca cheguei mais perto, mas tenho certeza de que, se chegasse, seria perseguido pelos mesmos rasantes com que a cachorrada era. Neste ano não vi a família ali. Todo esse tratado acima sobre a coruja foi para lembrar que na segunda-feira desta semana, dia 15 de outubro, comemorou-se o Dia do Professor, figura tão importante na formação de todos nós, tão presente nos discursos políticos em época de eleição, e tão negligenciada no cotidiano de nosso país. Ninguém nega que a construção de um país melhor passa por uma valorização da educação e de seus profissionais. Mas esta área, simbolizada pela coruja, não recebe a atenção que merecia. Baixos salários e péssimas condições de trabalho não são raridade no cotidiano dessa profissão. Que nós ? e nossos governantes ? tenhamos a perspicácia e a sabedoria tradicionalmente simbolizadas pela coruja para sabermos lidar com os obstáculos sociais de uma nação que não valoriza como devia a construção do conhecimento.
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