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09/04/2019 às 07:38

Memoriais trazem à tona atrocidades de genocídio de Ruanda

Leiagora

Memoriais trazem à tona atrocidades de genocídio de Ruanda

Foto: folha.uol.com.br

As colinas verdejantes e as ladeiras de Kigali, a capital de Ruanda, escondem uma cidade vibrante, considerada uma das mais seguras e limpas do continente africano.

O número de turistas cresce a cada ano no país, assim como o de hotéis de luxo criados em volta dos passeios para ver os gorilas da montanha, uma atração que ajudou Ruanda a se reinventar.

Por isso, é chocante pensar que ali, há 25 anos, cerca de 1 milhão de pessoas foram assassinadas em cem dias. Uma série de memoriais espalhados pelo país resgata a história do genocídio em Ruanda.

No Memorial do Genocídio em Kigali, cerca de 250 mil vítimas estão enterradas num espaço discreto com jardim, no qual não se vê os caixões. No museu, porém, há caveiras expostas sob luz dramática, além de uma linha do tempo com fotos de embrulhar o estômago.

O memorial explica a origem do conflito entre os hutus radicais e a minoria tutsi.

Em 1932, os colonizadores belgas começaram a classificar a população por etnia nos cartões de identidade. Os tutsis passaram a ser privilegiados pelo governo belga e vistos pelos hutus como um obstáculo para seu desenvolvimento.

Uma caixa de lenços foi colocada na sala de vídeo, na qual tutsis sobreviventes narram as barbaridades que sofreram. O final traz uma mensagem de conciliação e paz. Vítimas dizem que perdoaram aqueles que dizimaram suas famílias.

Outros três memoriais, construídos onde milhares de pessoas foram mortas, ficam fora de Kigali e são preservados de maneira impecável.

Pelos acostamentos das estradas, agricultores vão e vem de suas lavouras de batata, mandioca e chá, levando na cintura foices e facões.

É um cenário bucólico, até lembrarmos onde estamos. Para matar tutsis, hutus usaram foices, facões e machadinhas, além de armas vindas de países vizinhos e da França, que tinha forte presença no país ao treinar soldados.

A Igreja de Ntarama, a 30 km de Kigali, foi palco do assassinato de 5.000 tutsis numa só noite. Os bancos de cimento da igrejinha estão ocupados por roupas e objetos das vítimas, como os infames cartões de identidade.

Uma escola guarda uma mancha preta na parede: "Aqui batiam a cabeça das crianças para matá-las", explica a guia.

A 20 minutos de carro dali está outra igreja transformada em memorial, a de Nyamata, onde dez mil foram mortos. As igrejas eram refúgios comuns para os tutsis, perseguidos havia décadas. Num ataque em 1992, muitos sobreviveram se escondendo ali. Dois anos depois, não sobrou ninguém.

O piso da entrada traz a marca da granada que destruiu os portões. Uma santa foi restaurada e recolocada na parede. No subsolo, um espaço foi construído para abrigar centenas de caixões coletivos. Estão todos empilhados, alguns semiabertos, com ossos e caveiras à vista.

No centro, um caixão ganha destaque. "Era uma jovem tutsi, estuprada por diversos hutus e depois empalada", conta o guia.

Um dos episódios mais sangrentos ocorreu em Murambi, a 160 km de Kigali, numa escola técnica em construção. Mais de 60 mil tutsis se refugiaram lá, por recomendações de autoridades --que mais tarde cortaram água e comida do local.

"Pouca gente tem estômago para entrar aqui", avisa o guia. "Quer mesmo continuar?"

O alerta precede a entrada nos dormitórios com mil cadáveres mumificados com cal em pó. São corpos retorcidos e esbranquiçados, alguns ainda com tufos de cabelo e pedaços de roupa, em cima das camas. Alguns quartos trazem múmias de crianças.

Entre 16 e 21 de abril de 1994, os tutsis se protegeram como puderam na escola, com pedras e barricadas. O memorial não poupa ataques aos franceses, que deveriam ter feito a segurança do espaço.

Segundo o museu, eles trouxeram máquinas para enterrar os corpos nos fundos da escola e levantaram uma rede em cima do terreno para jogar vôlei --e esconder o massacre.Também estupraram sobreviventes e deixaram hutus fugirem para o Zaire (hoje República Democrática do Congo).

Ao final da visita, o cheiro de cal parece impregnado nas roupas, e as imagens brutais ainda dão náusea. "Tem gente que não acredita no genocídio, então precisamos preservar a história para não acontecer de novo", diz o guia.

 
Direto de Kigali, Ruanda - Fernanda Ezabella/Folhapress
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