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15/05/2020 às 10:32

Fogo de Chão demite 690 e manda a conta para Governadores pagarem

Funcionários não sabem o que fazer para receber o saldo da rescisão e alegam terem sido enganados

Leiagora

Fogo de Chão demite 690 e manda a conta para Governadores pagarem

Foto: Divulgação

Alegando ser forçado pelas consequências da pandemia do novo coronavírus, o famoso restaurante de carnes demitiu nada menos que 690 funcionários no mês de abril. Só no ponto de Botafogo, de frente para a baía de Guanabara, dos 82 funcionários, 73 foram demitidos.

Situação semelhante ocorreu na filial da Barra da Tijuca. A empresa continua funcionando, trabalhando apenas com ‘delivery’. Além do drama natural causado por demissões, o problema maior é que a empresa se recusa a pagar todas as verbas rescisórias dos empregados, alegando que esta seria uma obrigação do Governo Estadual. O caso se parece com a demissão de 579 empregados da Pizzaria Parmê.

A churrascaria, hoje uma grande empresa multinacional com ações comercializadas na Bolsa de Nova Iorque – NASDAQ – foi vendida em 2018 à Rhône Capital por 560 milhões de dólares (cerca de 3 bilhões de reais). A Rhone gerencia cerca de 50 bilhões de reais em fundos e investimentos no mundo inteiro.

O DIÁRIO DO RIO teve acesso ao documento que o departamento de RH da empresa fez para os empregados assinarem no dia 4 de abril. Entitulado “Comunicação de Rescisão do Contrato de Trabalho por Ato de Autoridade“. A empresa afirma que por conta da disseminação do novo coronavírus, e dos decretos estaduais determinando o “encerramento das atividades” do restaurante, e também por conta do que trata o artigo 486 da CLT (aquele citado pelo Presidente Bolsonaro, na polêmica declaração do dia 27 de março), os empregados estariam sendo demitidos.

No mesmo documento, a churrascaria afirma que “o pagamento de suas verbas rescisórias nos termos do art 486 da CLT, deverá ser a cargo do GOVERNO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, autoridade que decretou a paralisação das atividades do EMPREGADOR“. Ou seja, para receber suas verbas rescisórias, o ex-funcionário teria que cobrá-las do tesouro estadual.

A Fogo de Chão afirma também no documento, que, “por mera liberalidade” (ou seja, não porque a lei a obrigue, mas sim porque quer dar este benefício ao empregado), vai depositar na conta dos empregados o saldo de férias (proporcionais e vencidas), o adicional de 1/3, e o décimo terceiro proporcional “em até 10 dias”. O documento é reproduzido ao final desta reportagem, e se baseia basicamente no tal artigo 486 da CLT.

O ato causou a revolta de vários funcionários. O barman Felipe Castro, com 4 anos de casa, é um dos que estão indignados. “Para mim, usaram de má fé e do momento pra beneficiar a empresa“, disse. O barman, que é portador de necessidades especiais e teve que retornar para o Piauí por não ter mais condições de se manter no Rio, falou com o DIÁRIO via redes sociais.

“O gerente da loja, Sr. Vagner, fez primeiro uma reunião e falou que iria pagar tudo, só não pagaria o aviso prévio. Nós aceitamos e ele mandou assinarmos aquele papel. Assinamos em confiança“, lamentou o funcionário. A funcionária N., na empresa há mais tempo que Felipe, completou: “Botou todos de férias por 10 dias e depois fez reunião para demitir todos e falando que a multa e aviso era pelo Governo, mas como vamos fazer para receber? Ninguém soube informar.”

Funcionários citam que quando descobriram que não iriam receber seus direitos, teria entrado no circuito o Diretor de Recursos Humanos Marcos Ono, mas que sem ter como explicar efetivamente como fariam para receber, o executivo teria bloqueado todos os funcionários que buscam explicações, em suas redes sociais e whatsapp.

“Ao menos pra mim acabaram pagando 20% da rescisão, mas ainda afirmam que vamos ter que cobrar o resto do Governador. O que não entendo é que o restaurante continua funcionando pra delivery. Nós dávamos o sangue por essa empresa, eu não tinha hora, os clientes gostam da gente, nós também somos a Fogo de Chão“, disse G., ex-funcionária do restaurante da Barra.

“Eu acho que o seu Wagner mentiu pra gente assinar sem ler. Depois que veio a história que a gente não ia receber o resto. Concordamos em não receber o Aviso Prévio, o resto eles enrolaram a gente“, revolta-se Felipe.

Cliente da Fogo de Chão de Botafogo, Bruna de Barros soube da história pela reportagem. “Sinceramente, eu acho que além da comida e da vista, o charme da churrascaria era a educação e a alegria dos funcionários, que pareciam trabalhar alegres e nos tratavam como reis. Fiquei chocada. Não vou comer numa empresa que trata os empregados assim, acho que vale o boicote“.

Ao tratar com a imprensa no fim de março, o presidente Jair Bolsonaro citou o tal artigo 486, usado pela Fogo de Chão no documento. “Tem um artigo na CLT que diz que todo empresário ou comerciante que for obrigada a fechar seu estabelecimento por decisão do respectivo chefe do Executivo (…) Os encargos trabalhistas quem paga é o governador e o prefeito. Tá ok?”

Elton Batalha, professor de Direito Trabalhista da Universidade Mackenzie, acredita que essa tese deve ser muito utilizada em ações nos próximos meses, mas não acha que ela prosperará: “Provavelmente, quando o Judiciário apreciar essas ações, considerará que o 486 da CLT não é aplicável à situação, pois o ato governamental de determinação de quarentena (e consequente paralisação de atividade) é justificável ante o surto da Covid-19. Caso a atitude governamental não se justificasse cientificamente, seria diferente“, diz.

Os advogados Mauricio Gasparini e Mariana Bissolli Cerqueira Cerezer, da área trabalhista do escritório Finocchio & Ustra, entendem “que o risco da atividade econômica é do próprio empregador e não pode repassá-lo a terceiro, o que inclui órgão da administração pública, de modo que se espera a prova cabal da sua indevida interferência“. Ou seja, traduzindo o juridiquês, para eles, o governo só teria que arcar com a indenização caso não tenha uma justificativa justa e suficiente para ter mandado o restaurante fechar suas portas. Será que uma pandemia – que é mundial e grave por excelência – reconhecida pela Organização Mundial de Saúde, não seria tal justificativa?

Para o advogado Vinícius Cordeiro, a medida “não é legal, além de mostrar uma grande insensibilidade social“. Cordeiro entende que “cabe até, se os empregados quiserem agir de forma coletiva, o pedido de reintegração ao trabalho, com grandes chances de acolhimento” pela Justiça do Trabalho. Ele defende que “não há como jogar a conta no Governo“. Para João Pedro Figueira, também do ramo, “o Art. 486 da CLT está sendo claramente distorcido pela empresa. Incrível impor ao Governo o ônus que é deles. No final, quem fica desamparado é o empregado“.

O DIÁRIO verificou que alguns advogados – franca minoria dos consultados – acham que o artigo citado pela Fogo de Chão e pelo Presidente da República poderia ser utilizado. Alguns deles entendem que só poderia ser utilizado se a Fogo de Chão tivesse efetivamente paralisado suas atividades, o que não ocorreu, pois o Delivery segue. Mas todos eles concordam com uma coisa. Este dispositivo da lei nunca foi largamente utilizado antes, e não há uma fórmula pronta para que os funcionários, usando este artigo, receba o que lhes é devido. Isto significa que, mesmo se no fim a Justiça do Trabalho considerar o procedimento válido para a situação deles, podem se passar muitos anos até que vejam a cor do dinheiro.

Procurada pela reportagem do DIÁRIO DO RIO, de manhã cedo, a assessoria da churrascaria não respondeu à reportagem. Numa entrevista ao jornal Folha de São Paulo, no dia 8 de maio, o executivo Paulo Antunes, que comanda a empresa no Brasil, disse: “Desligamos a maior parte [dos funcionários], para que eles tivessem acesso ao FGTS e passassem o período de crise com caixa“. Na mesma entrevista, o executivo disse também que a rede pretenderia recontratá-los, depois. A entrevista do dia 8 fala em 400 demissões.

 
Fonte: Diário do Rio
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