Cuiabá, sexta-feira, 26/04/2024
11:10:49
informe o texto

Notícias / Polícia

24/05/2020 às 08:14

Crime passional não existe: 'são homens que não conseguem resolver e acham que são donos'

O crime de feminicídio cresceu 47% em Mato Grosso e a cada 6 dias uma mulher é morta no estado, simplesmente por ser do gênero feminino.

Luzia Araújo

Crime passional não existe: 'são homens que não conseguem resolver e acham que são donos'

Foto: Reprodução

Vanessa Ferreira dos Santos, 30 anos, estava em frente de casa, conversando com os familiares quando foi surpreendida pelo ex-companheiro Sidney Oliveira Batista, que chegou pilotando uma motocicleta. Ele disse que queria conversar, pegou Vanessa pelo braço e a levou para os fundos da casa. 

 

Logo em seguida, a mulher gritou que havia sido esfaqueada e o suspeito saiu correndo. O golpe atingiu o pescoço de Vanessa. Enquanto os familiares acionaram o socorro médico, não satisfeito, Sidney retornou e desferiu novos golpes que levaram Vanessa à morte, ali no quintal de casa. 

 

O suspeito fugiu, mas foi preso na última terça-feira (19) depois de se apresentar na delegacia. Ele irá responder pelo crime de homicídio com qualificadora em feminicídio, conforme previsto no Artigo 121, parágrafo segundo, inciso 6º (crime contra a mulher por razões da condição de sexo feminino). A lei prevê pena com reclusão de 12 a 30 anos.

 

O crime ocorreu no dia 16 de maio, no município de Barra do Bugres (168 km distante de Cuiabá), e o casal estava separado desde novembro de 2019. 

 

O assassinato de Vanessa faz parte das estatísticas e foi mais um dos 22 casos de feminicídio registrados registrados este ano em Mato Grosso. De acordo com um levantamento feito pela Superintendência do Observatório de Violência da Secretaria de Estado de Segurança Pública (Sesp-MT), o Estado teve um aumento de 47% nesse tipo de crime no primeiro quadrimestre 2020, se comparado ao mesmo período de 2019, quando 15 mulheres foram assassinadas. 

 

Em média, uma mulher é assassinada a cada seis dias no Estado. Esse número é considerado preliminar, pois pode ocorrer modificações em alguns casos após a conclusão do inquérito, em que a definição pode ser alterado de femincídio para homicídio doloso.

 

Ainda de acordo com o estudo, março foi o mês que apresentou mais casos em 2020, sendo sete ocorrências registradas. Cuiabá teve apenas um caso e a arma mais utilizada para cometer o crime foi a arma cortante ou perfurante. Boa parte dos feminicídios ocorreram por motivação passional, sendo eles 57%. 

 

Para a professora de jornalismo e pesquisadora de gêneros e feminicídios da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Nealla Valentim Machado, o número de feminicídios vem crescendo nos últimos anos e existem uma série de prerrogativas que pode motivar o aumento.

 

“Pode ser a questão da política, porque o presidente algumas vezes já expressou umas falas que foram bastante machistas. Que foram de cunho bem problemático, né? E querendo ou não sabemos que o presidente autoriza as pessoas. As pessoas se sentem mais autorizadas, se uma fala de alguém importante for colocada”, pondera. 

 

A pesquisadora comenta também sobre a questão da quarentena. “Sabemos que não são todos que estão fazendo, mas as pessoas que estão passando muito mais tempo em casa podem exacerbar esse problema”.

 

Não existe crime passional

 

Nealla explicou ainda que esse tipo de crime possui uma ligação direta com a violência doméstica e que são cometidos por homens que conhecem as vítimas e mesmo assim as matam, mas para ela, não existe crime passional.

 

“São homens que não conseguem resolver essa situação. Eles acham que são donos dessas mulheres e que eles têm que comandar a vida delas. Os agressores não conseguem aceitar bem esses términos de relacionamento e por isso recorrem a violência, o que acaba prejudicando a vida de todo mundo, até a vida deles”, justifica.

 

Ela alega ainda que estes relacionamentos são marcados por uma série de problemáticas, que não conseguem ser resolvidas. Com isso, os homens acabam recorrendo à violência, porque não conseguem conversar com suas parceiras. 

 

“E isso é problemático. Muito provavelmente, toda essa situação econômica do país, na qual as pessoas estão perdendo o emprego, enfrentando problemas financeiros, convivendo mais e ficando mais tempo dentro de casa, tudo isso pode acarretar para o crime, mas gosto de ressaltar que crime passional não existe”. 

 

Inclusive, o chamado crime passional, usado para justificar a violência contra mulher, em que o homem alega cometer o crime “pela paixão”, “pelo amor”, “pela emoção”, não consta no Código Penal e vem sendo cada vez menos utilizado para se reforçar o feminicídio e acabar com justificativa ou amenizar os crimes de violência doméstica. 

 

Independência

 

Nealla explica ainda que as mulheres estão cada vez mais independentes e que alguns homens não estão sabendo lidar direito com essas mudanças sociais, mas que eles precisam rever a forma de pensar e de agir para não ficarem presos nesse patamar antigo. "Existem inúmeras forma de ‘ser homem’ hoje em dia, que você não precisa partir para a violência ou matar ninguém".

 

A especialista afirmou que é possível notar ações individuais dos poderes para diminuir o feminicídio no Estado, mas a falta de recurso financeiro por parte do governo Federal prejudica o enfrentamento. De acordo com ela, desde a mudança de governo as verbas federais para o combate à violência doméstica foram reduzidas e as pessoas que trabalham diretamente na causa seguem tentando, mas sem o dinheiro fica muito difícil. 

 

“Temos um parte muito avançada, que são as leis, mas as outras partes, que são a conscientização e educação da população e, principalmente, o atendimento de base nas delegacias e assistência social,  ainda pecam um pouco, apesar de termos muita gente boa trabalhando nessa frente”.

 

Para a pesquisadora, para combater o feminicídio é preciso que os homens repensem suas atitudes, principalmente em relação ao relacionamento e que as mulheres denunciem o primeiro sinal de violência.

 

“Eles estão sempre lutando contra essa cultura de que se a mulher foi assassinada, foi culpa dela quando na verdade sabemos que a culpa nunca foi da vítima. Normalmente, os feminicídios começam em ambientes de violência doméstica. Nunca começa com o homem já assassinando a mulher. Ele dá um empurrão, xinga e depois ele dá um soco. Então, no primeiro sinal de violência, a mulher deve sair desse relacionamento e denunciar o agressor”, explica. 

 

Além disso, é necessário discutir mais sobre isso na sociedade para que as pessoas que flagrarem mulheres sendo agredidas utilizem os canais de denúncia para proteger essas vítimas. “Então, se alguém conhece uma mulher que passa por violência doméstica, tente conversar com ela e denuncie”.

Denúncia


Para denunciar e buscar ajuda à vítimas de violência contra mulheres ligue 180 - Central de Atendimento à Mulher. O serviço registra e encaminha denúncias de violência contra a mulher aos órgão competentes.

O serviço também fornece informações sobre os direitos da mulher, como os locais de atendimento mais próximos e apropriados para cada caso. A ligação é gratuita e o serviço funciona 24 horas por dia, todos os dias da semana.

São atendidas todas as pessoas que ligam relatando eventos de violência contra a mulher. O Ligue 180 atende todo o território nacional e também pode ser acessado em outros 16 países.

 

Clique aqui, entre na comunidade de WhatsApp do Leiagora e receba notícias em tempo real.

Siga-nos no Twitter e acompanhe as notícias em primeira mão.


 

0 comentários

AVISO: Os comentários são de responsabilidade de seus autores e não representam a opinião do site. É vetada a inserção de comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros. O site poderá retirar, sem prévia notificação, comentários postados que não respeitem os critérios impostos neste aviso ou que estejam fora do tema da matéria comentada.

 
Sitevip Internet