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Notícias / Entrevista da Semana

28/06/2020 às 08:00

Judicialização da covid: 'TJ não pode ser omisso e dizer que não vai discutir', avalia Mário Kono

Eleito desembargador há um ano, magistrado avalia impactos da pandemia no Judiciário e fala sobre primeiro ano de trabalho

Camilla Zeni

Judicialização da covid: 'TJ não pode ser omisso e dizer que não vai discutir', avalia Mário Kono

Desembargador Mário Roberto Kono

Foto: Alair Ribeiro/TJMT

Ele deixou a carreira de bancário para trás quando, quatro anos após se formar em Direito pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), tomou posse no Poder Judiciário mato-grossense. Mário Roberto Kono de Oliveira foi juiz em quatro comarcas até que se fixou no Juizado Especial Criminal de Cuiabá. Lá, atuou por 20 anos e desenvolveu diversas atividades, entre elas a Justiça Terapêutica, na qual foi pioneiro em Mato Grosso.

Eleito desembargador em 27 junho de 2019, Mário Kono tomou posse no dia 1º de julho, completando na próxima quarta-feira, portanto, seu primeiro ano no Tribunal de Justiça.

Em entrevista especial ao Leiagora, inaugurando a sessão de 'entrevista da semana', o desembargador falou sobre o primeiro ano de trabalho, as mudanças que trouxe consigo para o Tribunal de Justiça e comentou sobre como a pandemia tem afetado o Judiciário. Mário Kono ainda expôs sua opinião sobre as recém-criadas vagas de desembargadores em Mato Grosso e os ataques direcionados ao Supremo Tribunal Federal.

Confira abaixo parte da entrevista.

 
Leiagora - O senhor tomou posse como desembargador há um ano, depois de 28 anos de atuação no Poder Judiciário. Como o senhor avalia esse primeiro ano de trabalho do Tribunal?

Mário Kono
- A diferença que tem entre julgar, do segundo grau para o primeiro grau, é que você divide a sua decisão com, no mínimo, dois outros colegas. Então você aprende a julgar coletivamente e a respeitar o pensamento diverso. No primeiro grau, embora haja jurisprudência, súmulas, diretrizes a serem seguidas, você age isoladamente. A decisão é pessoal. E no segundo grau a decisão é do colegiado. Mas a responsabilidade é a mesma do juiz, desde o seu primeiro dia, até a de um ministro. Para mim, não houve diferenciação nessa responsabilidade. A carga é a mesma.


Leiagora - Quando o senhor tomou posse, falou sobre novas ideias e sobre como gostaria de renovar o Judiciário. O senhor acredita que nesse tempo já foi possível mostrar um pouco do que o senhor buscava? 

Mário Kono -
Sim. Já procurei alterar várias coisas. Tornar menos prolixas as decisões. Não com menos conteúdo, mas mais curtas, mais objetivas, e mais produtiva, consequentemente. O meu propósito continua sendo de que temos que procurar trazer uma dinâmica maior para ter mais resultado num mesmo lapso de tempo, e, se possível, com menor custo.


Leiagora - O senhor já pensa em outros caminhos que pretende chegar? Quem sabe teremos outro ministro de Mato Grosso? 

Mário Kono -
Espero que um dia tenha, mas não serei eu (risos). A gente nunca sabe o que vai acontecer, mas a probabilidade é muito baixa.


Leiagora - Durante anos o senhor trabalhou com a Justiça Terapêutica, era um dos grandes defensores. Como ficou essa área no Judiciário com a sua mudança?

Mário Kono -
 Está sendo dado continuidade nos trabalhos. Eu estou no grupo do Tribunal de Justiça a respeito de drogas. Estávamos trabalhando projetos na área de prevenção.

Tem um projeto muito bonito tocado pela doutora Amini Haddad, em Várzea Grande, junto com a secretaria de Educação, para fazer trabalho de atenção básica a essas crianças, trazendo ballet, coral, a comunidade para participar. Estávamos com alguns projetos, mas veio a pandemia, esperamos dar continuidade assim que for possível.

No tratamento, já haviamos conseguido a promessa do deputado Max Russi, que garantiu para nós verbas para construir a ala feminina na unidade 3 do Adauto Botelho e estamos trabalhando. Não podemos deixar de atuar. Essa é uma missão que eu tenho como particular, então não abandonei. Deixei o juizado mas não deixei a luta. No TJ o desembargador Marcos Machado é o presidente e ficou com a parte de repressão.


Leiagora -  O Judiciário precisou avançar, de uma forma muito mais rápida do que vinha fazendo neste período de pandemia. A novidade mais recente, talvez, foi o início das sessões de julgamento virtuais. Como o senhor avalia esse novo tempo da Justiça? Acredita que essas mudanças serão permanentes no pós-pandemia?

Mário Kono -
Vamos aqui analisar uma frase deixada pelo nosso maior mestre, Jesus Cristo. Ele dizia que o escândalo é necessário, mas ai do homem por quem o escândalo vem. Se analisarmos na história, todas as tragédias, sejam elas naturais ou provocadas, sempre deixaram muitas coisas trágicas, muitas dores, mas também acabaram trazendo o progresso. Não me anima a situação da pandemia que está por ai, deixando a saúde e a economia abaladas, mas quando a situação aperta a humanidade procura buscar soluções. O Poder Judiciário não é diferente.

O Judiciário, eu creio que adiantou muito nesse último tempo, e diga-se, bem conduzido pelo nosso presidente Carlos Alberto, que tem uma visão dinâmica e progressista, para que não ficasse parado. Para que se pudesse, dentro da tecnologia já existente, implantando novos recursos e ideias, atender a população naquilo que fosse possível, e realmente estamos tendo resultados excelentes. Muito mais do que se esperava, inclusive processos que estavam mais lentos foram agilizados.

Então temos seu lado positivo e não há como negar que a pandemia e nossas obrigações criaram essas ferramentas que prosperam melhor.


Leiagora - Uma das mudanças que o presidente Carlos Alberto pegou como desafio também foi a implantação do Processo Judicial Eletrônico (PJE) em todas as comarcas, e já temos muito avanço nesse sentido. O senhor consegue, no futuro próximo, enxergar o Judiciário sem o processo físico como conhecemos hoje?

Mário Kono -
Isso fatalmente vai acontecer. Não tem mais sentidos se derrubar florestas e usar papéis por causa de uma burocracia inútil. Ela é inviável economicamente, é inviável ecológicamente e é muito mais improdutiva do que o uso da tecnologia. O que se tem que analisar é a questão do tempo, o espaço e as condições.

Há muito tempo o Poder Judiciário já vem procurando essas novas tecnologias, mas isso tem fatores externos que ainda precisam ser aperfeiçoados ou implantados em nível de Brasil. Temos uma internet com uma velocidade apta ao trabalho nas capitais, mas nem toda comarca do interior tem da mesma forma. Então, superadas essas dificuldades, eu não vejo qual é a razão para que isso não ocorra. E, se já temos tecnologia para isso, acredito que em pouco tempo tudo deverá estar digitalizado e funcionando dentro dessa modernidade.


Leiagora - E como foi para o senhor se adequar à nova rotina do home office?

Mário Kono -
Olha, eu tenho algumas dificuldades da minha geração de trabalhar, mas foi fácil. Estávamos já acostumados e, tirando algumas gafes iniciais… De vez em quando você vê uma, que são coisas que acontecem. Mas estamos indo muito bem. Estamos a todo vapor, temos feito sessões até 20h30, 21h.

As sessões são presididas, temos intervalos como qualquer trabalho, para lanche, para almoço. Não temos sessões diárias, até porque precisamos de outros dias para analisar, fazer o voto e levar para o plenário. E olha a progressão: poucos advogados vinham para a sessão presencial, apenas aguardavam julgamento. Agora eles podem participar direto de suas cidades, sem gastar dinheiro com transporte e perder dias de trabalho. Mesmo que haja dificuldade de conectividade eventualmente, já tivemos muita progressão. 

 
No Judiciário há 28 anos, Mário Kono dedicou 20 deles no Juízado Especial Criminal

Leiagora - Qual é a opinião do senhor sobre a recém aprovação de 9 vagas de desembargador para  Tribunal de Justiça?

Mário Kono -
Eu votei acompanhando o projeto que partiu da presidência quando teve essa discussão, e pelas seguintes razões: primeiro porque há a necessidade de aumento no número de membros no Tribunal de Justiça e os próprios números justificam isso. Agora, o número de desembargadores a tomarem posse é algo que pode vir a ser discutido ainda. Uma coisa é você dar posse e outra coisa é você aprovar a vaga, porque a aprovação depende de muitos fatores. Além do número de processos, depende do número populacional, do orçamento do Poder Judiciário, se é capaz de abranger os custos, e ainda depende de aprovação pelo pleno, do Conselho Nacional de Justiça e da Assembleia Legislativa. 

Isso não dá para se fazer cada vez que você necessita aumentar um desembargador. O custo sai caro e torna-se muito difícil. Eu acho que a última elevação no número de desembargadores foi há 20 anos ou mais. Nós temos menos desembargadores do que Mato Grosso do Sul, que tem menos processo e uma população menor, só para você fazer um comparativo. Então mesmo que você resolva não dar posse agora, é importante já deixar aprovado para que, conforme a disposição financeira do Tribunal de Justiça vá se provendo essas novas vagas. Então não há necessidade de dar posse aos 9 imediatamente, mas pelo menos você já tem a disposição legal.

Leiagora - Essa possibilidade de não se empossar todos os desembargadores ao mesmo tempo é real?

Mário Kono -
Olha, é uma coisa que vai caber ao presidente do Tribunal de Justiça levar para discussão quantos que serão chamados imediatamente ou não, de que forma será, para onde vai, e isso com certeza ele fará, levando estatísticas, e isso será discutido por todos os membros.


Leiagora - Com essa pandemia, o STF reconheceu autonomia dos prefeitos para deliberarem sobre as medidas para contenção da covid-19, e o Conselho do Ministério Público chegou a pedir que o órgão não interferisse judicialmente nesse assunto. Mas vemos decisões do Judiciário mato-grossense sobre isso, já que algumas ações acabaram sendo feitas…

Mário Kono - Foram feitas e continuarão sendo. Eu não acredito que o conselho do procurador-geral seja suficiente para acabar diminuindo a demanda do próprio órgão nesse sentido. A gente tem que lembrar os direitos básicos na Constituição, os direitos ao tratamento, à saúde, a proteção à vida. E a gente vê que os gestores municipais, muitas vezes, não atendem. Não porque não querem, mas muitas vezes é realmente aquela história: o cobertor é curto, não dá para cobrir tudo. Mas é necessário que pelo menos os direitos básicos sejam garantidos, e se o Ministério Público assim entender, a própria OAB, Defensoria, eles vão cumprir seu papel e vão atuar. 

O Poder Judiciário, que leva a fama disso tudo, na verdade ele aguarda. Ele não age de ofício. O Poder Judiciário responde a uma ação que foi proposta por alguém e tem que dar uma resposta, seja ela positiva ou seja ela negativa. Mas não acredito que este pedido do Augusto Aras tenha um atendimento pelo próprio órgão de uma forma coesa. O Judiciário não pode ser omisso e dizer que não vai discutir. Ou deferimos ou não deferimos, ou ainda deferimos em parte, mas é preciso que haja decisão. Senão vamos responder por crime também.

Leiagora - Nesse período da pandemia está chegando muita demanda em relação ao assunto?

Mário Kono -
Está chegando, sim, mas não vejo um aumento de demanda tão expressivo assim. Não há um crescimento que impacte além do normal, até porque muitos outros tipos de ação acabaram reduzindo. É menos acidente de veículo, menos morte, então uma coisa acaba compensando a outra.

Leiagora - Como o senhor avalia os ataques que têm sido feitos ao Judiciário nos últimos tempos, no qual ele é colocado como um antagonista na história?

Mário Kono -
Na verdade, eu vejo que são convicções, motivações políticas. Não se é o Executivo, o Legislativo e o Judiciário. O que você vê são alguns que se dizem da direita outros da esquerda e acabam atingindo o Legislativo, outros o Executivo, outros o Judiciário. Alguns movidos por interesses pessoais, alguns por radicalismo no pensamento político, e muito pouco de forma conscienciais, para entender que os três poderes são importantes, cada um dentro da sua esfera, e que deveriam, principalmente agora, trabalhar juntos para uma população que é a mesma: os brasileiros. Esta seria a racionalidade, três esferas de poder procurando solucionar o problema que é comum. Mas acabam agredindo uns e outros.

Leiagora - O senhor acredita que essa discussão entre democracia e fascismo que se coloca atualmente possa se intensificar? 

Mário Kono -
Que pode, pode. A gente nunca sabe como vai terminar afinal. Às vezes um lado perde força, o outro ganha mais. Às vezes ambos lados perdem força, às vezes eles se únem e a briga toda acaba por terra. É a realidade que nosso país sempre viveu. Não existe muita coisa de novo nisso. 

Leiagora - E o senhor defende que o Judiciário adote uma postura mais reativa às acusações de forma mais incisiva?

Mário Kono -
Ai eu entraria numa seara que não me compete. Para que a gente possa pelo menos fazer uma crítica, a gente não pode basear - e aí sem ofender a imprensa - naquilo que a imprensa nos joga. Nós não conhecemos a fundo o inquérito. Eu não conheço. Quais são as provas, o que há de perigo concreto, abstrato. Fica difícil, seria meramente uma opinião e devemos evitar meramente opiniões por achismo. São opiniões por achismo que acabam nos trazendo desastres.

Muitas vezes vemos uma radicalização em cima de uma coisa e depois, na produção de provas, se mostra que era outra. E não são poucos os casos que a sociedade julgou de forma irrecuperável e depois mostrou-se que não era aquilo, e depois não há mais volta. Eu sei que esse pode ser o papel da imprensa, levar os fatos conforme vão chegando, mas não é o papel do julgador. O julgador tem que ser cometido.
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