Cuiabá, terça-feira, 19/03/2024
03:42:10
informe o texto

Notícias / Geral

05/07/2020 às 10:30

Enem: alunos da rede pública buscam alternativas para suprir ausência de professores

Ao mesmo tempo, os estudantes temem o retorno às aulas no momento em que Mato Grosso se torna o epicentro da pandemia no país

Maria Clara Cabral

Enem: alunos da rede pública buscam alternativas para suprir ausência de professores

Foto: MCTIC

Estabelecer uma rotina de estudos em casa, aprender sem auxílio de professores, muitas vezes, se “virando” por métodos próprios, tem sido a realidade de estudantes do ensino público em Mato Grosso, que se preparam para Enem longe das salas de aula.

Por outro lado, o medo da possibilidade de retorno às aulas também acompanha os jovens, que assistem o estado se tornar o epicentro da pandemia do novo coronavírus (Covid-19) no país, segundo a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

Kamilla Sodré Gomes, 17, é aluna do terceiro ano na Escola Estadual Pascoal Ramos, em Cuiabá. Sophia Melhorança Añez, 16, também estava concluindo o ensino médio, mas no Instituto Federal de Mato Grosso (UFMT), Campus Cáceres.

Pelo IFMT, Sophia não tem aulas à distância, nem materiais didáticos durante a pandemia; já Kamilla acessa atividades na plataforma do governo estadual, mas sem auxilio e acompanhamento de professores.

Com estrutura de computador e internet para estudar, ambas lançam mão da plataforma pagas, como o ‘Descomplica’, que “racham” com amigas, para se preparar para o exame sem custos. É que, segundo Kamilla, os materiais da rede estadual não têm didática preparatória para o exame.

“Uma amiga tem uma conta que os pais dela pagam uma mensalidade, e ela divide com a gente. Estar numa situação difícil acaba servindo para percebemos que precisamos nos ajudar”, relata.

“Eu só pego o acesso e uso sem custos. Eu uso duas plataformas [Descomplica e Professor Ferretto] que, se não me engano, giram em torno de R$ 500 anualmente, as duas juntas”, afirma Sophia.

Kamilla explica ainda que optou pelo Descomplica devido ao acompanhamento virtual que a escola não oferece. “Lá eles têm professores que respondem nossas perguntas e fazem até lives, explicam as atividades e fazem correção. Na plataforma do governo eles só jogam as atividades lá. Não sei se fui eu que não soube mexer...”.

Dificuldades

Desde que as aulas foram suspensas, Kamilla não tem contato com nenhum professor e recebe materiais e orientações através da direção na escola.

“Eles colocaram minha mãe num grupo e basicamente mandaram um link do site que o governo está colocando as atividades para fazer. E a gente se vira. Quem não tem acesso à internet, eles estão ligando para ir buscar apostila na escola uma vez por semana”, conta.

Enquanto as aulas presenciais não são ofertadas, a Secretaria do Estado de Educação (Seduc) disponibiliza atividades complementares por meio da plataforma digital Aprendizagem Conectada.

A mãe de Kamilla, Eliza, achou a alternativa viável, mas concorda com a filha que falta assistência. Técnica e estudante de enfermagem, ela trabalha pela manhã e, à tarde, faz as aulas da faculdade EAD; sem tempo ou formação específica, ela não consegue ajudar as filhas com os estudos como gostaria.

“É muito corrido pra ela me acompanhar. Quando ela não tá no hospital, ela tá na faculdade ou fazendo os trabalhos. Até porque se eu chegar para ela com uma questão sobre algo que ela está acostumada, nem algo que ela estuda, ela não vai ter como me ajudar. Quando ela estuda pra prova, às vezes até pede minha ajuda”, conta Kamilla.

Antes de precisar, a jovem não tinha o hábito de estudar em casa e sente falta do auxílio dos professores. “Como não tem professor acompanhando e cobrando atividades a gente acaba esquecendo e se acomodando um tempo”, confessa.

Para Sophia, a maior dificuldade é lidar com as incertezas de um futuro próximo e a rapidez dos últimos acontecimentos.

“Como é algo novo que veio sem preparação, o processo de adaptar os estudos pra internet é desgastante. Em um curto período de tempo juntou a pandemia, com o estresse dos vestibulares e as aulas online, deixando os alunos ainda mais doidos”.

Inclusão digital

Mesmo diante dos novos desafios, Kamilla e Sophia reforçam que não são as mais prejudicadas. “A minha realidade não é tão difícil porque tenho acesso à internet, métodos de estudo e sites que ajudam. Mas tenho amigas que não tem celular e eu nem sei nem como ela vai fazer”, ressalta.

Segundo a jovem, a “aprendizagem conectada” está longe de ser uma realidade nas escolas que já estudou. Na E.E. Pascoal Ramos, ela conta que existe um laboratório de informática, mas metade dos computadores não funcionam e os alunos tem que se sentar em dupla.

“Desde que eu estudo nessa escola eu usei o computador duas vezes em um ano, com um professor de física que colocou jogos para gente entender pressão e fomos escrever contos com a professora de português”, relata.

Para os alunos sem acesso à internet, a Seduc disponibiliza apostilas impressas que podem ser solicitadas pelos pais diretamente na secretaria da unidade escolar. Conforme a pasta, da 1ª a 7ª semana de atividades complementares foram impressas 577,7 mil apostilas, numa média de 82,5 mil por semana.

Já o Ministério da Educação (MEC) anunciou desta quarta-feira (1°), internet gratuita para alunos de institutos federais em situação de vulnerabilidade, para que possam acessar as aulas remotas enquanto durar a pandemia. A expectativa inicial é atender a 400 mil estudantes e, depois, chegar a 1 milhão.

A Seduc não informou sobre como as escolas e secretaria monitoram os acessos à plataforma Aprendizagem Conectada, às apostilas impressas ou aos demais canais do governo. Também não apresentou dados sobre tais questões, feitas pela reportagem.

As atividades não estão sendo contabilizadas como carga horária letiva. “No entanto, a Seduc já está preparando o planejamento de retorno das aulas, conforme as orientações da Organização Mundial de Saúde (OMS) e do Gabinete de Situação”, finalizou a nota.

Retorno às aulas?

Assim como a Seduc diz que já encaminha o retorno às aulas, o MEC divulgou, também na quarta-feira (
) diretrizes para volta às aulas presenciais, sem estabelecer data para o retorno. Entre as normas, estão uso de máscaras, distanciamento de 1,5 metro, estímulo a reuniões online e afastamento de profissionais de grupo de risco.

Kamilla e Sophia temem a possibilidade. “Ainda acho que não é hora de um retorno. Os números apontam aumento de casos, diversos hospitais em Mato Grosso não têm capacidade de cuidar de todos agora. Imagina quando as escolas abrirem, que abrigam centenas de pessoas por horas?”, questiona Sophia.

“Eu sei que uma hora ou outra vamos ter que voltar. Eu quase não saio de casa, mas a maioria das pessoas da minha idade está indo em festas, levando a situação na brincadeira. Imagina a gente na sala tendo que usar máscara e passando calor? Vai ser impossível se concentrar pra aprender qualquer coisa", comenta sobre uma outra realidade díficil dos alunos da rede pública, que é a falta de ar condicionado nas salas e de melhores adequações para o aprendizado. 

A pandemia do coronavírus acabou acentuando as desigualdades sociais existentes e escancarando um abismo existente entre as condições de ensino das escolas privadas e as públicas. 
Clique aqui, entre na comunidade de WhatsApp do Leiagora e receba notícias em tempo real.

Siga-nos no Twitter e acompanhe as notícias em primeira mão.


 

0 comentários

AVISO: Os comentários são de responsabilidade de seus autores e não representam a opinião do site. É vetada a inserção de comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros. O site poderá retirar, sem prévia notificação, comentários postados que não respeitem os critérios impostos neste aviso ou que estejam fora do tema da matéria comentada.

 
Sitevip Internet