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02/08/2020 às 15:37

O impacto da covid-19 nos autistas: jovem acompanha todas as notícias e relata seu dia a dia

Segundo especialista, após meses de distanciamento, muitos autistas apresentaram melhora no comportamento, pois se livram de grande fator de estresse, que é a socialização

Maria Clara Cabral

O impacto da covid-19 nos autistas: jovem acompanha todas as notícias e relata seu dia a dia

Carlos Eduardo Fernandes

Foto: Arquivo pessoal

De sua casa na fazenda Itamarati, no município de Campo Novo do Parecis (290 km de Cuiabá), o jovem autista Carlos Eduardo Fernandes, 18 anos, acompanha todas as notícias sobre a covid-19. “Esse vírus é mortal né? Vejo notícias do lockdown, toque de recolher, abertura de comércios, platô. Bancos, teatros, museus, parques públicos e privados, retomadas de shows”, diz ele.

Confinamento em massa, auxilio emergencial, serviços essenciais também são  alguns dos termos que fazem parte do vocabulário que ele traz à tona em suas conversas nos últimos meses. Ele sabe que o presidente considera o coronavírus uma “gripezinha” e que as coisas só vão se normalizar quando chegar a vacina.

Carlos sabe dizer, inclusive, a quantidade atualizada de infecções e óbitos pelo novo coronavírus no município onde mora, nas cidades próximas e até no país. O jovem conta que, além de combater os mais diversos tipos de preconceitos, ele agora luta pelo fim da covid-19.

O macete para isso, ele já decorou e repete a todo momento: fique em casa, se sair use máscara, álcool em gel e mantenha distância segura de 1,5 metro. Dias atrás, o primo Joel filmou seu recado. O vídeo, que foi feito sem compromisso, acabou fazendo sucesso nas redes sociais. “Gravei pra mandar pra minha tia, ela gostou e resolvi editar e coloquei no Facebook. Fez o maior sucesso na Itamarati e região”, conta Joel.


 

Recado importante do Carlos Eduardo para todas as pessoas! O Carlos é um adolescente de 18 anos com autismo e criou esse vídeo lindinho com muito carinho pra nós! #fiqueemcasa #prevenção #TEA #empatia #amor

Publicado por Meire P Silva em Quarta-feira, 15 de julho de 2020

Com apenas 16 anos, Joel vem se aventurando na locução de rádio, assumindo o programa ‘Aviva Jovem’, na Amiga FM. “Gosto de comunicação, gosto de interagir com a pessoas”, conta. Além da palavra de Deus, ele também costuma levar informações sobre a covid-19 para jovens como ele. Inclusive, já incluiu o primo Carlos na programação e fará novamente no dia 8 de agosto.

“Pensei por que não trazer um jovem autista para saber a forma como ele vê a situação que estamos vivendo? Me parece que não tem ninguém olhando para essas pessoas”, reflete Joel.

Carlos Eduardo mesmo conta que descobriu o autismo, transtorno do neurodesenvolvimento que afeta principalmente a comunicação, aos 5 anos. Hoje, ele diz que já lida muito melhor com o diagnóstico e se sente mais “preparado para as amizades”, desde que começou a usar as redes socais, em 2016.

Quando a covid-19 chegou em Mato Grosso, Angela teve medo do que o filho enfrentaria diante de uma pandemia e do isolmento social, já que Carlos gosta de sair. “Sempre que eu tentava prender ele ou dizer ‘não’ ele entrava em crise”, conta a professora. Mas para surpresa e alívio da mãe, ele se adaptou a ficar em casa ao compreender a gravidade da situação.

“No começo fiquei bastante preocupada dele ficar muito em casa. Depois achei que ele ia rejeitar bastante o uso da máscara, mas ele entendeu o perigo e respeita certinho. Quando ele vai para cidade, não tira a máscara de jeito nenhum e todo lugar que ele entra é toda hora álcool em gel”, relata.

Mas também houveram momentos em que Carlos teve medo. Principalmente de que o pai, que trabalha como motorista, fosse para a cidade, se contaminasse e, além da saúde, perdesse o emprego ou a vida. Como ele mesmo diz, o pai precisa trabalhar para ganhar o pão.

Para se ocupar sem a escola, Calos conta que passa os dias “deitado rolando na cama ouvindo músicas da Iza”, navegando nas redes sociais, conversando com amigos, artistas e acessando portais de entretenimento. Sem as aulas presenciais, a mãe não cobra que o filho estude online, pois ele não se adaptou ao método.

“Nem mesmo na escola não elaboram nada diferente. Ele participa das aulas pela oralidade, quando o professor dá oportunidade. Interpreta muito bem imagem”.

Autismo e Covid

A psiquiatra Luciana Staut explica que o autismo é um transtorno do neurodesenvolvimento que possui uma variedade de manifestações, que começam, em geral, aos seis meses, mas que podem ser evidenciados muito mais tarde. Alguns quadros podem ser regressivos.

Segundo a especialista, o que determina o espectro autista (TEA) em crianças e adultos é alteração da comunicação social, verbal ou não verbal, o que não significa necessariamente
alteração de fala. Trata-se de dificuldade de convivência e socialização, de entender gestos, ironias ou até mesmo um contexto social.

O autismo é geralmente associado às estereotipias, que não são características de todos os casos. Já os “padrões de interesses físicos restritos” são comuns e uma das principais questões quando se trata de autismo no atual contexto. “São interesses fixos e restritos. Uma necessidade de manter sempre as mesmas atividades para se sentir confortável. É o que, na pandemia, pode gerar dificuldades para mudar a rotina, explica Luciana.

Por isso, em um primeiro momento da pandemia, a profissional identificou maior agitação nos relatos das famílias de seus pacientes. “Justamente porque no início o que se fez foi a mudança de rotina. E ainda tem o fator de que a maioria das crianças tiveram que parar com todas as terapias bem lá no início. Então foi um momento de bastante atenção”.

Após alguns meses, sem as aulas, veio o “outro lado” das manifestações do TEA diante da desobrigação de alfabetização em um ambiente que pode ser incomodo para eles, dedido a alta sensibilidade, principalmente auditiva. “A criança tirou um imenso fator e ponto de estresse, que é a socialização”, explica Luciana. Assim, muitos pacientes apresentaram melhora no comportamento e até mesmo no padrão de desenvolvimento.

“A maioria, nesse momento – e isso não é regra – pode estar melhor do que antes, porque não estão precisando fazer esse papel da convivência social. Associado a isso, temos também o fator dos pais estarem mais presentes nas vidas dos filhos, se sentindo mais seguros”.

Essa oscilação de contextos, inclusive, alerta para a necessidade de uma readaptação no retorno ao “novo normal”. O uso das máscaras, por exemplo, pode ser um desafio, já que as pessoas neuro atípicas apresentam alta sensibilidade. A readaptação no próprio ambiente escolar poderá ser necessária, inclusive para crianças neurotípicas de menos idade.

“Como eles gostam da previsibilidade, talvez a maior dica seja que, a partir do momento que percebe qualquer adaptação de rotina, por mínima que seja, comunicar essa criança, evitando muita antecedência para não gerar ansiedade na criança. Se a criança vai voltar para a escola, deixar a mochila num lugar mais visível, provar o uniforme, tudo isso de forma gradual para essa criança se reestruturar”, orienta Luciana.
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