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Notícias / Entrevista da Semana

06/09/2020 às 09:02

Setembro Amarelo: empatia e autocuidado são fundamentais para prevenção ao suicídio

O ato de ouvir com atenção e cuidado o desabafo de outra pessoa, em muitas ocasiões, salva vidas

Camilla Zeni

Durante 365 dias do ano, o Centro de Valorização da Vida (CVV) faz um trabalho de prevenção ao suicídio baseado em uma caraterística fundamental: a empatia pelo próximo. O ato de ouvir com atenção e cuidado o desabafo de outra pessoa, em muitas ocasiões, salva vidas

 

No mês de setembro, o CVV passa a intensificar sua atuação, colocando holofotes sobre um tema que ainda é cercado de muito tabu na sociedade: o suicídio. É preciso falar sobre o assunto para ajudar na prevenção. É o que coloca o porta-voz Carlos Eduardo Latterza de Oliveira.

 

Funcionário público, há cinco anos Carlos se viu em uma situação confortável. Com a estabilidade no emprego, sentiu a necessidade de fazer um “algo a mais”, segundo contou à reportagem. Foi assim que ele se juntou à equipe do CVV. Desde então, semanalmente, ele dedica ao menos quatro horas para ouvir aqueles que clamam por ajuda.

 

Em suas palavras, Carlos classifica o CVV como “um serviço de apoio emocional 24 horas por dia. De forma sigilosa e gratuita, a pessoa é acolhida por um voluntário que está ali realmente interessado em acolhê-la, sem julgamento, com respeito e aceitação, de modo que a pessoa possa realmente falar sobre a situação, e que o assunto fica entre a pessoa e o voluntário”.

 

Na pandemia, a preocupação com a saúde do próximo se tornou mais acentuada. Não apenas a saúde física, mas também a emocional e mental passaram a ser temas de debates e a receberem mais atenção. Aliás, por conta do acontecimento atípico, a campanha deste Setembro Amarelo destaca a importância de ações voltadas à saúde mental.

 

Abaixo, confira a entrevista com o voluntário  do CVV

 

Leiagora - Como foi a chegada da pandemia para vocês do CVV? Quais foram os maiores desafios?

 

Carlos Eduardo - Acho que, como todas as instituições, tivemos que nos adaptar à questão do isolamento social. Num primeiro momento foi desenvolvida uma forma para os voluntários fazerem o atendimento de forma remota, e alguns dos voluntários que não tinham essa condição tiveram que se afastar do trabalho temporariamente. E tivemos que nos adaptar, de forma que algumas reuniões que fazemos entre nós, de treinamento, passaram a serem feitas de forma virtual. Palestras e debates que fazemos para a comunidade também passaram a ser de forma virtual. Então, como na maioria das instituições, tivemos que virtualizar o nosso serviço, e o atendimento pessoal nós tivemos que fechar por esse período, enquanto o isolamento vigorar. A gente percebeu que essas soluções conseguiram suprir a demanda. Somos 4 mil voluntários no Brasil inteiro e, por enquanto, estamos conseguindo fazer o atendimento normalmente.

 

Leiagora - E a campanha do setembro amarelo este ano, como será? Qual a programação?

 

Carlos Eduardo - O CVV, observando todas as formas que foram baixadas pelo Ministério da Saúde, não vai fazer ações presenciais, mas vai ter, como todo mês de setembro, uma intensificação das nossas ações, só que agora pelas redes sociais, virtualmente, com palestras e debates. Costumeiramente fazemos umas caminhadas, mas por motivos óbvios não faremos este ano. Também pedimos para algumas instituições iluminar suas fachadas com a luz amarela e alguns já aderiram, mas as principais ações serão feitas de forma virtual.

 

Leiagora - Qual será a temática da campanha deste ano? Você mencionou debates e palestras. Haverá outro tipo de ação?

 

Carlos Eduardo - A gente faz divulgação pelas redes sociais. Aqui em Cuiabá já tem algumas demandas de participação em lives, rodas de conversa, é sempre nesse sentido. E a campanha de setembro é sempre a prevenção do suicídio, e esse é o mote da nossa campanha, valorizando a vida. 

 

Leiagora - O tema suicídio é alvo de controvérsias e tido até como tabu. Há quem diga que quanto mais se fala, mais se influencia outras pessoas. Qual é sua opinião a respeito dessa afirmação?

 

Carlos Eduardo - Na verdade, é um tabu o suicídio, na nossa sociedade e no mundo inteiro, e existe esse mito de que falar no suicídio acarreta em mais suicídio. Na verdade, tem formas e formas de se falar do assunto. No meio jornalístico tem uma cartilha de como abordar, disponibilizada até no nosso site. Porque quando você glamouriza o suicídio, mostra imagens do fato, eventualmente isso pode desencadear em algumas pessoas o efeito "Werther", que é um romance do Goethe que, quando ele escreveu, ele acabou glamourizando o suicídio e muitas pessoas vieram a tirar suas vidas. Então essa é uma forma de falar do suicídio que é inadequada. 

 

Agora, quando informamos a pessoa de como fazer a prevenção adequada, tirando o foco do suicídio e fazendo como nós do CVV nos propomos, de valorizar a vida, de mostrar que existe outros caminhos, o acolhimento... Quando a pessoa liga para o voluntário e é escutada, ela encontra um lugar para falar, se sente acolhida, aceita, valorizada e consegue encontrar caminhos para sair da ideia suicida. Assim, consegue encontrar soluções para suas questões. Então falar sobre o assunto é importante para informar a população. Mas é como achar que falar sobre a Aids pode gerar mais casos de Aids. Na verdade a gente previne as situações de riscos para a pessoa humana falando das formas de fazer a prevenção, e no caso do suicídio não é diferente. Então informação correta, que leve à prevenção, é necessária e deve ser divulgada. Agora, quando a gente glamouriza o suicídio, é um desserviço. 

 

 

Leiagora - Nos dias atuais, a exposição das pessoas na internet é muito grande, de forma que elas ficam vulneráveis a comentários maldosos. Essas atitudes, às vezes até cometidas de formas impensadas, podem potencializar pensamentos suicidas? De que forma a pressão da internet contribui para este cenário?

 

Carlos Eduardo - Toda vez que a pessoa se sente julgada, ela se afasta. Quando se sente acolhida, se aproxima. Se ela está passando por uma situação pessoal difícil, ou está enfrentando uma doença mental, como depressão, ansiedade e outras condições que são fatores de risco para o suicídio, situações de julgamento vão fazer com que a pessoa sofra ainda mais, seja nas redes sociais ou na convivência. Ela vai se sentir incompreendida e não vai encontrar nas pessoas o espaço ideal para que ela possa desabafar. O CVV funciona dessa forma. 

 

A pessoa às vezes enfrenta várias situações na vida dela e tem uma pressão emocional muito grande, e ela precisa desabafar. Ela precisa colocar isso pra fora e falar com alguém. Então, quando ela liga para o CVV, ela encontra esse espaço, porque o voluntário vai acolher sem julgamento, aceitando-a como ela é, sem oferecer conselhos, para que ela possa, ali, se expressar, desabafar. E ali ela tira a pressão interna. É como se fosse uma panela de pressão, e ela encontra dentro dela espaço emocional para que ela possa encontrar outros caminhos que não seja o suicídio.

 

Quando acontece isso nas redes sociais, tem até mito em cima disso. Dizem que quando a pessoa fala que vai se matar, ela não vai. Mas é um mito. Quando a pessoa fala, ela está dando sinal. O próprio suicídio é um ato de comunicação. Ela está comunicando uma dor intensa e só encontrou esse caminho para aliviar aquela dor. Quando ela encontra um espaço confiante, no caso do CVV pelo telefone 188, ela encontra um voluntário realmente interessado naquilo que ela está falando, e ai ela pode desabafar, falar dos seus problemas, e a ligação é sigilosa. 

 

Leiagora - Ainda sobre as redes sociais e a pressão emocional, último levantamento da OMS apontou que o suicídio é a segunda maior causa da morte de jovens de 15 a 24 anos. Você sabe indicar o motivo? É a pressão do início da vida adulta, cobranças inesperadas, ou mesmo a exposição online?

 

Carlos Eduardo - O suicídio é uma situação complexa, uma questão que surge de forma multifatorial. Nessa faixa etária, os jovens enfrentam uma série de problemas: a mudança no corpo, pressão pela faculdade, por emprego, pressão dos colegas, e também fatores que são internos, doenças mentais como depressão e ansiedade, que podem se instalar nesse momento e levar a pessoa a pensar em suicídio. Então o aumento de casos nessa faixa etária é um fator muito preocupante.

O CVV, pensando nisso, disponibilizou no site uma série de vídeos, primeiro para mostrar para os jovens que, na situação que eles vivenciam, existem outros caminhos para os problemas, e existe outra série de vídeos para pais e educadores poderem se instruir e saber como lidar com esses adolescentes e jovens adultos, numa situação de risco e tentativa de suicídio possa vir a acontecer. Então justamente nessa faixa etária, e também na da terceira idade, existem situações peculiares que levam a pessoa, em algum momento, a pensar em suicídio, mas existem caminhos.

 

Leiagora - Vocês têm estatísticas dos atendimentos do CVV? Esse perfil apontado, por exemplo, está na faixa dos que mais procuram o serviço de vocês? 

 

Carlos Eduardo - É muito importante essa sua questão para destacar um ponto do nosso trabalho: como a ligação é completamente sigilosa, a pessoa não precisa se identificar e não existe nenhuma possibilidade de identificação da ligação da pessoa, e o que ela conversa com o voluntário fica entre eles, a gente não tem nenhuma estatística disponível, justamente para preservar o sigilo e a pessoa poder ligar, de forma confiante, sabendo que o que ela fala fica ali.
 

Leiagora - E é possível indicar como as pessoas podem, no dia-a-dia, ajudar a prevenir o pensamento suicida?

 

Carlos Eduardo - Existem, basicamente, três passos para prevenir o suicídio: a gente precisa reparar nos sinais que a pessoa está dando, de que, de repente, ela possa estar pensando em suicídio, eventualmente de que ela esteja com uma doença mental subjacente; depois se colocar ao lado dessa pessoa, fazer com que ela se sinta acolhida, apoiada efetivamente por alguém próximo; e depois encaminhá-la para um serviço de saúde mental, onde ela vai poder encontrar ajuda para tratar aquela questão que a faça, eventualmente, pensar no suicídio.

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