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Notícias / Agro e Economia

11/10/2020 às 15:39

Leis têm causado empobrecimento e atrapalhado o desenvolvimento socioeconômico do Pantanal

A legislação do Pantanal tem limitado os trabalhos dos pecuaristas e fazendeiros tem abandonado as atividades por não conseguir produzir

Edyeverson Hilario

Leis têm causado empobrecimento e atrapalhado o desenvolvimento socioeconômico do Pantanal

Pecuarista de São Pedro de Joselândia leva gado para região de pasto no Pantanal

Foto: Edyeverson Hilario

Os incêndios florestais do Pantanal mato-grossense colocaram o Estado em destaque nos últimos meses. Com a notoriedade, iniciativas públicas e privadas investiram recursos para reduzir os impactos do fogo na fauna e flora da região. Contudo, as chamas não são os únicos problemas que os pantaneiros enfrentam. Fazendeiros de Poconé (a 175km de Cuiabá) relatam que os “entraves burocráticos”, tem limitado o trabalho dos fazendeiros, o que tem resultado em migrações para fora do bioma, já que não tem conseguido se manter nas fazendas.

Além do fogo frio, os pantaneiros alegam que são impedidos de fazer aberturas de pasto ou qualquer tipo de manejo no solo, o que limita o trabalho com a pecuária, principal atividade econômica dos fazendeiros. Não bastassem as restrições, a falta de investimento do poder público tem deixado a região ainda mais carente, relatam. Dificuldades que tem se agravado nos últimos anos, e em razão disso, alguns dos fazendeiros chegaram a ser multados por descumprirem a legislação, ao tentarem trabalhar.
 
O pecuarista Cristóvão Afonso da Silva defende a mudança dessas leis. Afirma que é preciso permitir o desenvolvimento econômico do pantanal. Ainda observa que antes da criação dessas leis a economia da região era farta. “O pantanal era repleto de gado. A partir do momento que se proibiram de investir no pantanal, a economia entrou em decadência porque não podia mais investir na sua fazenda. Não podia mais limpar pasto, formar pastos. Você não pode mais fazer água. O maior problema do Pantanal é a falta de água”, relata.



Defende que para desenvolver o Pantanal é preciso formar e limpar o pasto. Abrir tanques para água além de fazer o fogo controlado. “É o manejo que o pantaneiro fazia antes”, recorda. “O pantanal precisa de todas as atividades para se desenvolver”, sustenta.
 
O médico veterinário já aposentado ainda argumenta que todos os setores precisam se desenvolver. Que a pecuária, turismo e a pesca precisam ter incentivos para que haja a manutenção e desenvolvimento do Pantanal. “A continuar desse jeito, o pantanal vai desaparecer. Não tenha dúvida”, assegura.
 
Em sua avaliação, recentemente, a pandemia do novo coronavírus afetou a economia da região com a baixa no turismo, contudo, “o que afetou a parte econômica daqui foi a falta de investimento. Por exemplo, hoje nós temos capacidade de apascentar no Pantanal como um todo, 1,5 milhão de cabeças. Mas, hoje temos só 426 mil cabeças. Olha a diferença, o que nós deixamos de produzir”.


 
Cristóvão ainda afirma que o Pantanal de hoje, não dos pantaneiros. “Esse é o Pantanal dos ecologistas, eles que fizeram isso aí. Nós não somos donos desse Pantanal. Quem criou esse ambiente foram eles, não fomos nós. Nosso Pantanal é outro. Nós queremos o bem do Pantanal, não queremos esse Pantanal que nós estamos vendo”, desabafa.

Endurecimento das leis e o empobrecimento do Pantanal
 
A manutenção e o investimento na pecuária do Pantanal tem sido discutido a mais de duas décadas. Isso é, antes mesmo da lei que regulamenta o bioma ser votada no Congresso Nacional. Apesar de ser tema de revolta dos pecuaristas da região, nada foi feito para conter o desmantelamento da pecuária. Isso porque fazendeiros tem deixado a pecuária e alguns até saído do pantanal por não conseguirem se manter.
 
Com a falta de investimentos e políticas públicas que contribuísse para o desenvolvimento da pecuária extensiva, “está ocorrendo um empobrecimento no Pantanal à medida em que a pecuária empobrece. Já que ela é a principal atividade econômica dos pantaneiros”, comenta o pecuarista Breno Dorileo. Avaliando a atual conjuntura ele diz temer o futuro. “O que vai virar quando sair a nossa geração?”, questiona.
 


Breno ainda relata que não há perspectiva de vida para o pantaneiro seguir. Mas defende que se as leis mudarem, “a região tem um potencial econômico e social astronômico e, de forma sustentável”.
 
Para o diretor-técnico da Associação dos Criadores de Mato Grosso (Acrimat), Francisco de Sales Manzi a pecuária do Pantanal está nessa situação por um conjunto de fatores. “Mas pelo fato de ter essa lei ambiental, você não consegue dinheiro. Os produtores estão ficando cada vez mais descapitalizados. Cada vez com produtividade menor. Os custos são altos e aí deixa diminuir o rebanho, o êxodo”.
 
Ele defende uma adequação da lei, de forma que haja um equilíbrio aos cuidados ambientais e do trabalho no campo. Mas alerta que as políticas feitas para o pantanal devem ser diferentes do restante da pecuária brasileira. Também observou que a presença do gado é tão importante quanto a presença do homem no Pantanal.


 
Usa o exemplo de Mato Grosso do Sul que, segundo ele, na época da seca não tem água para nada. Por isso, os produtores fazem poços e jogam a água para cima e nesses locais gado, capivara, jacaré, veado e os demais animais tomam água. Por isso, defende que “se você tirar o homem de lá, até a natureza está prejudicada”.
 
Manzi alega que as proibições de limpeza e abertura de poços prejudica não só o trabalho com a pecuária, mas compromete a qualidade e até a vida dos animais que vivem no pantanal. “Eu até acho que a causa talvez seja nobre, mas as pessoas não entendem como que funciona. É contra isso que nós estamos lutando. Não é que a gente não tenha interesse de preservar ou de conservar, mas é que a gente precisa ter equilíbrio. O Pantanal precisa da presença do homem”, justifica.
 
Uma das medidas defendida por Manzi é o fogo frio, que era usado para queimar a matéria orgânica do Pantanal. Ele diz que a pratica precisa ser discutida. “Se não for queimado durante o período da chuva, quando queimar no período da seca vai fugir do controle”.
 
Além das dificuldades de produzir, os pecuaristas ainda enfrentam os problemas com a logística que, na seca, precisam enfrentar estradas esburacadas, na cheia só conseguem sair das fazendas de barco.
 

Diante dessa conjuntura, Manzi relata que as fazendas têm parado de produzir em Poconé. Fato que ele não viu em lugar nenhum do Brasil. “Geralmente quando o cara está assim, ele vende a fazenda. Agora não, a fazenda está fechada. Está lá, há cinco, seis, dez anos sem ter gado, não tem nada. Tem fazendeiro que tinha 10 mil cabeças de gado e agora tem 400. Situação que causa desvalorização da propriedade porque a cerca vai caindo, vai sujando”, relata.
 
Francisco sustenta que a pecuária estadual não precisa do Pantanal. “Para você ver, reduziu o rebanho [na região] e o rebanho de Mato Grosso veio aumentando, então a gente não precisa do Pantanal. Não precisa mais. Mas o Pantanal precisa da pecuária”, afirma.
 
O diretor da Acrimat explica que as pressões para não limpar o Pantanal e de não fazer o fogo frio para preservar o bioma, pode resultar em uma preservação, mas não em conservação. “São duas coisas diferentes”.
 
Ele lembra que no ano passado a Associação recebeu a Conferência Anual da Aliança Internacional da Carne (International Beef Alliance – IBA), e decidiram levar os representantes dos sete países que fazem parte do grupo para o Sesc Pantanal, para conhecerem o Pantanal. Contudo, “tivemos que colocá-los dentro de um ônibus e levá-los na Transpantaneira, em fazendas, porque se não, eles não iriam conseguir ver bicho. Dentro do Sesc não tem mais bicho. Fechou a vegetação de tal maneira que ou não tem, ou você não vê”.

 
Ele alega que o lugar aonde tem bicho é onde alaga. Nesses lugares que você consegue tirar essas fotos que você me vê. “Como no Sesc tiraram tudo isso com essa ideia de que 'temos que conservar', aí cresceu a vegetação. Os animais foram expulsos de lá. Nem as onças conseguem ficar lá porque elas precisam de lugar limpo para ir atrás do bicho. Não conseguem caçar no meio da mata densa”, afirma.
 
O médico veterinário e pecuarista Ricardo Arruda, faz parte da quarta geração de fazendeiros do Pantanal. Com propriedade em Poconé, ele frisa que a pecuária no Pantanal sempre foi extensiva. Por esse motivo, os índices produtivos são menores do que uma propriedade no firme. Observa que é muito difícil produzir no Pantanal em função da legislação. “Aqui a pecuária é extensiva por conta de uma legislação ambiental que não permite você fazer nenhuma intervenção, ou quase nenhuma intervenção do ponto de vista de limpeza de pastagem, de limpeza dos campos. Você não pode fazer alteração de graminha, para colocar uma de melhor qualidade”.

Outro agravante que o pecuarista enfrenta é a falta de logística, que acaba por comprometer o trabalho no campo, já que na época das águas o acesso fica ainda mais difícil. Seja para levar insumo, retirar dos animais. O acesso, de modo geral. Resumidamente, ele diz que as questões das legislações, das limitações ambientais impostas ao bioma, sobre tudo na parte mais baixa do Pantanal, aliada a todas as dificuldades que o Pantanal impõe do ponto de vista econômico e social”, contribui para a diminuição da pecuária no Bioma.
 


Ricardo ainda ressalta que quando se fala em redução do rebanho bovino nos municípios que compõe o bioma pantaneiro, esse número está praticamente estável ou teve um leve acréscimo. Mas se observarmos somente as áreas de pantanal desses municípios, vemos que “88% dessas áreas são consideradas Pantanal ou baixo Pantanal. Porém, quando você pega o rebanho total desses municípios, apenas 14,8% estão efetivamente nas áreas pantaneiras. Isso é um reflexo que falta gado no pantanal”, observa.
 
Ele ainda lembra essa característica é resultado de anos de mudanças. Segundo ele, na década de 70, 80 praticamente não existia pecuária ou outra atividade agrícola no Estado, fora do eixo pantanal. “Praticamente toda pecuária existente no Estado era nessas áreas. Aí quando começou a ocupação do cerrado, depois da floresta, isso foi naturalmente migrando e então houve esse esvaziamento do Pantanal. Isso ocorre desde essa época”, comenta.
 
Situação que tem se evidenciado ainda mais nos últimos anos. De acordo com os dados do Instituto de Defesa Agropecuária do Estado de Mato Grosso (Indea), o único município a apresentar aumento em seu rebanho bovino nos últimos anos foi Itiquira (a 274km de Cuiabá), que em quatro anos, registrou um crescimento de 9,8% no número de gado.
 
Em 2016 o município tinha 343,9 mil cabeças de gado. Dois anos depois chegou aos 345,8 mil animais e no levantamento feito neste ano, o montante foi atualizado para 377,9 mil cabeças de gado. Em percentuais, de 2016 para 2018, o município apresentou aumento de apenas 0,5%. Já de 2018 para 2020, Itiquira teve um salto de 9,2% em seu plantel bovino.



Dentre as cidades que compõe o bioma pantaneiro, Santo Antônio do Leverger foi quem mais apresentou redução no plantel bovino. Na soma de 2016 a 2020 a redução do rebanho bovino foi de 8,8%. Isso é, em 2016 o município tinha 587.031 animais. Em 2018 o rebanho diminuiu 7,5%, caindo para 542.690 cabeças de gado. Já em 2020 a queda foi de 1,3%, chegando aos 535.216 animais.
 
Nossa Senhora do Livramento foi a segunda cidade a ter o maior percentual de queda. De 2016 a 2020 o rebanho bovino reduziu 6,4%. Queda justificada em razão do município ter apresentado uma redução de 0,4% no plantel, de 2016 a 2018 e mais 6,8% de 2018 a 2020.
 
Com todo o seu território dentro do bioma pantaneiro, Barão de Melgaço, distante a 113km da capital, foi o terceiro município a ter o maior percentual de redução do plantel bovino. Em 2016 a cidade tinha 171.234 animais. Dois anos depois apresentou um aumento de 6,8% no rebanho bovino, chegando aos 182.903 animais. Contudo, em 2020 somou uma redução de 11% no número de gado. Dessa forma, nos últimos quatro anos o rebanho do município diminuiu 4,9%.
 
A 219km de Cuiabá, a cidade de Cáceres, também teve queda do volume do gado. De 2016 a 2020 o município teve redução de 2,7% no rebanho. Em 2016 o rebanho totalizava 1,114 milhão animais. Em 2018 esse número caiu para 1,096 milhão, apresentando uma queda de 1,5% no período. Dois anos depois o montante caiu mais 1,2%.
 
Logo em seguida vem o município de Poconé (a 102km da capital), que saiu de 505,8 mil cabeças de gado em 2016 para 495,1 mil em 2020. Ao todo, a queda foi de 2,1%. Antes disso, houve ainda o registro de 514,9 mil animais em 2018, que comparado ao visto em 2016, sinalizava uma queda de 1,8%.
 
Com a menor participação do rebanho bovino em propriedades no Pantanal, o município de Lambari D'Oeste, que fica a 317km de Cuiabá, tinha 149,1 animais em 2016. Depois teve um aumento de 4% no plantel, chegando aos 155,1 mil em 2018. Contudo em 2020 registrou queda e somando 148,7 mil cabeças de gado, resultando em diminuição de 0,2% no plantel, em quatro anos.
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