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13/04/2021 às 11:30

EUA costura acordo com Salles e ambientalistas temem 'imagem lavada'

Nova disposição dos EUA por acordos sob Biden facilita agenda de Ricardo Salles, mas observadores cobram ações concretas do Brasil

Metrópoles

EUA costura acordo com Salles e ambientalistas temem 'imagem lavada'

Foto: José Cruz/Agência Brasil

Quando o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, disse, no início de abril, que pediria US$ 1 bilhão aos Estados Unidos para combater o desmatamento na Amazônia, foi alvo de ironias nas redes sociais. Um acordo entre Brasil e EUA prevendo repasses financeiros, porém, é uma possibilidade concreta na Cúpula do Clima que ocorre no fim do mês nos EUA, com participação por videoconferência de líderes mundiais, incluindo o presidente Jair Bolsonaro.Costurado entre as diplomacias dos dois países, o acordo alarma ambientalistas brasileiros e estrangeiros, por não estarem claras as contrapartidas que serão cobradas do governo brasileiro. Para os críticos, uma política ambiental considerada internacionalmente como um desastre pode acabar legitimada pelos americanos, em busca de afirmação no cenário multilateral.Como reação, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) lançou nas redes sociais um vídeo cobrando o presidente norte-americano, Joe Biden, a não normalizar a relação com o Brasil por meio desse acordo, dizendo que é preciso fazer uma escolha entre a Amazônia e Bolsonaro. A peça já foi divulgada por personalidades como a cantora Anitta e o ator norte-americano Mark Ruffalo, o Hulk dos filmes da Marvel.

A nova disposição dos EUA

Os Estados Unidos sob a presidência de Joe Biden querem se firmar como referência em políticas para frear as mudanças climáticas. Ainda na campanha, em debate com Donald Trump em setembro do ano passado, Biden afirmou que aportaria até US$ 20 bilhões no Brasil se fosse colher resultados concretos. “As florestas no Brasil estão sendo derrubadas”, disse o democrata na época. “Muito mais gás carbônico está sendo emitido do que nos EUA e nada está sendo feito [pelo governo norte-americano]”, completou, em crítica a Trump.

Diretor de campanhas florestais do Greenpeace nos EUA, Daniel Brindis afirma em entrevista ao Metrópoles que Bolsonaro e Salles têm boas chances de se beneficiar dessa disposição do governo Biden.

“Seria um exemplo de reconquista da liderança norte-americana um acordo com um governo considerado muito resistente na questão climática. É uma vitória diplomática que os EUA perseguem”, avalia ele.

Para o ambientalista, porém, a cobrança por resultados reais na luta contra a devastação das florestas brasileiras pode ser sacrificada nesse processo. “Qualquer acordo que tenha como base a agenda defendida por Salles é na verdade um perigo para o clima. Tem a possibilidade muito forte de lavar a imagem e a política do governo Bolsonaro a respeito dos assuntos ambientais e sociais da Amazônia”, afirma Brindis.

O diretor do Greenpeace defende que o governo brasileiro seja cobrado pela comunidade internacional a frear o desmatamento e impedir o avanço no Congresso de projetos que beneficiam quem devasta o meio ambiente. Para ele, protestos ainda podem interferir no rumo das negociações até a Cúpula do Clima dos EUA, em 22 e 23 de abril.

“Tem pessoas influentes no Partido Democrata [de Biden] que estão bem informadas sobre as falsas promessas do governo Bolsonaro na questão ambiental e sobre os retrocessos legislativos em curso. Qualquer diálogo com Bolsonaro preocupa essas pessoas, incluindo congressistas mais moderados. Há um trauma por ele ter sido o único chefe de Estado a amplificar a mentira de Trump sobre eleições roubadas, então acho que há pressão contra o acordo, apesar da boa vontade de parte dos negociadores”, afirma o representante do Greenpeace nos EUA.

Detalhes da negociação estão sendo mantidos em sigilo pelos países. O ministro Ricardo Salles não respondeu aos pedidos do Metrópoles por uma entrevistas. Nas suas últimas manifestações, porém, o ministro tem insistido em cobrar dos países ricos recursos para reduzir a devastação no Brasil.

“O plano é US$ 1 bilhão por 12 meses, sendo um terço para ações de comando e controle, e dois terços para as ações de desenvolvimento econômico, pagamento por serviços ambientais, justamente nesses lugares onde haverá atuação mais forte do comando e controle. Dando a essas pessoas que serão fiscalizadas nessas regiões, que sofrerão as fiscalizações mais intensas, uma alternativa econômica, para que não seja tão convidativo voltar à ilicitude”, disse Salles ao Estadão no início de abril sobre o que pretende fazer com o dinheiro que vai pedir aos americanos.

Retrocessos

Apesar do possível desfecho positivo nas negociações, a gerente de Política Global da WWF International, Fernanda Carvalho, também reforça que a imagem internacional do Brasil na área ambiental segue em desconstrução.

“A imagem é de um país que infelizmente retrocedeu em uma área onde poderia ser um líder. O Brasil teve por alguns anos uma posição de destaque, influenciando as negociações. Também foi o primeiro país emergente a apresentar uma meta de redução de emissões para toda a economia em 2015. Com a NDC [Contribuição Nacionalmente Determinada, a parte de cada país no Acordo de Paris] de 2020 fica claro o recuo do país nestes avanços”, diz ela, sobre os compromissos individuais do Brasil no Acordo de Paris, considerados vagos pelo WWF.

“Creio que o primeiro passo para a reconstrução da credibilidade perdida seria apresentar uma NDC realmente mais ambiciosa do que a primeira, sem truques de contagem de carbono, sem falta de clareza quanto a condicionalidades e com certeza não condicionando uma meta de zero emissões em 2060 a um valor exorbitante de recursos anuais”, cobra ela.

Professora do Departamento de Ciência Política na Uqam (Universidade do Québec em Montreal), a pesquisadora canadense Maya Jegen avalia que ações concretas e tangíveis do governo brasileiro podem pavimentar um caminho positivo até a COP 26, em novembro, mas há muito a fazer para que haja uma mudança na imagem do país.

“Desde que assumiu o cargo, Bolsonaro não parece ter feito muito esforço para colaborar internacionalmente. Em minha opinião, serão necessários tempo e ações para estabelecer uma credibilidade que não existe”, afirma ela. “Por causa da floresta tropical, o Brasil está claramente em uma posição estratégica, mas acho que a comunidade internacional espera que ele assuma compromissos confiáveis”, conclui a acadêmica canadense.

Mobilização

Para pressionar contra o possível acordo climático do Brasil com os EUA. Na quinta (15/4), ocorrerão os eventos Emergência Amazônica – Em defesa da Floresta e da Vida e o Fórum Climático da Amazônia. Eles são organizados pelo Fórum Nacional Permanente em Defesa da Amazônia (FNPDA – Brasil) e pelo coletivo formado por Coica (Coordenação das Organizações Indígenas da Bacia Amazônica) com apoio de várias organizações nacionais e internacionais.

Devastação na Amazônia

De acordo com os dados Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe), março de 2021 bateu recorde nos registros de desmatamento da Amazônia. Foram devastados 367 km², segundo medições do Sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real (Deter). Este foi o maior alerta para o período, desde a criação da série histórica, a partir de 2015. No mesmo mês do ano passado, 326,9 km² foram desmatados. Antes, o março com mais devastação verificado pelos satélites foi 356 km², no período 2017/2018.

Apesar da manutenção dos índices negativos, o vice-presidente da República, Hamilton Mourão (PRTB), anunciou em fevereiro, durante a IV Reunião do Conselho Nacional da Amazônia Legal, que os militares da Operação Verde Brasil 2 começarão a se retirar da região a partir de 30 de abril. A operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) tinha o objetivo principal de frear o desmatamento ilegal na floresta. A operação custou R$ 410 milhões.
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