Ele é a voz que há mais de 30 anos ecoa pelo Sambódromo nas Quartas-feiras de Cinzas, alastrando agonia ou euforia enquanto lê as notas dadas por cada jurado às escolas de samba do Rio, até que se conheça o campeão de mais um carnaval.
Lê, não: Jorge Perlingeiro interpreta.
"Aquilo é um espetáculo. Se fosse só para ler, não precisavam de mim", diz o apresentador veterano do carnaval.O retumbante "Dez, nota dez", originalmente cunhado pelo produtor Carlos Imperial, ficou famoso Brasil afora na sua voz, e lhe rendeu reconhecimento oficial da prefeitura do Rio.Em 2015, um decreto assinado pelo então prefeito Eduardo Paes considerou a expressão, "na voz e no modo de falar de Jorge Perlingeiro", "potencialmente um dos principais e mais tradicionais 'Monumentos Linguísticos' do Carnaval Carioca", incluindo-a no chamado "Cadastro do Modo de Falar Carioca".
Nascido no Rio de Janeiro em 1945, Perlingeiro tem mais de 50 carnavais nas costas — e décadas de experiência como apresentador de TV, onde também popularizou o bordão "só se for agora".
Ele começou a se aproximar do universo do samba atuando como jovem repórter responsável pela cobertura carnavalesca na extinta TV Tupi.
Seu papel no Sambódromo vai muito além da apuração. Ele é o atual presidente da Liga Independente das Escolas de Samba do Grupo Especial do Rio (Liesa), e mesmo no cargo de liderança, continuará lendo as notas na apuração de 2024.
Todo ano, na sexta-feira de carnaval, ele se muda, literalmente, para a Marquês de Sapucaí, e fica "morando" em um contêiner" durante todos os dias de festa, até terça-feira.
Mas Perlingeiro sabe que a Quarta-feira de Cinzas, quando se senta à mesa montada sob os arcos do Sambódromo, é o seu momento nos holofotes.
"Igual a mim não tem ninguém. Eu sou móveis e utensílios do carnaval", brinca.
A famosa 'paradinha'
Depois de virar quatro noites durante os desfiles das escolas do Grupo de Acesso (sexta e sábado) e do Grupo Especial (domingo e segunda), Perlingeiro fica em "regime de silêncio" para se preparar para o ritual de "declamação" das notas na Quarta-feira de Cinzas.
São mais de duas horas ininterruptas percorrendo as notas de cada jurado para cada quesito, e ao fim do processo ele recomeça a depois de um pequeno intervalo, desta vez lendo todas as notas das escolas do Grupo de Acesso (a segunda liga do carnaval).
"Não atendo o telefone, não falo com ninguém", diz ele. "O trabalho demanda muita concentração. Eu não posso errar."
Para ele, a TV Globo, que é dona dos direitos de transmissão, "não dá muita importância" para a apuração.
"Eu fico com pena dos presidentes e diretores das escolas, que ficam naquelas barraquinhas horríveis, trepados um em cima do outro, esperando as notas", diz.
"Tinha que ter um bar, com garçons servindo bebidas nas mesas... Deveria ser um espetáculo", sonha.
"É o grande filé mignon do carnaval. A gente desfila domingo e segunda, e na quarta-feira espera ansiosamente para saber quem vai ganhar", argumenta.
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