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02/03/2024 às 15:32

Por que covid-19 ainda mata tanta gente no Brasil

Leiagora

Há cerca de duas semanas, um homem de 79 anos deu entrada no pronto-socorro de um hospital particular de Matão, cidade no interior de São Paulo, com falta de ar e dores no corpo.

Primeiro, especulou-se que ele poderia ter contraído dengue – já que o Brasil vive uma explosão de casos desde o fim do ano passado.
Mas, como o protocolo de atendimento exige que, diante desses sintomas, os pacientes também façam o teste para covid-19, ele passou pelo exame já na triagem.

Horas depois, enquanto se encaminhava para a internação, saiu o diagnóstico: ele estava, de fato, infectado pelo novo coronavírus.
O homem ficou quatro dias na UTI e faleceu – foi o primeiro óbito registrado na cidade por covid-19 em meses.

Segundo a Secretaria de Saúde local, o paciente havia tomado duas doses de vacina, mas seu quadro clínico foi agravado, entre outras coisas, pela obesidade.
A notícia caiu como uma bomba em Matão: além de outros pacientes internados na mesma situação, o município viu o número de casos de covid-19 triplicar em pouco tempo.
 
Quem ainda morre de covid?
 
Entre especialistas que seguem na linha de frente do combate à doença, um dos consensos é que, no médio prazo, o Brasil seguirá com um volume de mortes por covid-19 parecido ao de agora, embora por motivos diferentes do período mais crítico.
Ralcyon Teixeira, que está à frente de um dos principais centros de infectologia da América Latina, observa que os óbitos estão se concentrando em grupos clinicamente mais vulneráveis da população, assim como foi nos primeiros meses da pandemia.
"É difícil que alguém contraia a covid-19 e morra puramente por causa dela hoje”, afirma Teixeira.
“O que está acontecendo é uma descompensação de doenças crônicas que os pacientes já possuíam antes de serem infectados pelo vírus. Daí, o que ele faz é intensificar essa base, e as pessoas vão a óbito."
Entre essas complicações, estão a diabetes, que atinge 7% da população brasileira, e doenças cardiovasculares, que afetam cerca 14 milhões de pessoas pelo país, segundo dados recentes do Ministério da Saúde.
O infectologista Julio Croda, pesquisador da Fiocruz no Rio de Janeiro, concorda e acrescenta: "Muitas vítimas são idosas também".
Pesquisas recentes identificaram que a pandemia conseguiu diminuir a faixa etária da mortalidade brasileira, movimentando o maior volume de óbitos para o intervalo entre 40 e 79 anos. Antes da pandemia, ele ficava na faixa após os 80 anos.
 
Essas são grandes preocupações sobre os impactos da circulação atual do vírus no Brasil, na visão da infectologista Margareth Dalcolmo, que acabou de ser eleita para uma cadeira na Academia Nacional de Medicina.

"Algumas comorbidades, como a hepatite C ou a hipertensão arterial, por exemplo, estão totalmente fora de controle no país. Isso significa que há mais gente vulnerável", diz Dalcolmo, que também é pesquisadora da Fiocruz.
Até o ano passado, imunossuprimidos, pessoas sem a imunização adequada ou idosos conformavam o perfil da mortalidade por covid-19 no país, segundo ela.
Para Croda, a idade dos doentes colabora na explicação das desigualdades regionais.

O Sul é um bom exemplo: embora tenha uma boa estrutura de saúde pública, além de uma ampla rede de atendimento, a região tem uma taxa de mortalidade relativamente alta (0,58 por 100 mil habitantes).
Na região, 12,1% da população tem mais de 65 anos. É o segundo maior índice do país, de acordo com o Censo 2022, quase empatado com o Sudeste, que tem 12,2%.
"Mas não é apenas a idade, é a comorbidade que pode estar atrelada a ela", diz Croda. Um relatório de 2023 do Conass mostrou que o Brasil teve um excesso de 18% em mortes naturais no ano passado.
O dado é calculado comparando os óbitos registrados desta forma e uma expectativa definida a partir de uma média histórica.
Em números absolutos, foram 48 mil mortes a mais do que o esperado.
Para o conselho, isso se explica principalmente pelas vítimas de covid-19, porque as taxas de mortalidade por outras doenças, como cardiovasculares, por exemplo, caíram no mesmo período.


 
BBC NEWS BRASIL
 
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