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14/08/2019 às 14:08

Montaria de touro em Barretos completa 40 anos com polêmicas e prêmio de até R$ 280 mil

Leiagora

No começo elas eram tratadas quase que como atração circense, pagavam mal e atraíam poucos interessados em enfrentar animais considerados enormes. Já hoje são a principal atração entre as provas de rodeio no país, dão prêmios milionários aos seus campeões e são alvo constante de embates entre organizadores e entidades de proteção animal.

As montarias em touro completam 40 anos na Festa do Peão de Boiadeiro de Barretos (a 423 km de São Paulo), que começa nesta quinta-feira (15) com a expectativa de reunir 1 milhão de visitantes em 11 dias. Ao final do Barretos International Rodeo, dia 25, o campeão sairá da arena de rodeios projetada por Oscar Niemeyer (1907-2012) levando como prêmio uma camionete de R$ 280 mil, cenário muito diferente do registrado nos primórdios da modalidade no país.

Elas surgiram em 1979, impulsionadas pelo ex-peão Tião Procópio, 60, que inspirou Tião Higino, personagem de Murilo Benício na novela "América". Vencedor da mais tradicional festa do país no ano seguinte, como prêmio ele levou para casa uma TV de 14 polegadas. "Colorida", disse. Os prêmios melhoraram, superaram os pagos nas montarias em cavalos (cutiano) e, na avaliação de organizadores e competidores, são compatíveis com os riscos que os atletas de rodeio correm nos 8 segundos –tempo para que uma montaria seja válida.

Preparados a partir de melhoramento genético, com ração equilibrada, água fresca, sombra, suplementos e veterinários disponíveis em tempo integral, os touros cada vez mais têm melhores desempenhos nas arenas. E estão mais fortes, chegando a pesar mais de uma tonelada.

A genética é usada para se chegar ao touro ideal para o tropeiro: que ganhe peso rapidamente ou não, tenha boa musculatura, sem tendência a acumular muita gordura ou para ter ossos mais finos e leves. Tudo para que ele pule mais e derrube os peões. Há touros cujo valor de mercado supera R$ 1 milhão.

Campeão em Barretos em 1999, Neyliowan Mulinari Tomazeli, 41, é um exemplo das duas faces dos rodeios. Em 2001, em Jaguariúna (SP), ele foi derrubado pelo lendário touro Bandido que, não contente, o arremessou a quase seis metros de altura. O peão caiu de cabeça, desmaiou, correu risco de ficar tetraplégico e passou nove meses numa cadeira de rodas.

Após se recuperar, desafiou o touro dois anos depois em Barretos e perdeu. "Nunca tive um pingo de medo dele, só tem medo quem não tem fé. Sinto vontade de morder o pescoço dele até hoje, mas medo? Não", disse ele, que abandonou as arenas em 2005 e amealhou como prêmios em sete anos de carreira 11 carros, 2 camionetes e 29 motos, além de dinheiro. Investiu em duas fazendas, em São Paulo e Mato Grosso. "Enfrentaria tudo de novo."

DÓLARES

No exterior, os peões têm se destacado nos mundiais da PBR (Professional Bull Riders). Em 25 edições, brasileiros conquistaram 10 títulos, inclusive a última, que rendeu a Kaique Pacheco US$ 1,53 milhão (R$ 6 milhões).

Neste ano, o mais bem colocado é José Vitor Leme, terceiro no circuito, que amealhou US$ 302 mil (R$ 1,19 milhão) até aqui -a final é em novembro. Mas nem tudo se resume a dinheiro e fama nas arenas, longe disso. Os rodeios são questionados com muita veemência por entidades de proteção animal, que afirmam que os animais sofrem tortura nas festas de peão, antes, durante e após serem usados nas montarias.

A principal queixa de associações como Amor de Bicho Não Tem Preço, Uipa (União Internacional Protetora dos Animais) e PEA (Projeto Esperança Animal) é o uso do sédem (cinta de lã que passa na virilha dos touros), mas não é a única. Também fazem parte do cardápio de críticas a utilização de condutores elétricos (choque) nos animais e os excessos de luminosidade na arena (refletores e fogos de artifício) e de barulho (caixas de som e fogos).

"Essa prática deveria ser extinta. Que prazer há em ver o animal sofrer para a diversão de alguns?", questionou a ativista Claudia Carli, da Amor de Bicho. Não é o que pensa o diretor de rodeios da festa, Marcos Abud, que afirma que estudos sobre o comportamento animal embasam a tese de que os animais não sofrem nas montarias e pulam por instinto.

"Sem os touros, as festas seriam como eram há 40 anos, mais folclóricas e culturais e menos profissionais. O cutiano só existe no Brasil. Como não ter rodeio de touros hoje? A molecada está ganhando tudo lá fora. Essas oportunidades surgem por causa de Barretos", disse Abud.

Barretos vai distribuir cerca de R$ 1 milhão em todas as provas ligadas a cavalos e touros. Com 60 animais em seu plantel, dos quais 18 estarão em Barretos, o tropeiro Marcondes Maia, 45, criou um sistema que permite até a realização de mini-cirurgias no próprio curral da propriedade, em Uchoa (SP), para cuidar dos animais.

"Se houvesse maus tratos eu seria o primeiro a ser contra, nasci no campo. Um animal de ponta não custa menos de R$ 100 mil e, por mês, a manutenção chega a R$ 3.000. Vou arriscar esse patrimônio?"

Apesar de refutar a tese das ONGs, ele defende a existência delas como forma de balizar o mercado de rodeios.
"Da mesma forma que não há governo forte sem oposição forte, as ONGs ajudam muito a termos todos os cuidados e a eliminar gente que possa manchar a imagem dos rodeios."
Direto de Ribeirão Preto-SP, Marcelo Toledo - Folhapress
 
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