'Foi uma emboscada da polícia', diz mãe de adolescente ferida em Paraisópolis; PM diz que suspeitos atiraram
Leiagora
A mãe de uma adolescente de 17 anos ferida durante uma confusão após a ação da Polícia Militar na madrugada deste domingo (1º) em um baile funk na comunidade de Paraisópolis, na Zona Sul de São Paulo, disse que a jovem levou uma garrafada na cabeça e um golpe de cassetete nas costas dados por um policial. Ao menos nove pessoas morreram pisoteadas, segundo a Polícia Civil. Outras sete ficaram feridas.
Segundo a mãe da vítima (veja entrevista com a jovem no vídeo acima), a polícia preparou uma emboscada para os adolescentes que estavam no evento – no momento da confusão, havia cerca de 5 mil pessoas no local.
Já a Polícia Militar diz que agentes realizavam uma Operação Pancadão na comunidade – a segunda maior da cidade, com 100 mil habitantes – quando foram alvo de tiros disparados por dois homens em uma motocicleta. A dupla teria fugido em direção ao baile funk ainda atirando, o que provocou tumulto entre os frequentadores.
"[Minha filha] levou uma garrafada na cabeça, de um policial, deram um [golpe de] cassetete nas costas dela. Ela está lúcida e aguardando a tomografia", disse a mãe da garota.
"Quando eu a vi, não a reconheci. Ela estava com o rosto deformado e perdeu muito sangue. Estava em choque."
A mãe continuou: "É uma rua com duas ou três saídas. Eles [policiais] fecharam e coagiram. Atiraram com arma de fogo – não só com bala de borracha. Bateram com cassetete, fora [o uso de] spray de pimenta. Eles [os frequentadores do baile funk] estavam só curtindo".
"Os policiais fecharam a rua. Teve corre-corre, pisoteamento de adolescente. Gás de pimenta, bala de borracha, e ainda estavam agredindo pessoas. Foi um policial que tacou garrafa de vidro na minha filha."
A adolescente descreveu o momento em que foi atingida. "Eu não sei o que aconteceu, só vi correria, e várias viaturas fecharam a gente. Minha amiga caiu, e eu abaixei pra ajudá-la", disse.
"Quando me levantei, um policial me deu uma garrafada na cabeça. Os policiais falaram que era pra colocar a mão na cabeça."
'Muito tiro'
Um jovem de 18 anos que não é morador de Paraisópolis mas costuma frequentar os bailes, disse que viu muitos adolescentes passando mal e desmaiando por causa das bombas de gás atiradas pela polícia durante o baile funk da madrugada deste domingo.
"Chegaram atirando em todo mundo. A gente estava no baile e primeiro veio a bomba. Começaram a cair as pessoas, passando mal, e a desmaiar, sendo pisoteadas. Ficamos encurralados. Não tinha para aonde correr, para aonde ir. Muita gente caindo já morta, a polícia atirou. Muitas pessoas tentavam salvar a própria vida. Vi muito sangue e escutei bastante barulho de tiro", disse o jovem.
A mãe dele afirmou: "Foi meio tenso, a polícia queria saber se meu filho estava no baile funk. É uma guerra ao pobre. Se fosse nos Jardins [bairro de classe alta de SP], a coisa seria bem diferente. Até a forma da polícia abordar é diferente. O problema não é o funk, é a cultura da periferia, é o lazer".
A versão da polícia
De acordo com a polícia, agentes do 16º Batalhão de Polícia Militar Metropolitano (BPM/M) realizavam Operação Pancadão na região de Paraisópolis quando foram alvos de tiros disparados por dois homens em uma motocicleta.
A Operação Pancadão tem sido periodicamente realizada em toda a capital "para garantir o direito de ir e vir do cidadão e impedir a perturbação do sossego, fiscalizando a emissão ruídos proveniente de veículos", de acordo com a Secretaria de Segurança Pública.
Segundo a polícia, os agentes foram atrás dos suspeitos, que entraram em Paraisópolis, em direção ao local do baile.
Equipes da Força Tática, ao chegarem para apoiar a ação, teriam levado pedradas e garrafadas. Os policiais, então, revidaram com munições químicas para dispersão – e alguém no meio da multidão disparou um tiro. Houve correria.
Durante a confusão, pessoas foram pisoteadas e levadas em estado grave ao Pronto Socorro do Campo Limpo. Duas viaturas da PM foram depredadas.
O delegado Emiliano da Silva Neto, do 89º DP, afirmou que todas as vítimas morreram pisoteadas, e não por causa dos tiros.
"Policiais militares pararam duas pessoas em uma moto. Eles entraram onde estava ocorrendo a festa e continuaram atirando nos policiais. Em decorrência desse tiroteio, houve um efeito manada, teve uma viela com escadaria, e as pessoas pisotearam umas nas outras", disse.
"Nove morreram. Todas elas estão com graves lesões de pisoteio, não tem nada de perfuração ou alguém atingido por projétil de arma de fogo."
O governador João Doria (PSDB) lamentou as mortes e pediu "apuração rigorosa" do episódio. O Ouvidor das Polícias, Benedito Mariano, afirmou que "a PM precisa mudar protocolo".
Dados sobre Paraisópolis
2ª maior favela de São Paulo e 5ª maior do Brasil
100 mil habitantes
21 mil domicílios
12 mil moradores analfabetos ou semianalfabetos
31% da população é composta por jovens de 15 a 29 anos, portanto mais vulneráveis à carência de emprego e oportunidades
42% das famílias têm mulheres como responsáveis
12 escolas públicas (estaduais e municipais), uma Escola Técnica Estadual (Etec), um Centro Educacional Unificado (CEU), três unidades básicas de saúde (UBS) e uma unidade de Assistência Médica Ambulatorial (AMA)
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