Imprimir

Imprimir Notícia

19/07/2020 às 14:30 | Atualizada: 31/07/2020 às 19:18

Promotor fala do papel do MP nas ações de saúde na pandemia e manda recado para 'galera das festinhas'

Eduarda Fernandes

A judicialização da saúde se tornou tema recorrente em meio à pandemia do novo coronavírus. Diante dos dilemas dos gestores públicos sobre quais medidas de enfrentamento adotar, o Ministério Público tem aparecido, mais do que nunca, como um agente enérgico e atuante, exigindo o cumprimento de todo e qualquer remédio necessário para que a população passe por esse momento com o mínimo de dano.

Em Cuiabá e Várzea Grande, por exemplo, a população está submetida a uma quarentena coletiva obrigatória desde o dia 25 de junho, por força de consecutivas decisões judiciais, todas em decorrência de ações propostas pelo Ministério Público. 

Sobre o tema, o Leiagora convidou Alexandre de Mattos Guedes, titular da 7ª Promotoria de Justiça Especializada na Defesa da Saúde Coletiva de Cuiabá, autor desses pedidos, para falar com a reportagem e contar mais sobre como tem sido o papel do MP nesta pandemia.

Ele aproveitou ainda para mandar um recado para a galera das 'festinhas': "

Confira a íntegra da entrevista
 
Leiagora - Na sua opinião, qual é o papel do MP nessa pandemia?

Alexandre Guedes:
O papel do Ministério Público é a defesa do direito à saúde e proteção do patrimônio público e dos direitos fundamentais. Na Promotoria de Saúde Pública, o que cabe ao Ministério Público é assegurar que os serviços de saúde estejam funcionando adequadamente e que as medidas sanitárias necessárias ao atendimento do interesse coletivo sejam executadas. O que não cabe ao Ministério Público, obviamente, é inventar políticas públicas.

Cuiabá tem se destacado justamente por fazer cumprir o que diz a lei, tanto as leis federais, quanto as leis estaduais relativas à questão da pandemia, especialmente aos serviços de saúde em geral.



Leiagora - Um dos argumentos que o município de Cuiabá costuma utilizar nas ações que tentam derrubar a quarentena obrigatória é a questão de violação da ordem pública ou usurpação de poder. Como o senhor avalia esses argumentos? 

Alexandre Guedes:
Nós estamos completamente fora disso aqui em Mato Grosso. Porque aqui nós estamos nos dedicando para que os municípios cumpram as normas sanitárias que estão previstas nos decretos estaduais, 522 e 532. Então não estamos inovando, dizemos o seguinte: ‘olha, tem um decreto que diz que se Cuiabá e Várzea Grande estão numa situação de risco muito alta, tem que funcionar só serviços essenciais’. Isso é o que diz o decreto estadual.

Então a única coisa que a gente pediu foi: ‘juiz, mande Cuiabá, Várzea Grande e Estado executarem essas medidas’. Não estamos dizendo que a medida A seja correta, B seja correta ou C seja correta. Por isso que não falamos em lockdown, eu falo em funcionamento de serviços essenciais e da interrupção dos serviços não essenciais como está previsto na legislação. Então acho que nesse ponto específico não existe razão de queixa.

Tanto isso é verdade que o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, ele se negou a cassar a liminar do juiz daqui, justamente por entender isso, que o que estava se pedindo aqui era apenas o cumprimento do decreto estadual.
 
Leiagora - Outro argumento bastante usado pelo município é de que o próprio STF deu autonomia para os prefeitos determinarem o que será feito em cada município, mas vemos que na prática não é bem assim. Por quê?

Alexandre Guedes:
Primeiro a gente precisa ler a decisão do Supremo. O que existe é que a área de saúde tem competência que a gente chama de concorrente. Quer dizer, a União pode fazer, o Estado pode fazer e o Município pode fazer. O que muda é a questão do interesse local. Por exemplo, existe uma situação de saúde de interesse local do Pedra 90. Isso é Cuiabá.

Mas, nessa situação de pandemia o vírus não quer saber se está em Cuiabá ou Várzea Grande e ele não é impedido pela ponte ou pelo rio. E o prefeito de Cuiabá não pode mandar em Várzea Grande e vice-versa.

Teve um período que Várzea Grande abriu o comércio antes que Cuiabá, abriu shoppings, academias e muita gente saiu daqui (capital) para ir para lá. E o comércio estava todo fechado em Cuiabá. O que isso mostra? Que existem situações e locais que o Poder do município não basta, não é suficiente. Como acontece aqui na Capital - Cuiabá-Várzea Grande - nós somos praticamente uma cidade só. Quando isso acontece, quando a coisa está além do poder de um prefeito, quem é o responsável por atender as questões metropolitanas é o Estado.

Não só Cuiabá e Várzea Grande. A gente vê isso, por exemplo, em Barra do Garças, Pontal do Araguaia, que são uma única cidade praticamente. A gente vê isso em Arenápolis e Nortelândia. Em Jaciara, Juscimeira e São Pedro da Cipa. Eles são vários que, na prática, são um só. Então nesses lugares, quando é um assunto transmunicipal ou intermunicipal é o Estado que tem que agir. Então o que o Ministério Público tem feito é acionar o Estado para que ele encontre o seu papel dizendo: “olha, Estado, a região metropolitana está além do interesse local, então você tem que agir”. É nesse sentido que o MP está trabalhando em todo o Estado de Mato Grosso.
 Leiagora - Além das ações propostas, tem algo mais que o MP possa fazer para cobrar medidas de isolamento social mais rigorosas? Acredita que só recomendações sejam suficientes ou deveriam existir punições também?

Alexandre Guedes:
Veja bem, na minha Promotoria a gente cuida das questões coletivas. No que se refere à punição nós temos vários tipos de punição. Temos as punições administrativas. Por exemplo, não usar máscara dá multa. Manter aberto um serviço quando o decreto manda fechar também dá multa e cabe aos municípios e ao Estado executar essas medidas. E veja bem, existe o crime de infração de determinação sanitária, que as pessoas podem, sim, ser eventualmente detidas e depois serem processadas pelo Ministério Público. É um crime que não é muito grave, mas existe sim essa prisão. Só que as pessoas precisam ser identificadas e levadas ao MP.

Ah, mas quem tem que executar essas punições e essas detenções? Os fiscais do município, secretaria de Ordem Pública e, no caso do Estado, a Polícia Civil e Militar. Eles que fazem essa repressão.

Então, o Ministério Público também atua nessas demandas, mas precisamos que as pessoas sejam autuadas para processarmos essas pessoas.
               
Leiagora - Como coibir, por exemplo, as festinhas? Tem algo que o MP possa fazer? O MP não pode atuar de forma direcionada a coibir práticas que facilitem a propagação do coronavírus?

Alexandre Guedes:
A questão é a seguinte, o Ministério Público atua preventivamente, em termos educacionais, e em termos repressivos. Com relação às festinhas, o MP não tem como agir preventivamente. Nesse sentido de prevenção e repressão, só são as autoridades. Não há como a gente atuar coletivamente. O que cabe é as autoridades policiais e municipais e toda a comitiva jurídica exigir o cumprimento das medidas sanitárias vigentes, como distanciamento social, o isolamento.

O que a gente pode dizer é que o Ministério Público está disposto a processar todas aquelas pessoas que nos forem trazidas cometendo crimes ou infrações relativas à pandemia. As autoridades têm toda a cobertura jurídica para agir.
 
Leiagora - Com a chegada da pandemia, o que mudou na atuação do senhor em relação à saúde? Como estão as outras demandas que sempre geravam judicialização da saúde?

Alexandre Guedes:
As pessoas continuam doentes de outras coisas. Nós estamos já no período da seca, vão começar a ter problemas respiratórios, rinite, a dengue também existe, o câncer continua existindo, os AVCs e todas as circunstâncias.

A minha promotoria, exclusivamente, trabalha com questões relacionadas à saúde pública, então fomos bastante impactados pela pandemia. Nós não deixamos, nem aqui e nem em outro lugar, de continuar atuando nas questões de falta de remédio, e em uma série de outras questões. Claro, a pandemia acaba se intrometendo, vamos dizer assim, no nosso cotidiano. Mas, continuamos trabalhando.
 

Leiagora - Temos visto com bastante frequência o governador de Mato Grosso Mauro Mendes (DEM) e o prefeito de Cuiabá Emanuel Pinheiro (MDB) em um embate sobre os leitos de UTI. Como o MP acompanha essa questão?

Alexandre Guedes:
O Ministério Público Federal também tem dito que Cuiabá precisa habilitar leitos para covid. Então assim, temos trabalhado, acompanhando isso, mas a gente não pode interferir a todo momento. O que a gente pode dizer é que estamos acompanhando, fazendo um monte de inquérito e ações justamente para assegurar leito de UTI para covid e outras coisas também.
 
Leiagora - O MP não pode pedir que Estado ou município construa hospital de campanha? O senhor acredita que houve falha nas estratégias e plano de ações por parte do Executivo, seja municipal ou estadual, neste sentido?

Alexandre Guedes:
A questão é a seguinte, se for ver o boletim você vai ver que um pouco mais da metade dos leitos de enfermaria está vago. O problema é que Mato Grosso é um estado que tem uma população muito grande e tem poucos recursos humanos. E precisamos de recursos humanos para operar um hospital de campanha. Pelo menos em Cuiabá e Várzea Grande a gente não tem os requisitos necessários para pedir um hospital de campanha. Pode ser que essa situação se apresente em outros municípios.
 
Leiagora - A Prefeitura de Cuiabá recebeu milhões em recursos do governo Federal, emendas parlamentares, da Câmara Municipal e até de ações judiciais que foram destinadas ao combate à pandemia e alega que o MP tem participado da fiscalização. Como tem sido esse controle? O MP realmente acompanha a aplicação e destinação destes recursos? E na sua avaliação estão sendo destinados da maneira correta?

Alexandre Guedes:
Aqui no Ministério Público as promotorias de patrimônio público estão vendo essa questão de repasses e uma série de situações. E o Ministério Público Federal também está acompanhando isso. Eles estão mais diretamente ligados à questão do repasse e da transparência. O que eu posso dizer é que na semana passada participei de uma reunião com a Associação Mato-grossense dos Municípios (AMM) e todos os órgãos de controle foram muito explícitos no sentido de exigir transparência, transparência e transparência.

Leiagora - Algo que gostaria de acrescentar?

Alexandre Guedes:
Só dizer que o Ministério Público tem confiança de que isso vai passar e que nós vamos poder terminar essa pandemia e que outras medidas como as que a gente vem propondo não sejam mais necessárias. A gente só propõe aquilo que é necessário.
 
 Imprimir