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30/08/2020 às 09:00

Sem previsão de retomadas das cirurgias em MT, pacientes bariátricos falam sobre o medo da morte

Eduarda Fernandes

O medo da morte nunca foi tão forte quanto agora para 128 pacientes que aguardam pela cirurgia bariátrica que seria realizada pelo Hospital Metropolitano, em Várzea Grande, não fosse pelo estado de pandemia vivenciado pelo mundo há mais de seis meses. No início deste ano, o governo do Estado fez obras de readequações na unidade com a finalidade de habilitá-la como referência na realização de cirurgia bariátrica em Mato Grosso.

Ao invés disso, após a declaração de pandemia - o que levou à suspensão das cirurgias bariátricas - e o hospital receber nova obra, desta vez para a construção de leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI), passou a ser referência aos pacientes da covid-19.

Acontece que a obesidade é um dos fatores de risco mais críticos para o agravamento da covid-19, doença causada pelo novo coronavírus. Está ao lado de doenças cardíacas, diabetes e idade avançada, conforme classificação do Ministério da Saúde. Trata-se de uma doença crônica, que não depende apenas da força de vontade do paciente para superá-la. Diante de inúmeras tentativas de perder peso, muitos são encaminhados à mesa de cirurgia. Veem nisso a esperança de um recomeço.

Contudo, com a suspensão dos procedimentos no Metropolitano por conta da pandemia, esses 128 pacientes tiveram seus processos preparatórios para a cirurgia interrompidos. Cobram do poder público uma solução, pois temem à morte duplamente, antes somente pela obesidade e os problemas causados por ela, agora também pela covid-19.

Ao iniciar a busca por personagens para esta reportagem, o primeiro contato foi com Zenaide Lopes, de 56 anos, criadora do grupo Uma Nova Chance, que reúne pacientes bariátricos do Hospital Metropolitano de Várzea Grande, unidade da Secretaria de Estado de Saúde de Mato Grosso (SES-MT). O que começou com apenas um grupo de WhastApp, em 2013, hoje são quatro e cada um com 240 pacientes, incluindo pós-operados e os que estão à espera da cirurgia bariátrica.

Zenaide pediu à reportagem que formulássemos um texto explicando a matéria e convidando os pacientes a contar seus relatos, que ela encaminharia nos grupos, de modo que quem tivesse interesse em falar entraria em contato com o Leiagora. “E se prepare, porque são muitos, amada”, alertou.

Em poucos minutos, várias pessoas enviaram mensagens de diversos municípios mato-grossenses, alguns já se adiantando e compartilhando um pouco de suas angústias, medos e anseios, outros se colocando à disposição para falar. O impacto ao ler os relatos gera um incômodo, um aperto no peito e uma vontade ainda maior de dar voz a todos eles.

São 128 vidas que se entrelaçam numa espera sem fim, que têm como amparo apenas a rede de apoio de quase mil pessoas iniciada por Zenaide.

Alice Cunha, 34 anos, enfermeira em Barra do Garças, conta que já estava apta a fazer a cirurgia desde dezembro de 2019, já havia passado por todas as etapas do pré-operatório. Aguardava apenas o agendamento da data quando veio a pandemia. Ela conta que a obesidade atrapalha toda sua rotina, desde atividades domésticas simples até a vida profissional. Alice também é hipertensa, pré-diabética e tem circulação sanguínea prejudicada pelo excesso de peso.

“Me sinto temerosa, em pânico, cheia de incertezas, frustrada, insegura, abandonada pelo poder público do nosso Estado e pelos diretores do Hospital Metropolitano. Me questiono qual doença pode me tirar primeiro do convívio com meus entes queridos... Porque a covid-19, com os devidos cuidados, eu consigo adotar medidas preventivas para não contrair. E a obesidade? Essa já desenvolvi. Será que não vai me matar antes!? Minhas chances de sobrevivência são maiores caso eu venha contrair o vírus e já esteja operada e com meus problemas de saúde minimizados. Entretanto, caso venha me contaminar obesa mórbida grau 3, como estou atualmente, irei aumentar as estatísticas de mortalidade sem dúvida alguma”, relata ao Leiagora.

“Quem sabe com essa reportagem a gente consiga mobilizar o alto escalão dos políticos para ver se alguém realmente olha com mais responsabilidade por nós, pacientes, que estamos aguardando pela cirurgia, com alto risco de morte. Porque nós sabemos que pacientes obesos, se contraírem a covid-19, têm uma alta taxa de mortalidade”, completa.

Degmar Geralda Marciano, 42 anos, moradora do município de Vale de São Domingos, espera pela cirurgia desde março deste ano. Ela lembra que, quando as cirurgias foram suspensas, estava na reta final das etapas de preparação. Precisava apenas passar pelo cirurgião plástico novamente para ser liberada para a operação.

“Por ser uma pessoa obesa venho tendo vários problemas de saúde, entre eles a hipertensão, diabetes, cansaço e refluxo esofágico. Isso também mexe muito com o meu psicológico, me causa ansiedade, baixa autoestima e tenho depressão. Me sinto  desprezada pela falta de compreensão do  governo. Sei que ninguém tem culpa dessa pandemia, mas vários amigos meus que são obesos e estão nessa luta pela cirurgia estão morrendo. Hoje estou viva, amanhã não sei. Governo, por favor, olhe para nós obesos. Estamos precisando muito que volte o atendimento normal”, desabafa.

Ilana Karine Müller, 40 anos, residente em Água Boa, conta que estava com uma cirurgia marcada para 23 de março, data inclusive em que passou a valer o primeiro decreto referente ao isolamento social em Mato Grosso, mas foi cancelada e até agora não recebeu uma posição de quando o atendimento no Metrpolitano será retomado aos pacientes bariátricos. Ela também sofre com problemas ortopédicos, de coluna e pressão alta.

“Eu estava com a cirurgia liberada e estava agendada. Já estava com tudo preparado para fazer a cirurgia. Medicamentos comprados. Passagens pagas na prefeitura. Tive que devolver tudo e a gente agora não tem nenhuma posição do governo de quando serão retomadas essas cirurgias. Eles falam que o risco ainda é muito grande, mas como que os planos de saúde continuam operando? Se a gente tivesse um suporte em hospital apenas para bariátrica, seria alguma saída”, sugere.

Ilana cita que participa de outros grupos de pacientes bariátricos, onde relatam que em outros Estados o SUS já voltou a fazer o procedimento. Frustrada e com sentimento de abandono, ela reforça que a obesidade é um agravante para a covid-19. “No meu caso sou obesa, tenho pressão alta e minha idade já é avançada. Queria que os responsáveis olhassem mais por nós, que encontrassem uma solução. Tem que haver alguma solução. Em outros estados estão operando pelo SUS e no Mato Grosso não. Que operem numa escala menor, antigamente eram operadas quatro pessoas por dia. Diminuam a porcentagem de cirurgias para ver como vai ser”, indica.

Regiani Cristina Bento, 26 anos, moradora de Aripuanã, também estava no último estágio do processo preparatório. Seria operada quando veio a pandemia. Esteve no Hospital Metropolitano pela última vez em fevereiro deste ano e conta que eles já estavam agendando os pacientes com preparatório concluído em dezembro e janeiro.

“Logo chamariam o pessoal que tinha sido liberado para cirurgia no mês de fevereiro. E aí, em março, veio a pandemia e cancelaram tudo. Não me ligaram para avisar, não tive suporte em nenhum do hospital. Até agora não me deram posição de nada. Eu que tive que ligar para ter uma resposta que não era mais para ir atrás da cirurgia, que era para aguardar o hospital voltar. E essa espera tem sido muito dolorosa, pois sou uma obesa do grau três, sou obesa mórbida. Preciso muito dessa cirurgia e eles estão só enrolando e não estão dando suporte nenhum para nós. E essa espera tem sido angustiante”, lamenta.

Rafael Raimondi, 33 anos, de Campos de Júlio, também está na fila para ser submetido à cirurgia e diz que toda vez que contata a Secretaria Estadual de Saúde para obter informações sobre o procedimento, recebe como resposta “que depende do Governo Estatual publicar o retorno das cirurgias”. “Somente essa informação que nos é repassada”.

Ele explica que devido ao trâmite burocrático, só conseguiu entrar na fila de espera em abril, quando as cirurgias já estavam suspensas pela pandemia. “Estou aqui aguardando com fé que um dia esse procedimento volte a sua normalidade, porque não esta sendo fácil continuar dessa forma. Não é uma escolha minha essa vida. Obesidade é doença”, escreveu.

Em vídeo enviado a pedido da reportagem, Rafael conta que luta contra a obesidade desde a infância. Com notável falta de ar para falar, ele comenta que esse é um dos problemas decorrentes da obesidade, além da dificuldade de locomoção, pressão alta, pré-diabetes. “Sem contar que nós, obesos, evitamos levar um vida normal na sociedade por conta da rejeição, porque eu me sinto envergonhado pela forma como a sociedade nos vê. Nos evitam. ‘Porque ele é gordo’. Isso só dificulta ainda mais a nossa autoestima”.

Bruna da Silva Tomkiel, 20 anos, de Peixoto de Azevedo, pede uma resposta do governo ou algum respaldo sobre quando serão retomadas as cirurgias. Com dor nas pernas e costas, além da baixa autoestima, ela fez todos os exames e aguarda ser chamada para operar.

Bruna entende que a pandemia pode complicar o retorno, mais acredita que se forem tomadas todas as medidas de biossegurança e em um hospital exclusivo aos pacientes bariátricos, ao menos as etapas preparatórias poderão ser concluídas. “O momento não é fácil para ninguém. Para nós bariátricos é pior, pois temos a ansiedade, medo de não conseguirmos fazer essa cirurgia e a acabar piorando nossa saúde”, revela.

Maria Ilma Pereira da Silva, 50 anos, moradora de São José do Xingu, sofreu um acidente há quatro anos no qual quebrou uma perna e duas costelas. Por conta disso e da obesidade, tem muita dificuldade para se locomover. “O doutor falou para mim que se eu fizer essa cirurgia vou poder voltar a trabalhar de novo. Hoje eu não trabalho, não tenho salário, minha vida é muito difícil. Dói demais a minha coluna. Ganhei peso demais nesse tempo que machuquei. Preciso muito dessa cirurgia para ver se dou conta de tocar minha vida de novo. Toda a família é pobre e não temos condição de fazer pelo particular. Aí tá difícil para mim. Tenho dois filhos, todos assalariados e têm família. Então fica difícil eu fazer pelo particular. Com fé em Deus vai dar certo”, realatou à reportagem.

Luciana de Carvalho de Brito, 35 anos, residente em Barra do Bugres, também é paciente do Hospital Metropolitano e está esperando para fazer a cirurgia bariátrica. Para ela, restava apenas a consulta com o cirurgião que a liberaria para fazer o procedimento. “Eu estou muito ansiosa. Já engordei quatro quilos. Sinto falta de ar por conta da gordura. Queria muito que voltasse logo com as cirurgias”.

Evanize de Souza Amaral Coelho, 29 anos, de Cáceres, sempre sonhou em fazer a cirurgia devido às frustrações ao tentar emagrecer com dietas. Ficou na fila de espera por dois anos e chegou a pensar em desistir em vários momentos. “Até que me ligaram agendando minha primeira consulta. Fique imensamente feliz”, lembra.

Ela já havia passado por alguns médicos, como clínico geral, cardiologista, psiquiatra e psicóloga. Já tinha feito vários exames e precisou pagar do próprio bolso. Estava com várias consultas agendadas e seu processo caminhava bem rápido quando veio a pandemia, adiando por tempo indeterminado a realização de um sonho de melhorar de vida.

“Sinto muitas dores devido à obesidade. O hospital nos informa que no momento não é viável retornar as cirurgias eletivas devido ao alto grau de contaminação e que nós somos pacientes de risco. Meu medo é perder os exames que paguei. Não sei se pode vencer”.

Evanize diz que se sente perdida e admite que ainda pensa em desistir da cirurgia. “A vida de um obeso é muito triste. Tenho medo de esperar e depois não acontecer. Essa pandemia parou a nossa vida. Nem sabemos se estaremos vivos para voltar às consultas e operarmos”, desabafa.

Josiana Maria Pereira, 33 anos, de Lucas do Rio Verde, foi uma das últimas pacientes a ser operada antes da pandemia. Logo que a notícia de que os procedimentos seriam suspensos chegou à unidade, ela conta que houve uma correria para encaixar os pacientes que já estavam aptos, para que fossem operados antes que tudo parasse. Contudo, ela revela que se soubesse que não teria acompanhamento adequado durante o pós-operatório, não teria se submetido à cirurgia.

Ela voltou ao hospital um mês após ser operada para fazer a troca da dieta, mas apresentou rejeição aos alimentos recomendados.

“Se eu procuro a unidade de saúde daqui relatando problema no estômago, eles falam que não podem fazer nada pela gente, que o hospital que me operou é que tem que dar assistência. Aí mandei mensagem para a nutricionista que me passou a dieta e ela disse: ‘ah, não sei o que você vai fazer, a minha obrigação era só evoluir a dieta’. Como ela falou dessa forma, me ignorou, eu achei melhor nem conversar muito com ela. Ela falou que em caso de dor é só com o cirurgião. A maioria dos alimentos que como me causam vômito e dores até hoje”, revela.

CRM libera cirurgias eletivas
Na segunda-feira (24), o Conselho Regional de Medicina do Estado de Mato Grosso (CRM-MT) autorizou a retomada gradual dos atendimentos ambulatoriais e dos procedimentos cirúrgicos eletivos na rede privada, desde que sejam adotadas medidas de contenção de contágio da covid-19.

A presidente do Conselho, Dra. Hildenete Monteiro Fortes, ressaltou na Circular nº 24/2020, que o teor da recomendação será reavaliado a cada 15 dias, considerando os índices de novos casos e de óbitos relacionados à covid-19 em Mato Grosso.

Posicionamento da SES

Ao Leiagora, a SES informou que decidiu suspender todas as cirurgias eletivas em âmbito estadual que estavam marcadas para 2020 para evitar um fluxo maior de pacientes nos hospitais públicos em meio à pandemia do coronavírus. Com relação aos pacientes bariátricos, “a Secretaria Estadual de Saúde estuda, juntamente com os municípios, a maneira mais adequada de retomar os procedimentos eletivos tendo em vista o cenário de pandemia em que o país se encontra”, diz trecho da nota.
 
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