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17/10/2020 às 13:12 | Atualizada: 17/10/2020 às 17:17

Calor nas casas vira desafio para arquitetos de países quentes

Leiagora

Com pandemia e home office, o calor extremo deste mês deixou ainda mais evidente a falta de conforto térmico em grande parte das residências. Pesquisadores já comprovaram que situações como as vividas agora se tornarão cada vez mais comuns com as mudanças climáticas e, portanto, mudar a forma como se constroem e mantêm casas, apartamentos e escritórios precisará mudar - e logo.

"Não há mais dúvida, a gente tem de se preparar para isso, para interagir com o clima mais extremo da melhor maneira possível", destaca a engenheira Denise Duarte, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP e pesquisadora de conforto ambiental. Ela menciona a tese de doutorado de uma aluna, na qual foram feitas simulações do panorama climático futuro em apartamentos da cidade de São Paulo. "Vimos um cenário de aumento de horas de desconforto. Teve um caso que o número de horas em desconforto com o calor aumentou cerca de 250%." Fora do País, esse quadro também tem preocupado. Denise comenta que em lugares como o Reino Unido as moradias (mais adaptadas para enfrentar baixas temperaturas) se tornaram um problema de conforto térmico nas estações quentes.

A professora diz que um projeto precisa sempre considerar o entorno, mapear as possibilidades e características e ter como aliados a ventilação cruzada (com janelas em diferentes espaços e variações de abertura) e o sombreamento (com vegetação, brises, cobogós, telas, gradis e outras técnicas que limitam a passagem do sol, mas permitem a troca de ar).

"Nas horas mais quentes do dia, a casa fica fechada, com pouquíssimas aberturas para a troca de ar necessária. Na hora em que a temperatura cai, abro tudo, e a casa ventila a noite inteira", comenta a professora.

O tema passou a ser mais presente na construção civil brasileira apenas após a publicação de uma norma técnica em 2013, que traz algumas exigências de controle de qualidade. "Até uns quatro ou cinco anos atrás, não existia nenhuma preocupação com conforto térmico; não se falava. Com a norma técnica, o mercado começou a entender", observa o arquiteto Marcelo Nudel, sócio-diretor da Ca2 Consultores. "Ainda há desconhecimento geral muito grande sobre como se faz. É um mercado muito imaturo na questão do conforto ambiental."

Tintas claras

O processo passa por várias etapas. "Quando se fala em conforto térmico no interior da edificação, a primeira coisa é verificar a qualidade dos materiais, do vidro, da vedação, das paredes. Alguns materiais absorvem mais, têm propriedade de condução; outros refletem", explica a professora de Arquitetura e Urbanismo Loyde Harbich, da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

O concreto não é, por exemplo, um bom isolante térmico e, por isso, dificulta a manutenção do calor no inverno e também a do frio no verão. Outra questão são as modificações feitas pelo morador, destaca. Um caso recorrente é o da varanda, que tende a ajudar na ventilação, mas que promove o efeito oposto quando é fechada com vidro, criando um "efeito estufa" dentro do apartamento.

No caso de prédios já prontos, algumas intervenções ajudam a atenuar o calor, como a pintura da fachada com cores claras, a aplicação de películas nos vidros e a instalação de brises, toldos e outras formas de sombreamento. Há ainda a possibilidade de aplicação de tetos e fachadas verdes, com vegetação sobre a laje.

Esse tipo de intervenção foi feito, por exemplo, na casa da empresária Maria Christina Loschiavo Miranda, nos Jardins, que ganhou parede e teto verde e sofreu modificações na distribuição das entradas de ar.

"Resolvemos reformar para ter uma casa realmente mais agradável. Trouxe uma alegria, um bem-estar muito bom." Ela sequer mantém ventilador e ar-condicionado no espaço. "Não precisei; aqui tem vento cruzado, a parede verde, tudo isso refresca", explica.

As mudanças climáticas estão mostrando que parte das construções não está adaptada. "Sem essas ondas de calor, o clima de São Paulo pode ser classificado, historicamente, como bom. Os extremos não são tão rigorosos. Exceto nesses períodos muito quentes, antes se conseguia dar conta", comenta a arquiteta Monica Dolce, consultora em conforto ambiental.

Na pandemia

"Agora, com essa questão da pandemia, só de as pessoas estarem mais tempo em casa e por longo período, já estão se dando conta do quanto habitam mal." Dados mostram, por exemplo, que dias de calor extremo na capital paulista têm sido cada mais comuns na última década, um possível reflexo do aquecimento global.

Ela diz que já perdeu as contas de quantas pessoas a procuraram para melhorar as condições da casa onde vivem, desde março. Se, no início da pandemia, a preocupação era conseguir incidência de sol, mais recentemente as reclamações se voltaram para a garantia de um clima mais agradável,

Para a especialista, a produção imobiliária se preocupa com o conforto térmico apenas o suficiente para atender às exigências normativas. Ela destaca que o sombreamento pode reduzir em cerca de 15 vezes a incidência de raios solares.

"É uma coisa que se perdeu muito na nossa arquitetura. A arquitetura moderna paulistana tinha basculantes em cima, embaixo, sempre com muita opção", argumenta. "Fachadas de edifícios altos deveriam ter maior flexibilidade, o andar alto fica mais exposto, precisa de um sombreamento, um brise, algo do tipo. Na hora em que o sol bate na janela, é um maçarico aquecendo aquele ambiente."

A falta de preocupação com o problema também se repete entre o público, conta Otávio Zarvos, sócio-fundador da incorporadora Idea!Zarvos, conhecida pelos projetos de alto padrão em São Paulo.

Em um empreendimento ainda em obras na cidade, por exemplo, a incorporadora adicionou uma persiana metálica automatizada ao longo de toda a área externa do prédio, que fica na frente de uma praça conhecida pelo pôr do sol. "É um item caro, não dá para qualquer prédio", ressalta.
Estadão Conteúdo
 
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