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25/10/2020 às 12:03

Estupro é uma questão cultural e sociedade precisa agir para parar este crime, analisa psicóloga

Luzia Araújo

Uma denúncia de estupro dentro da Unidade de Terapia Intensiva (UTI), do Hospital Municipal de Cuiabá (HMC), chocou a população cuiabana na última semana. A vítima foi uma mulher de 45 anos. Ela esteve em uma delegacia, onde relatou que estava internada no HMC e na madrugada do dia 17 de outubro, notou alguém apalpando o corpo dela. Segundo a vítima, as luzes da UTI já estavam apagadas para que os pacientes pudessem dormir. 

Rapidamente, ela abriu os olhos e viu um homem que disse que estava realizando um procedimento de rotina e em seguida recebeu uma injeção, que fez ela perder os sentidos. Quando  acordou, a mulher viu que estava sangrando e chamou o médico de plantão. O caso foi registrado na Polícia Civil e os homens que estavam na equipe de plantão no dia da denúncia foram afastados até a conclusão do inquérito policial. 

NÚMEROS 

De acordo com dados da Secretaria de Estado de Segurança Pública (Sesp), foram registradas 484 ocorrências de estupro nos primeiros nove meses deste ano. Esse número foi ainda maior no ano passado. De janeiro a setembro de 2019, foram registradas 513 ocorrências no Estado. Se comparado o mesmo período dos dois últimos anos, houve uma diminuição de 6% no número de denúncias desse tipo de crime. 

INVESTIGAÇÃO

Responsável por investigar os casos de estupro na região de Várzea Grande, o delegado Cláudio Alvares Santana, da Delegacia da Mulher, Criança e Idoso da cidade, acredita que essa redução pode estar relacionada a diminuição do número de pessoas nas ruas e o fechamento de algumas atividades econômicas devido a pandemia do novo coronavírus. 

“Geralmente, o estupro do artigo 213, do Código Penal Brasileiro, ocorre, na grande maioria, em via pública ou em festas. Então, diminuindo a circulação de pessoa nas ruas e fechando festas, bares e restaurantes, temos a redução desse crime, automaticamente”.

Outro ponto levantado pelo delegado foi a mudança na forma de denunciar a violência durante o isolamento social. “Antes, praticamente 99% das denúncias, que chegavam na delegacia, eram por meio de boletim de ocorrência. Durante o isolamento social isso mudou. Devido às restrições, as vítimas estavam fazendo as denúncias por meio do telefone, pelos números disque 100 ou 180, e essas denúncias chegavam para nós, mas ela não entra nessa estatística. Então, não é que o crime diminuiu. A forma de denunciar que mudou, porém ela é investigada da mesma forma”. 

Segundo Santana, o estuprador costuma agir no ponto vulnerável da vítima. “Ele se aproveita da vítima que está em horário avançado da noite em lugar ermo ou andando sozinha em pontos distantes”. O delegado explicou também que já houveram casos no qual a vítima conheceu o estuprador pela internet, marcou um encontro e foi estuprada.

“Então, recomendamos que, sempre que for conhecer alguém, que conheceu nas redes sociais ou aplicativos, marque o encontro em lugares públicos, com circulação de pessoas, para caso precise de ajuda tenha alguém para socorrer”, disse Cláudio, destacando que a maioria dos casos atendidos envolvem vítima feminina, porém desde 2019 a lei abrange também as vítimas masculinas.

SEQUELAS  EMOCIONAIS 

Para a psicóloga e mestre em Psicologia, Ana Clara Almeida Silva, que atua há 9 anos em psicologia clínica, direcionando o trabalho levando em consideração a questão de gênero no atendimento, as sequelas do estupro na vida da vítima são diversas.
 
“O estupro, assédio ou abuso pode causar estresse pós-traumático, insegurança e medo de se relacionar, não só sexualmente. A vítima começa a evitar tarefas nas quais ela sinta insegurança, momento em que começa a devolver problemas para fazer coisas do dia a dia, como trabalhar. Além dos traumas emocionais, existem também os traumas sexuais. A vida sexual da vítima fica totalmente prejudicada. Uma coisa é estupro, outra é sexo. E a vítima começa a confundir o estupro com o sexo. Então, muitas mulheres, infelizmente, começam a desenvolver vaginismo, infecções e outras coisas para evitar uma relação”. 

Para superar o trauma de um estupro, a especialista aconselha a busca por uma terapia. “Às vezes, precisamos entrar com medicação e procurar um psiquiatra, mas a vítima vai precisar saber lidar com o trauma que ela sofreu e também aprender a voltar a se relacionar com outro, porque nem todo mundo vai fazer aquilo com ela, novamente. Mas é um trabalho a longo prazo”, explicou Ana Clara ressaltando que as vítimas devem denunciar o estupro sofrido.

“O estupro é uma questão cultural. Então, não adianta só cuidar das pessoas que passaram por esse problema. Nós, da Psicologia, quanto a população em geral, temos que começar a agir para que os estupros parem”.
 
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