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16/01/2021 às 08:22 | Atualizada: 16/01/2021 às 08:25

Criar uma limitação nas exportações de soja é uma insanidade, diz presidente da Aprosoja

Edyeverson Hilario

Devido ao grande volume das exportações de soja em 2020, algumas indústrias tiveram dificuldades em manter os trabalhos no último trimestre do ano. As vendas recordes resultaram em uma espécie de “corrida ao ouro” em Mato Grosso. Com isso, sacas de soja que custavam uma média de R$ 65 em janeiro, chegaram a custar R$170, em dezembro.

Cenário que causaram movimentações no legislativo estadual, que voltaram a discutir uma limitação nas exportações de commodities de Mato Grosso, com o objetivo de proteger as indústrias do Estado de um possível desabastecimento. Essa proposta, por sua vez, é vista como uma insanidade, pelo presidente da Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso (Aprosoja MT), o engenheiro agrônomo e produtor rural, Fernando Cadore.

Recém empossado na entidade, Cadore falou ao Leiagora sobre mercado, custo de produção, desafios da Aprosoja, infraestrutura e a relação da entidade com o governo do Estado.

Leia Agora - Como o senhor avalia o ano de 2020 para os produtores?

Fernando Cadore: Foi um ano de adversidades porque perdemos a referência da precificação. Então, por mais que se imagine que o produtor aproveitou a precificação, ele não aproveitou. O planejamento estratégico acontece com um semestre, um ano de antecedência. Então os produtores venderam praticamente 90%, 95% da produção a preços antigos, até porque a referência do preço mudou. Isso também aconteceu nesta safra.

Juntamente com isso, o que a gente teve de real foi o aumento do custo de produção. Então esse aumento na precificação não se traduziu em renda para o setor. Infelizmente não aconteceu isso. Já no final do ano tivemos um atraso das precipitações das chuvas, então a gente já iniciou a safra 2021 com a insegurança da produtividade.

A precificação mudou. A referência foi perdida, então é como se tivesse colocado uma venda nos produtores e eles não sabiam para que rumo tomar. Qual seria uma condição boa ou ruim de preço, porque se implementaram novas máximas, novas precificação que não se tem a real noção se é bom ou se é ruim.

Leia Agora - O baixo volume e o atraso nas chuvas pode resultar em uma quebra de safra em Mato Grosso?

Fernando Cadore: Sim, pode resultar em uma quebra de safra. Mas, o que a gente tem de concreto é um atraso no plantio. Na janela ideal de produção, tanto da primeira quanto da segunda safra, porque uma vez que você planta a soja mais atrasada, você vai colher com delay também. Esse delay vai fazer com que essa segunda safra também venha em uma janela fora da ideal. Então nós já temos essa preocupação.

Quanto à produtividade, o mês de janeiro vai ser muito importante para definir isso. A gente precisa de regularidade climática neste mês para saber como vai se comportar a produtividade. O fato é que a gente já tem uma perda. Não dá para dizer se é grande, se é pequena. Eu acredito que não seja grande ainda porque os solos estão corrigidos, o plantio também atrasou, então pegou a cultura em uma fase mais pequena, menor. Então o mês de janeiro e início de fevereiro vai ser determinante para saber se vamos ter essa quebra ou não e que tamanho ela vai ser, caso ocorra.

Leia Agora - Em 2020 o Brasil precisou importar soja. Isso deve se repetir neste ano?

Fernando Cadore: É difícil dizer isso, porque tem a ver com a questão cambial. A política cambial fez com que o nosso preço se tornasse atrativo para o mercado externo. Obviamente, a nossa moeda da maneira que está, fica barato não só a soja, mas como as commodities de maneira geral. Isso aconteceu com o minério de ferro, aconteceu com a soja e aconteceu com todas as commodities que tem uso global.

Então, obviamente a partir do momento que você tem essa diferenciação, o produto se torna barato. Não dá para dizer se isso vai acontecer ou não, tudo depende da oferta e da demanda, mas o fato é que o Brasil produz muito mais do que consome. A gente é dependente da exportação e precisamos continuar esses canais.

Vai ser muito difícil dizer ou não se isso vai acontecer. Nós precisamos de uma política melhor de infraestrutura. Armazenagem é uma delas. Precisamos ter armazéns nas propriedades para que os produtores tenham a possibilidade de guardar, se for o caso, mas isso não acontece no nosso Estado e país hoje.

Leia Agora - Nos últimos anos houve mudanças na quantidade de armazenamento de grãos no Estado?

Fernando Cadore: Houve pouca mudança porque a produção cresce em uma velocidade maior do que a estrutura estática de armazenagem. É um ponto que a gente vai trabalhar, vai discutir bastante com os governos. Principalmente com o governo federal, porque isso precisa de incentivo, são investimentos a longo prazo dos produtores e a gente precisa melhorar essa parte, sem dúvida nenhuma.

Leia Agora - Nos próximos anos isso deve ser solucionado?

Fernando Cadore: Nós vamos trabalhar para isso. Precisamos resolver esse problema. É um gargalo e nós vamos levar essa situação para as autoridades competentes para que a gente não tenha uma surpresa desagradável nos próximos anos, com o aumento da produção e da produtividade no nosso Estado.

Leia Agora - Devido à falta de soja em Mato Grosso, a ALMT voltou a discutir uma limitação das exportações do Estado. De que forma a Aprosoja avalia esse tipo de proposta?

Fernando Cadore: É um assunto recorrente que não faz sentido quando se fala de um estado que se consome menos da metade do que se produz. É uma situação adversa, nós somos totalmente favoráveis à industrialização, mas somos desfavoráveis a qualquer barreira que impeça que o produto saia. Uma vez que se você não tem consumo, o que vai fazer com o produto se ele não for exportado? Então, tem que se pensar nisso.

Quando se coloca esse tipo de situação, falta conhecimento e nós estamos aqui e nos colocamos à disposição para quem quiser entender como funciona o setor, de fato. Primeiro vem entender, para depois tentar fazer políticas públicas em detrimento do setor, sem conhecê-lo de fato. Aconteceu isso no Estado de São Paulo agora. Não tem a ver com restrições, mas tem a ver com tributação. Tanto é que o governo do Estado de São Paulo está sofrendo uma represália terrível porque não conversou com a base para entender como funciona o setor.

Nós precisamos de indústria e depois que nós tivermos uma capacidade de industrializar mais de 100% do nosso produto, aí sim, a gente pode falar de qualquer tipo de barreira. Fora disso, é uma insanidade, num lugar que você não tem consumo para o total, você restringir que saia, você estando a 2 mil quilômetros dos portos. Então eu acho que tem que se discutir e tem que se conhecer primeiro para se falar sobre qualquer tipo de situação.

Leia Agora - A falta de conhecimento sobre o setor produtivo tem a ver com bandeiras políticas contra o agronegócio?

Fernando Cadore: Eu acredito que é uma questão cultural. Como cidadão, muitas vezes a gente não se aprofunda em um tema para falar a respeito. Um exemplo disso é a questão ambiental e dos agroquímicos.

Nós vemos os cidadãos falando mal de uma coisa que não conhecem, quando na verdade nós deveríamos ter orgulho. Principalmente da parte ambiental, por morar em um Estado tão sustentável que não existe em lugar nenhum do mundo. Essas pessoas que falam isso, falta comunicação. De repente falta nós trabalharmos para melhorar a nossa comunicação.

Muitas pessoas que falam do próprio Estado de Mato Grosso às vezes endeusam a Europa, uma França que não tem uma mata ciliar nas beiras dos Rios. Uma Holanda que drenou os pântanos para fazer os portos. Enfim, o mundo inteiro não tem 10% da sustentabilidade que a gente tem. Então na mesma forma em que falam de tributação, da sustentabilidade, de um tema sem se conhecer. A gente está denegrindo uma coisa positiva que a gente tem em detrimento de não conhecer, de fato, a realidade.

Cabe a nós de cada segmento esclarecer isso. Por isso, novamente a entidade está à disposição, porque ela existe para isso. Para esclarecer a sociedade, para trabalhar em prol do produtor e todos conheçam de fato como funciona o setor.

Após ter conhecimento total a respeito, aí sim pode se discutir, pode se planificar políticas, caso contrário, é inadmissível que isso aconteça e ninguém deve aceitar esse tipo de colocação.

Leia Agora - A iminente retomada da economia mundial, com o desenvolvimento de vacinas contra o coronavírus, deve aumentar as exportações de grãos?

Fernando Cadore: Em primeiro lugar, o mais importante é o bem-estar coletivo da população. Que essa vacina venha e que traga paz de novo a nós cidadãos e consequentemente o consumo melhore em todos os segmentos. O setor da alimentação é um dos que menos perde, porque o ser humano não para de se alimentar. Porém o trabalhador perde renda. Outros setores sofrem com isso. A gente espera que a estabilidade venha e, acredito sim, que uma melhora nesse ano seja positiva para todos.

Leia Agora - O governo diz que o Estado tem mudado a visão de mercado e começou a olhar para a América do Sul. Hoje Mato Grosso para países vizinhos? Como ele se relaciona com esses países?

Fernando Cadore:
Na verdade, a América do Sul e a América Central é um mercado muito pequeno. Uma porque nós temos países com grandes produções dentro da América do Sul. Como a Argentina que é o terceiro maior produtor mundial. Depois, o Paraguai, que vem em quarto ou quinto lugar, disputando com o Canadá. Então o consumo na América Latina é restrito e não representa uma fatia considerável do mercado mundial.

Obviamente, todo mercado é importante. Porém, nas proporções das commodities que a gente trabalha, não dá para se considerar como um mercado essencial. Evidentemente, todos são importantes, mas não tem essa importância para a soja e para o milho, como o mercado Chinês, como o mercado Europeu. Uma porque alguns países são produtores também e os que não são, o consumo não é tão elevado.

Leia Agora - O senhor assumiu recentemente a Aprosoja, qual será seu principal desafio? Quais serão as suas principais ações?

Fernando Cadore:
Nosso desafio é dar voz ao nosso produtor. Para isso que a gente está aqui. É traduzir o que é pleito, de verdade, dos nossos associados, em ação. Esse é o papel institucional. Fazer essa ponte entre os poderes. Entre os segmentos, a indústria, os nossos fornecedores. Tentar mudar também essa narrativa errada que nós cidadãos temos sobre as questões ambientais, inerentes ao setor. Acho que a gente precisa disso.

Precisamos do apoio de todos, da sociedade de uma maneira geral. Mostrar também para a sociedade que o agricultor do Estado de Mato Grosso são as famílias que estão no campo.

Acho que essa imagem por muito tempo veio distorcida e a gente vem tentando mudar isso ao longo desses últimos três anos, e nos próximos três, que é mostrar a realidade do que a gente tem no campo do Estado de Mato Grosso, que são os produtores pequenos que estão no campo, 50% são de produtores de até 500 hectares, 85% até 3500 hectares que estão lá com suas famílias que residem nos municípios que hoje são pujantes que a 30 anos são existiam.

Essa é a imagem do produtor e essa é a imagem que tem que ser mostrada para a sociedade por muito tempo se equivocou. A sociedade do nosso Estado não tem essa visão e cabe a nós também mostrar isso e é para isso que vamos trabalhar também.

Leia Agora - A reedição do Fethab vai completar três anos. Nela, a soja e o milho tiveram suas tributações alteradas para cima. Os produtores foram contra essa decisão por avaliarem que os recursos do fundo não haviam sido aplicados de forma correta. Esse cenário mudou?

Fernando Cadore: Esse recurso o produtor já paga além do que outros Estados pagam. Não existe em nenhum Estado essa tributação, não existe em nenhum Estado o déficit de infraestrutura que a gente tem. Então os nossos produtores já fazem um sacrifício para ter a infraestrutura.

Por isso, a gente espera que esse dinheiro seja investido em infraestrutura, porque nós precisamos. É uma questão que não atinge só a produção, mas a sociedade de maneira geral, é uma questão socioeconômica. Que o dinheiro seja usado para o fim que foi criado ou que não exista. Isso que o nosso produtor sempre defendeu.

Ele sempre foi contra, porque na verdade o viés de aplicação nunca foi feito e a gente espera que o governo Mauro Mendes use isso para fazer infraestrutura, que o nosso Estado tanto precisa, ou se não, que se acabe o tributo. Se ele não for usado para o motivo que foi criado, ele não deve existir. Essa é a concepção básica. Ou se investe, ou que não exista.




 
 
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