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28/02/2021 às 14:36

Flexibilização para ter acesso à arma: mais violência ou incentivo ao esporte?

Luzia Araújo

Era dia 21 de fevereiro de 2021 quando Jovane Almeida da Silva, de 31 anos, foi morto a tiros dentro da própria casa na frente da esposa. Os disparos, que mataram o morador do município de Alto Paraguai, saíram de um revólver calibre 38. O homicídio foi motivado por uma briga de bar. A arma utilizada no crime foi apreendida pela Polícia Militar quando os suspeitos tentavam fugir. 

Em Mato Grosso, as Forças de Segurança apreenderam mais de 2,2 mil armas de fogo durante ações preventivas e repressivas no ano passado. De acordo com estudos, a arma de fogo é o meio mais utilizado para matar no Brasil. Dados do Atlas da Violência apontam que 72,4% dos homicídios cometidos foram praticados com elas. 

Mesmo diante desse cenário, o presidente Jair Bolsonaro alterou quatro decretos federais de 2019 que regulamentam a compra de armamento e munições no país, aumentando a quantidade de armas de fogo e munições que uma pessoa com registro pode comprar e, ao mesmo tempo, reduziu a fiscalização. 

Bolsonaro sempre defendeu a liberação de armas. Isso foi até uma das suas promessas de campanha durante a eleição presidencial. Logo que assumiu o cargo, ele publicou os quatro decretos e agora, no dia 15 de fevereiro, resolveu editá-los. 

Dentre as mudanças feitas por Bolsonaro estão o aumento do limite de arma de fogo que uma pessoa com registro pode comprar, passando de 4 para 6. Ele também aumentou a quantidade de munições que podem ser compradas, saindo de mil para 2 mil. 

Outra mudança foi permitir que atiradores possam adquirir até 60 armas e caçadores, até 30, sendo exigida autorização do Exército somente quando essas quantidades forem maiores. 

O decreto sobre o porte de arma, que dá o direito de carregar o objeto fora de casa, também foi editado. Quem tiver o porte vai poder circular com até 2 armas de fogo ao mesmo tempo.  

As mudanças causaram muita repercussão, colocando novamente o assunto em debate nas rodas de conversa. Em Brasília, parlamentares tentam barrar as alterações. A deputada federal Professora Rosa Neide (PT) está no grupo. Ela é coautora de quatro Projetos de Decretos Legislativos (PDLs), que visam sustar os efeitos dos Decretos. 

Rosa Neide criticou o presidente, pois segundo ela, em plena curva ascendente da pandemia de Covid-19, propor o armamento da população em vez de priorizar a compra de vacinas.

Já para o pesquisador do Núcleo Interinstitucional de Estudos da Violência e Cidadania e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Naldson Ramos, a flexibilização das armas não traz melhoria para sociedade, pelo contrário pode ser um fator de perigo. 

“As armas de fogo possuem um alto poder de letalidade. Ela tem um poder de agressão muito maior que qualquer outro tipo de arma. Claro, que se mata até com uma pedra, dependendo da circunstância, mas a arma de fogo permite alvejar uma pessoa a 10, 15 metros de distância e de perto, dificilmente, se erra o alvo. Então, ela tem um teor de letalidade muito elevado e isso está demonstrado nas pesquisas, quando analisamos a causa-morte dos homicídios pelo Sistema Único de Saúde”.  

O especialista explicou ainda que uma arma de fogo dentro de casa não significa fator de segurança, pelo contrário pode ser perigoso, quando o objeto começa a fazer parte da vida de uma pessoa. “Existem vários exemplos na imprensa de que arma de fogo dentro de casa pode acabar resultando em acidente, feminicídio, ou em outras tragédias como foi aquela do condomínio entre as duas amigas”.

Naldson também ressaltou que as armas ainda são usadas para solucionar conflitos banais que acontecem entre vizinhos, no trânsito ou na balada. “Arma de fogo circulando ou arma de fogo parada dentro de casa é tragédia na certa, é aumento de homicídio, por tanto é aumento da violência”, disse o pesquisador.

Já Marcelo Eubank sai em defesa das novas regras e acredita que os decretos irão incentivar o esporte, descorda dos números referente à violência, e garante que não há perigo em se ter arma.

Eubank é atirador esportivo e proprietário de uma loja de armas há 2 anos em Cuiabá. Ele se interessou pelo tiro em 2015 quando teve um câncer e precisou ficar em casa para fazer o tratamento. “Comecei a pesquisar sobre o tiro esportivo na internet e me interessei. Quando melhorei, comecei a praticar”, contou. 

O atleta resolveu investir na carreira e abriu uma empresa voltada para o seguimento, além de praticar o esporte, no qual já coleciona títulos e irá representar o Brasil nos jogos Pan-Americano, na Flórida. 

Eubank afirmou que nunca passou por uma situação de perigo depois que a arma começou a fazer parte da vida dele. “Nunca precisei usar para defesa, até porque não é o meu foco, nem da minha empresa e nem dos meus clientes. 99% deles são atiradores esportivos. Eu nem ando armado no dia a dia. Arma para mim é o objeto que eu tenho para praticar o esporte que eu gosto”. 

Para Marcelo, as mudanças feitas pelo presidente foram um progresso e vão contribuir para desburocratizar e viabilizar o esporte. O empresário lembrou que uma pessoa para ter uma arma de fogo em casa precisa atender alguns requisitos e que ela passa por processo rigoroso antes de ter o objeto. 

“Uma pessoa que é atirador esportivo, se ela tiver uma ou 100 armas, não tem diferença nenhuma. A pessoa não vai fazer uma coisa errada por ela ter uma ou 100 armas, porque para tirar um Certificado de Registro no Exército é um processo muito demorado, caro. E hoje no Brasil, economicamente, é muito difícil quem pode ter mais de 2, 3 armas. É raríssimo acontecer alguma coisa com quem é atirador esportivo. Quem quer fazer coisa errada compra uma arma ilegal no Paraguai, não vai fazer com arma legalizada”. 

Sobre possibilidade do aumento da violência com as mudanças nos decretos, o atleta disse que “os países mais armados pela população civil do mundo são os menos violentos. Isso é fato. É lógico que tem tudo a ver com a cultura de cada país. Na verdade, com a entrada do Bolsonaro ficou mais divulgado a questão das armas. Ter uma arma no Brasil sempre pode, porém aumentou a procura, porque ficou em evidência. E por outro lado, tem diminuído, significamente, a questão de violência. Então na minha opinião, com a população armada o país fica menos violento. O que não pode acontecer, acontece aqui com a gente no Brasil. A população não ter arma e só o bandido ter. Quem não está apto a manusear, não quer frequentar um clube de tiro, é melhor não tê-las. Se a pessoa quer ter uma arma, ela tem que conhecer, estudar e praticar, se não acaba sendo perigoso”.

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