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21/03/2021 às 07:56 | Atualizada: 23/03/2021 às 20:40

Entenda como a pandemia impactou na violência doméstica e no abuso infantil

Luzia Araújo

“Você é inútil, não limpa a casa”. “Você não prestava nem para lavar roupa”. “Você é louca”. Essas foram algumas das frases que Rosangela* (nome fictício) ouviu do marido durante os seis anos de um casamento com violência física e psicológica. “Ele puxava o meu cabelo, apertava o meu rosto contra a parede, torcia o meu braço, puxava a minha orelha e quando me bateu de ficar marcas foi o dia que falei que iria sair de casa”.     

A paixão entre a funcionária pública e o agressor foi avassaladora. Com três semanas juntos, o homem quis casar com ela. Rosangela aceitou a proposta e o casal comprou uma casa em Várzea Grande, onde passaram a morar juntos. O que ela não esperava era que o amor iria se transformar em dor, logo em seguida. 

Depois de alguns meses morando juntos, o marido de Rosangela passou a implicar com o seu serviço e pediu para a esposa deixar o trabalho. A funcionária pública começou a sofrer calada com a mudança de comportamento do esposo e ao desabafar com as colegas do trabalho ouviu que tudo era normal e que ele estava apenas com ciúmes. 

Mas, com o passar do tempo, a relação entre o casal foi piorando e as discussões passaram a ser acompanhadas de murros na parede e humilhações. “Você é inútil, não limpa a casa. Você não prestava nem para lavar roupa”, ouviu Rosângela do marido.   

Tempo depois, as brigas começaram a ter as agressões físicas, além da violência psicológica. A funcionária pública foi agredida três vezes pelo marido. Em uma delas, a mulher estava gestante de cinco meses e levou lapadas com a mangueira da ducha do chuveiro. “Tudo era motivo para eu ficar de castigo ou apanhar”. 

A tortura não parou nem depois que a mulher teve o filho do casal. Depois de dar à luz, Rosângela sofreu com rachaduras na mama e foi aconselhada pelo médico a parar de amamentar para não dar sangue ao filho. Mas, a medida não foi bem aceita pelo esposo. “Você não presta nem para dar de mamar. Já pensou se não tivesse leite em pó? Meu filho iria morrer”, disse o homem.  

Cansada de sofrer, Rosangela teve coragem de terminar o casamento e procurar ajuda no Poder Público e na Ong Lírios, que acolhe mulher vítimas de violência doméstica. Assim como a funcionária pública outras mulheres sofreram com a violência durante a pandemia do coronavírus.

Dados da Secretaria de Estado de Segurança Pública de Mato Grosso mostram que os homicídios dolosos com vítimas femininas caíram de janeiro a dezembro do ano passado, se comparado ao mesmo período de 2019. 

Entretando, os crimes de feminicídios, que É o homicídio praticado contra a mulher em decorrência do fato de ela ser mulher, aumentaram 65%. O levantamento aponta que 65 mulheres morreram em Mato Grosso, de janeiro a dezembro de 2020. Já em 2019, foram registrados 39 casos. 
  
Para Rosana Leite Antunes de Barros, defensora pública e coordenadora Núcleo de Defensa da Mulher, o crescimento do feminicídio está ligado ao período de isolamento social enfrentado pela população durante a pandemia.  Além disso, a especialista classificou a situação como preocupante, já que, segundo ela, outros crimes menores antecedentes o feminicídio e eles foram subnotificados. 

“Tivemos um aumento da violência contra a mulher durante o isolamento social. Esse aumento foi visível quando vimos a estatística de aumento dos feminicídios. Se houve crescimento desse crime é claro que tivemos um aumento da violência, mas que foi subnotificada, o que nos preocupa. Sabemos que os feminicidios são delitos anunciados e que acontecem precedidos de outros crimes menores. Então, a mulher precisa se enxergar como vítima e procurar o poder público para que possamos ajudá-la a sair do ciclo da violência doméstica e familiar”. 

Um dado alarmante sobre este triste cenário é que 79% das vítimas de feminicídios não possuíam registros anteriores de violência doméstica, ou seja, nunca tinham feito boletim de ocorrência contra o agressor. Conforme o estudo divulgado pela Superintendência de Observatório de Segurança Pública, em 74% dos casos, o local do assassinato foi dentro da própria residência. 

Para a juíza da 2ª Vara Especializada de Violência Doméstica e Familiar contra Mulher da capital, Tatiane Colombo, a melhor forma para combater a violência e salvar vidas é a denúncia.  

“Precisamos aprender a fazer uso de uma ferramenta muito importante que é a denúncia, porque a violência cresceu e, muitas vezes, as pessoas que são vítimas, até por conta da pandemia, não denunciam, porque não tem para onde ir ou não sabe o que fazer. Nós, que trabalhamos no combate a violência contra a mulher, estamos à disposição delas”. 

Violência infantil

Enquanto as Forças de Segurança registraram um aumento na violência contra a mulher na pandemia, alguns crimes envolvendo crianças e adolescentes caíram no último ano. 

Dentre as principais ocorrências envolvendo vítima menor de 18 anos, o crime de lesão corporal teve uma redução de 26% nos casos, seguido por ameaça (30%), estupro de vulnerável (21%) e assédio sexual (13%). Por outro lado, o crime de importunação sexual aumentou 19%. Os casos de corrupção de menor cresceram, passando de 533 em 2019 para 657 no ano passado. Os dados da Secretaria de Estado de Segurança Pública. 

A assistente social, Leila Chaban, explicou que a redução nos números de ocorrências não significa que a violência contra a criança e adolescente acabou e que isso pode estar ligado a suspensão das aulas presenciais.

“A escola é um local de sociabilidade, onde os profissionais costumam identificar os casos de abuso, através dos comportamentos que a vítima demonstra. Sabemos que nem todos os profissionais identificam isso, então é preciso qualifica-los para que eles consigam identificar e acionar a Justiça. O abuso sexual sempre impactou a vida da criança e do adolescente, principalmente, no ambiente familiar. Agora, no contexto da pandemia, isso foi muito mais impactante pelo fato da criança estar mais tempo em casa, onde é o local que ela é mais violentada”. 

Já a delegada Mariell Antonini Dias, da Delegacia Especializada de Defesa da Mulher Criança e Idoso de Várzea Grande, disse que apesar das crianças estarem fora da sala de aula, elas desenvolvem confiança por determinada pessoa da família, babá ou amiguinhos e acabam falando o que estão sofrendo. 

Mariell explicou ainda que existem muitas denúncias nas quais as mães não acreditam nos relatos da filha, quando o agressor da violência sexual é o padrasto. Por isso, ela ressaltou que os pais devem levar em consideração que os filhos falam e adotar medidas enérgicas.

“A criança não tem motivo para mentir. Então, se ela relatar um crime de violência sexual, os pais precisam levar em consideração e adotar medidas, caso isso seja levado ao seu conhecimento”.
 
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