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04/04/2021 às 11:00 | Atualizada: 04/04/2021 às 11:31

Presidente da OAB-MT analisa batalha de decretos e vê falta de educação da população que aglomera

Eduarda Fernandes

Com o aumento do número de casos e óbitos por covid-19, e consequentemente o colapso da rede pública de saúde de Mato Grosso - não há leitos de UTI para todos os doentes - o que se viu foi mais um infeliz capítulo da batalha política entre o prefeito de Cuiabá, Emanuel Pinheiro (MDB), e o governador do Estado, Mauro Mendes (DEM).

Enquanto disputam quem dá a palavra final, jogando para o Poder Judiciário a martelada final, a população fica à mercê de uma gangorra de decretos, sem saber se o comércio abre ou fecha, se o sistema híbrido está ou não permitido nas escolas, se a vida segue ou para. Uns suplicam pelo lockdown, outros escorraçam até mesmo a “quarentena” e seus 56 serviços essenciais. Uns cobram o direito à comida, outros imploram pelo direito à vida.

E longe de fazer defesa da população, que pelos altos índices de infectados e mortos pela doença pandêmica revela sua incapacidade de seguir o isolamento social. Abarrotam-se em bares - hoje com portas semiabertas para disfarçar a irresponsabilidade -, fundos de quintais, beiras de rio, além das festas clandestinas. Mas enquanto esse caos se enraíza na rotina da cidade, aqueles que deveriam apontar a direção desse barco, sequer conseguem entrar num consenso de quais medidas devem ser adotadas.

Diante do assunto que tomou conta da semana, o Leiagora conversou brevemente com Leonardo Campos, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, seccional Mato Grosso (OAB-MT), para colher sua visão acerca do atual cenário e das questões legais dos decretos.

A entrevista foi feita na quarta-feira (31), um dia após Leonardo intermediar uma reunião entre Emanuel e a presidente do Tribunal de Justiça, desembargadora Maria Helena Póvoas. Até então, sem estar a par da integralidade do decreto que o prefeito havia acabado de editar, Leonardo se baseou nas afirmações do prefeito durante a reunião.

Leonardo Campos - “Ao que me consta que o prefeito comunicou, inclusive em uma reunião que eu intermediei entre ele e a presidente do Tribunal, na qual ele mencionou na live, é que ele iria seguir o decreto do Governo do Estado, liberando as atividades essenciais consideradas no decreto federal. Se ele fez isso, não fugiu da regra posta”.

Leiagora - Não fugiu da regra, mas “fugiu da raia”? Não seria momento de enrijecer as medidas diante do momento que estamos?

Leonardo Campos -
Vamos lá, sem fazer defesa, eu estou fazendo a defesa da lei. Governador impôs as regras, disse que o decreto é obrigatório; ele [Emanuel] vai seguir o decreto do governador; no decreto do governador não classifica os serviços essencias, você vai buscar onde? No decreto federal. Se você está seguindo o decreto federal e cumprindo o decreto do governador, que é obrigatório seguir, onde que você está fugindo da raia? Você está seguindo o que determina a lei.

Leiagora - Então se alguém quiser reclamar de alguma coisa, tem que ser com relação ao decreto do Estado?

Leonardo Campos -
 Ele disse que seguiria na íntegra os horários fixados pelo decreto do governador, até porque há uma decisão nesse sentido, e que classificaria os serviços como essenciais aqueles tomados no decreto federal. Então, legalmente, os prefeitos, e não estou dizendo o da Capital, neste sentido caminhariam de acordo com a lei. Agora, o decreto federal traz uma série de serviços considerados essenciais que neste momento poderiam estar restrito. Por exemplo, barbearia, salão de beleza, academia.

Leiagora - A opinião pessoal do senhor é essa, que poderia enrijecer mais as medidas?

Leonardo Campos -
 Acho que neste momento o esforço tem que estar concentrado em evitar aglomeração e no combate às festas clandestinas. A posição, tanto minha, quanto da OAB, até porque nós, OAB, pedimos o Poder Judiciário aberto, é que o ambiente de trabalho não gere aglomeração e seja um ambiente seguro. Não se está a aglomerar no ambiente de trabalho. E digo isso por conta da própria OAB. Nós temos aqui na OAB 160 funcionários. Nós não paramos um dia, a não ser quando estava proibido ano passado e agora novamente que está vedado o atendimento ao público externo, mas funcionará internamente em regime de escala. E aqui na OAB os índices de covid foram baixíssimos. Por que? Porque o funcionário está protegido, usa máscara o tempo todo, mantém o distanciamento, usa álcool em gel. Então para nós é muito claro que o ambiente de trabalho seguro, e dados científicos inclusive mostrados pela Fiemt dizem isso, contribui para a não proliferação do vírus. Que o trabalhador estaria exposto é aos finais de semana, no lazer, nas festas, nas reuniões, nos churrascos, aí sim ele estaria exposto até porque está aglomerando e no ambiente do trabalho ele estaria mais protegido porque é supervisionado.

Leiagora - Presidente, do ponto de vista legal, dentro das ferramentas que temos hoje, o que é possível fazer para tentar coibir as aglomerações? Sabemos que existe essa cobrança sobre os gestores, os decretos, mas na prática a população continua aglomerando nos rios, nos churrascos em família.

Leonardo Campos -
Aí passa até por educação, né?! Acho que nós tínhamos que trabalhar um conceito. A população realmente, eu concordo, ela sente a doença, se comove com a doença, fica impactada com o número de pessoas mortas, principalmente quando tem um parente, mas quando não é com ela parece que aquilo passa um pouco próximo-distante, se é que isso existe, entendeu? Então ela continua não colaborando, continua aglomerando, continua vivendo paralelamente uma vida como se estivéssemos na normalidade. Só cai a ficha quando ela se contamina e precisa de um leito hospitalar e não tem. Aí ela começa a se conscientizar. E isso passa até por educação. Necessita sempre um país investir em educação. E aí nós vemos a própria contradição, temos academias - com todo respeito aqueles que atuam no setor – salão de beleza, barbearia abertos e escolas fechadas.

Leiagora - É realmente uma situação muito delicada, não dá apenas para culpar os gestores porque as pessoas também não fazem a parte delas.

Leonardo Campos -
Eu acho que há culpa, porque o Brasil não estava, de um modo geral - União principalmente, você vê a condução dada pelo presidente sem partido político, parece que agora caiu a ficha dele, com mais de 300 mil mortos, precisou morrer 300 mil brasileiros – mas União, Estados e Municípios não estavam preparados para o enfrentamento da pandemia. Isso é fato, não dá para tirar a responsabilidade de gestores. Nós tivemos aí o ano de 2020 para preparar, tentar entender. Viramos 2021. Tivemos aglomeração no final do ano. Mesmo com o Carnaval cancelado, aglomeração no Carnaval. E o resultado está aí, quase 200 pessoas esperando leito de UTI, o sistema colapsado em razão da ausência de preparo ou estrutura deficitária do poder público, somado, com grande parcela de responsabilidade, à população que também não contribui. É uma junção de fatores”.

Leiagora - Para a OAB, nessa briga de decretos, o que cabe?

Leonardo Campos -
 Cabe enquanto fiscal da sociedade alertarmos, orientarmos, que é o que nós temos feito. Fiscalizar. Porque a competência é do gestor público municipal que foi eleito para tal. A competência é do Executivo Federal, Estadual, Municipal. Na nossa ótica não cabe, obviamente, salvo quando há um extrapolamento ou ilegalidade, a interferência do Poder Judiciário na gestão das políticas públicas. Isso para nós é muito claro”.
 
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