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08/04/2021 às 14:00

Veja as pandemias e crises superadas nos 302 anos de Cuiabá

Paulo Henrique Fanaia

Hoje Cuiabá completa 302 anos de sua fundação e apesar dos tempos díficieis vividas no último ano em decorrência da pandemia do coronavírus, é possível encontrar na história da capital mato-grossense motivos para acreditar em dias melhores. É uma cidade que tem muito o que comemorar, tanto pela história, quanto pelas conquistas. 

No dia 19 de março de 2020 foi oficialmente registrado o primeiro caso de covid-19 em Cuiabá. Hoje, mais de um ano depois, Cuiabá tem 69.192 infectados e 2.252 mortes, de acordo com os dados divulgados pela Prefeitura de Cuiabá nessa quarta-feira (7).

Sim, o povo cuiabano está com medo, aflito, cansado, triste e acima de tudo, em luto, mas o que a história tem para contar sobre a força desse povo para enfrentar crises? Para relatar os momentos difíceis já vividos pela população cuiabana, o Leiagora conversou com o pesquisador e escritor João Carlos Vicente Ferreira, que mostra como foi possível superar outras pandemias e até mesmo guerras, dando esperança de que é possível superar momentos como os atuais. 

Guerra do Paraguai

Um dos primeiros momentos que abalaram a capital mato-grossense foi a famosa Guerra do Paraguai, ocorrida entre os anos de 1865-1870. A guerra ocorreu em um momento em que a Província de Mato Grosso passava por sérias dificuldades de comunicação com o litoral brasileiro, especialmente com a capital do Império, a cidade do Rio de Janeiro. Além dessas dificuldades, nossa província possuía um exército inferior ao inimigo, não tendo a possibilidade de defender a extensa fronteira que possuía com o Paraguai e a Bolívia.

Para se ter uma ideia, quando ocorreu a ocupação paraguaia em Corumbá, em dezembro de 1864, o efetivo de soldados paraguaios era de cerca de 7.700 homens, já o exército brasileiro era de 875 militares e 3 mil membros da Guarda Nacional. Os mato-grossenses não conseguiram vencer a força do exército inimigo.



Durante toda a guerra o povo cuiabano sofria com a falta de informações e com as notícias desencontradas sobre os fatos ocorridos nas frentes de batalha, sem contar a escassez de insumos e alimentos para a população.

O pesquisador João Carlos Vicente relata: “imaginemos a dificuldade de se obter notícias das ocorrências nessa época. Os dois únicos caminhos que tínhamos era a estrada de terra de Cuiabá a Goiás Velho, e o caminho fluvial, o mais usado, através do Rio Paraguai, porém, este estava impossível de ser navegado, porque era permanentemente vigiado pelos soldados paraguaios. O impacto na sociedade como um todo foi o de sofrimento, desespero, falta de perspectivas e medo de uma eminente invasão.”

Vírus da Varíola e da Cólera

Logo após a retomada de Corumbá, em 1867, e entusiasmados com as vitórias, vários soldados retornam a Cuiabá trazendo notícias de seus feitos. Porém, ao mesmo tempo esses soldados voltaram infectados com o vírus da varíola.

Cuiabá tinha na época cerca de 12 mil habitantes e foi violentamente assolada pela doença. Tem início um quadro trágico na capital, onde quase a metade da população que não havia sido atingida pela guerra, veio a falecer vítima da varíola, que na época foi popularmente conhecida como “bexiga”.

A epidemia atingiu todas as famílias cuiabanas, sem atentar para condição social ou econômica. O perigo de infecção era imenso e não havia como contar com vacina preventiva. João Carlos conta que o voluntário António Felix foi a primeira vítima da varíola, tendo falecido em sua residência no Beco Quente a 2 de julho de 1867, depois de retornar de Corumbá. Em 15 de agosto de 1867, a epidemia chegou ao seu ponto máximo. 

À época havia poucos cemitérios em Cuiabá e estes não foram suficientes para enterrar os vitimados pela doença. Com isso, o governo provincial determinou que os cadáveres fossem enterrados no Cemitério Nossa Senhora do Carmo, especialmente aberto para enterrar vítimas da varíola, denominado pelos moradores de Cai-Cai.

Para se ter uma ideia, estima-se que de junho a dezembro de 1867, foram registradas 971 mortes na Paróquia do Senhor Bom Jesus de Cuiabá, sendo estimado um total de 2.775 óbitos entre os anos de 1865 a 1874.

Os poucos médicos da cidade se dividiam para conseguir atender preventivamente também nas cidades vizinhas. A cidade teve que se reinventar, pois com quase metade da população ceifada, não havia de ser diferente. Medidas de higiene foram tomadas, todavia, era difícil conter o avanço do vírus.

Outro fato que marcou Cuiabá foi a epidemia de cólera ocorrida em 1887, às vésperas da Republica. Nessa época, a experiência com a varíola deixou lições valiosas, uma delas foi a necessidade de se preocupar com a higiene e também a iniciativa de isolar doentes e impor quarentenas, tal como fazemos hoje em dia com a covid-19.

A Gripe Espanhola

Já em 1918, veio a famigerada epidemia da Gripe Espanhola, uma das doenças que recentemente foi comparada à covid. Ainda era um período de poucas comunicações entre as cidades de Mato Grosso, no período final da Primeira Guerra Mundial, com preparativos para os festejos dos 200 anos de Cuiabá durante o governo de Dom Aquino.

“A imprensa não deu muita importância à Gripe Espanhola no primeiro momento, no entanto, com o passar dos meses, com contágios e mortes, o cerco se apertou e o grito foi grande”, relata o pesquisador.

A gripe, que durou até o ano de 1919, atingiu aproximadamente 3 mil pessoas em Cuiabá com um total de 29 óbitos. No front de batalha contra a gripe estava Caio Corrêa, médico particular e principal conselheiro da área de Medicina de Dom Aquino. O profissional contribuiu para a elaboração de relatórios e na publicação de diretrizes para os infectados, sendo este relatório publicado em 5 de novembro de 1918.

Em suas orientações, o médico deixava claro o perigo das aglomerações e circulação em ambientes pouco arejados, necessidade de evitar resfriados e a fadiga, bem como, evitar o excesso na alimentação, bebidas alcoólicas e gelados. Outra recomendação era de deixar os doentes em cômodos separados.

Na época, o governo de Mato Grosso passou a fiscalizar a chegada de embarcações vindas de Corumbá no porto do Rio Cuiabá. Além disso foram estabelecidas cinco zonas da cidade de Cuiabá a fim de realizar a profilaxia da doença, sendo elas no centro da cidade, entre a rua Barão de Melgaço e a margem direita do Córrego da Prainha; Rua Barão de Melgaço subindo os bairros da Boa Morte e Lavapés; Avenida Ponce até o Largo do Arsenal; bairro do segundo distrito até o Rio Cuiabá e bairros do Areão, Bahú, Mundéo e margem esquerda do córrego.

Os enfermos eram tratados em casa ou internados na Santa Casa de Misericórdia ou no Hospital São João dos Lázaros.

E o Futuro?

Como vemos, não é a primeira vez que Cuiabá enfrenta uma crise sanitária ou uma crise que assola a sua população. Porém uma coisa a história mostrou, sempre foi possível se reerguer e, mesmo em crises, a capital mato-grossense conseguiu prosperar.

Portanto, por mais escuro que os dias pareçam, olhar para o passado também ajuda a entender como superar as dificuldades. E dá motivos também para celebrar esses 302 anos com fé na ciência, fé na vacina e acima de tudo, fé nessa população guerreira, forte, calorosa. E parodiando Euclides da Cunha: “o povo cuiabano é, antes de tudo, um forte”.

 
Este texto teve a colaboração do pesquisador e escritor João Carlos Vicente Ferreia e também teve como base o livro “História de Mato Grosso – Da ancestralidade aos dias atuais” de Elizabeth Madureira Siqueira e o artigo “A Gripe Espanhola em Mato Grosso e suas lições em tempos de pandemia da covid-19” de Manuela Areias Costa.
 
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