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02/05/2021 às 10:00 | Atualizada: 02/05/2021 às 13:44

Giraldelli deixa o TRE, avalia a gestão e fala dos desafios da atuação durante a pandemia

Camilla Zeni

Depois de dois anos comandando o Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso (TRE-MT), o desembargador Gilberto Giraldelli passou o bastão para uma nova equipe de dirigentes na última segunda-feira (26), quando encerrou seu biênio 2019/2021. 

Ao lado do corregedor geral, desembargador Sebastião Barbosa, Giraldelli teve uma gestão que enfrentou não apenas uma pandemia, com a disseminação do novo coronavírus, mas também o que ele chamou outrora de “prova de fogo”: a junção das eleições municipais com uma suplementar, em meio a uma série de medidas de biossegurança.

Em entrevista ao Leiagora, o desembargador avaliou positivamente a gestão realizada e destacou que o Tribunal foi condecorado com o selo de ouro do Conselho Nacional de Justiça na última quinta-feira (29). O magistrado também agradeceu a parceria da imprensa com a instituição, ressaltando a importância do relacionamento para que os propósitos da gestão fossem alcançados. 

Abaixo, confira como foi a entrevista:


Leiagora - Uma das principais campanhas da sua gestão foi pela implantação do Processo Judicial Eletrônico (PJe). O senhor acredita que conseguiu atingir o que esperava?

Des. Gilberto Giraldelli - Nós conseguimos deixar o Tribunal com 100% dos processos no meio virtual, ou seja, não temos mais processos, seja nas zonas eleitorais seja nos próprios cartórios. Então, a implantação do PJe foi um sucesso e, inclusive, isso culminou na agilidade no processo de registro dos candidatos em 2020. Nós tivemos uma quantidade muito grande de candidatos a vereadores, prefeitos…

Foram mais de 12 mil candidaturas e, felizmente, graças a implantação do PJe, conseguimos dar uma agilidade nos pedidos de candidatura e também naqueles processos naturais relacionados às eleições, representações por abuso de poder, compra de voto, tudo não está mais sendo tramitado no meio físico. Foram volumes e volumes de processo que hoje estão sendo substituídos pelo meio virtual. Uma agilidade muito grande graças ao processo eletrônico.


Leiagora - Outra pauta que ficou marcada na sua gestão foi a implantação da biometria. Como o senhor avalia o avanço desse aspecto no último biênio?

Des. Gilberto Giraldelli - A questão da biometria nós tivemos, infelizmente, ao longo dos dois anos da minha gestão, praticamente 11 meses em situação de normalidade, em condições de serem feitas a biometria. Porém, a partir de março de 2020 precisamos paralisar todo esse processo. Hoje, alcançamos algo próximo a 85% do eleitorado mato-grossense já com a biometria. Então, eu quero crer que, assim que for permitido, que haja permissão de saúde, nós poderEmos alcançar facilmente o restante de 15%. 

Inclusive, eu quero ressaltar que nós fizemos a aquisição de uma unidade móvel, um ônibus que hoje tem uma estação de trabalho e mais duas do lado externo. Ele chegou exatamente em março de 2020. Foi adquirido para atender a população com uma descentralização e facilitar o acesso do eleitor aos sistemas eleitorais. Infelizmente, por uma coincidência, não tivemos nem como inaugurar esse ônibus. Ele está lá no TRE, pronto para ser usado, e vai servir para a próxima gestão aproximar o TRE da população, e eu sei que uma das metas do desembargador Carlos Alberto, novo presidente do TRE, é essa. Esse ônibus vai se deslocar por todos os bairros, todas as comunidades distantes, zonas eleitorais no interior e vai facilitar sobremaneira o acesso do cidadão à Justiça Eleitoral.


Leiagora - Também quando o senhor assumiu, comentou a respeito de um orçamento limitado para atuações em projetos nesse biênio. Já na despedida da gestão, o desembargador Sebastião também desejou mais recursos financeiros para a Justiça Eleitoral. Como funciona o orçamento? O senhor acredita que algum projeto ficou prejudicado por falta de lastro financeiro?

Des. Gilberto Giraldelli - O orçamento foi reduzido, não tenha dúvida, mas, em função da pandemia, nós conseguimos fazer adequações de forma que nós, felizmente, conseguimos cumprir nossos objetivos dentro daquilo que foi estipulado. Para se ter uma ideia de questão de orçamento, foram três eleições em 2020, a suplementar do Senado, o primeiro turno para todos os municípios e o segundo turno em Cuiabá.

A ideia que fica marcante em relação a orçamento é que nós gastamos menos em 2020 do que em todas as eleições anteriores, 2016, 2018… Então, nós tivemos uma economicidade muito grande em função dessa adaptação à necessidade de se trabalhar com um orçamento enxuto, e felizmente conseguimos desenvolver um bom trabalho nas eleições, que foram difíceis de realizar em meio a essa pandemia. Ela trouxe um aumento de custos em função da necessidade de se deslocar, se preparar com materiais de limpeza, mas, por outro lado, cortamos horas de voo, diárias e várias outras situações


Leiagora - É. Em 2020 o senhor chegou a comentar que a experiência das eleições municipais em conjunto com a eleição suplementar para o Senado foi uma "prova de fogo". Por que?

Des. Gilberto Giraldelli - É que tivemos que equacionar. Tivemos a necessidade de tomar medidas extras. Nunca se pensou em fazer uma eleição com álcool em gel, com máscaras, equipamento de proteção individual, ou seja, uma coisa que não se tinha dimensão, ninguém tinha vivenciado ainda uma situação como essa. Apesar desses EPIs virem, grande parte, como doação de empresas, tudo isso demandou orçamentos e custos que foram feitos. Também tudo foi feito de forma virtual. As reuniões, qualificações, os treinamentos, em grande parte foi feita em meios virtuais, e isso, evidentemente, gerou uma economia.


Leiagora - Inclusive, em relação a isso, a gestão do senhor vivenciou essa pandemia, tendo que se readequar. De que forma a chegada da doença impactou na atuação da Justiça Eleitoral? 

Des. Gilberto Giraldelli -
Sem dúvida impactou, assim como em todos os tribunais do país, que passaram a trabalhar em um novo modelo. Hoje, o trabalho remoto é uma realidade. Os servidores e trabalhadores já estão, praticamente, há mais de um ano dentro das suas próprias residências. Temos tomado as medidas todas de sanitização, de precaução, para evitar a contaminação pelo coronavírus, e a única forma que encontramos era que todos trabalhassem de forma remota. Para isso, investimos pesadamente nas tecnologias da informação, que é um ramo sensível do Tribunal e que merece todo o preparo, todos os equipamentos e treinamentos. E isso deu resultado, porque nossos índices foram batidos, as metas foram todas batidas. Então, apesar de se trabalhar de uma forma remota, nós conseguimos atingir os nossos objetivos do ponto de vista das metas estabelecidas pelo CNJ. Os processos foram julgados com formalidade e, às vezes, até com maior agilidade, até porque a implantação do PJe elimina etapas que antes eram muito demoradas e isso torna o processo muito mais ágil. Desde o início até o final ele se dá em tempo muito mais rápido e isso exige que o Tribunal tenha um preparo, não só de equipamento mas um treinamento para que os servidores e magistrados possam dar conta dessa situação. Eu creio que assim como o Tribunal de Justiça, o TRE teve um ganho muito grande de produtividade, mesmo em meio a essa pandemia.



Leiagora - O senhor acredita que alguma das medidas adotadas nesse período deverá permanecer nas próximas gestões?

Des. Gilberto Giraldelli -
Eu acredito que essa questão do trabalho remoto é algo que não tem mais volta. Não vou dizer que se vá trabalhar 100% remotamente, como hoje estamos fazendo. A Justiça Eleitoral tem suas especificidades. Por exemplo, nós não temos como substituir o servidor que vai atender o cidadão para fazer o alistamento eleitoral ou uma transferência. Isso tudo é feito de forma física. As outras etapas, os outros aspectos administrativos, podem ser substituídos. Evidentemente não todos, mas uma parte apenas fisicamente no Tribunal. Nas zonas eleitorais, que são a linha de frente da Justiça Eleitoral, que atendem diretamente o eleitoral, a população, ali tem que ser retornado o sistema anterior de trabalho presencial. Aqueles que estiverem trabalhando remotamente podem, inclusive, ter um maior encargo de produtividade porque eles, naturalmente, deixam de fazer o trajeto de casa até o Tribunal, horário para almoço, então esse tempo todo pode ser ampliado para o horário de trabalho e, certamente, vem uma produtividade maior ainda daqueles que trabalham remotamente.


 
Leigora - Em geral, quais foram os maiores desafios da sua gestão?

Des. Gilberto Giraldelli -
Na verdade, eu costumo dividir a atuação do TRE em três aspectos: o político, o administrativo e o jurisdicional. Na questão política, nós tivemos a necessidade de se realizar três grandes eleições. Foram todas realizadas com pleno sucesso, mesmo com a pandemia. Não tivemos nenhum incidente durante o processo de votação e apuração. Inclusive, a apuração foi a mais rápida de todas as apurações do TRE-MT. Foi uma apuração histórica. Houve uma certa demora na divulgação dos dados, mas eles já estavam contabilizados e enviados para o Tribunal Superior Eleitoral e lá, por situações já conhecidas, houve uma aglomeração de dados e acabou demorando um pouco. Mas da parte do TRE foi pleno sucesso, apuração recorde. Foi uma eleição que, em meio a pandemia, teve excelente resultado. 


Do ponto de vista administrativo, eu gostaria de destacar que, apesar dessa questão de orçamento, conseguimos fazer o provimento de servidores que estavam em aberto há muitos anos nas zonas eleitorais. Era um problema muito sério. As zonas eleitorais eram comandadas por servidores das prefeituras requisitados, e isso não era o ideal, por questões óbvias. Conseguimos dar posse a vários servidores nos cargos de analistas, técnicos dos cartórios. Conseguimos prover grande parte das zonas eleitorais mesmo com essa restrição orçamentária. Fizemos vários treinamentos de reciclagem, implantamos o trabalho remoto, que teve grande resultado… O TRE inaugurou a usina fotovoltaica aqui na nossa sede, que gerou uma autonomia de energia não só para o prédio do TRE mas também para várias zonas eleitorais em que tivemos a implantação de mini usinas. Quer dizer, hoje a autonomia é muito grande. Fizemos convênio com a Justiça do Trabalho e onde pagávamos aluguéis hoje compartilhamos o espaço com as varas trabalhistas. Quero, inclusive, fazer um agradecimento à direção do Tribunal Regional do Trabalho, em nome do dr. Nicanor Fávero, que nos atendeu prontamente. Já falei sobre a compra desse ônibus que vai ser usado na questão da biometria e, acabando essa questão, que a gente espera que seja rápido, da questão da saúde pública com a pandemia, a gente espera atingir facilmente os 100% do nosso eleitorado todo biometrizado. Aí esse ônibus poderá atender a toda a população na praça pública, sem a necessidade de se deslocar até as zonas eleitorais mais distantes ou à Casa da Democracia. 

Sobre o ponto de vista jurisdicional, tivemos julgamentos ágeis mesmo diante da pandemia. As sessões virtuais foram todas elas realizadas pelo sistema Zoom, que facilitou sobremaneira a presença dos advogados, que poderiam participar dos julgamentos mesmo estando em locais mais distantes aqui no Estado e sem a necessidade de se deslocar para a sustentação oral. Tudo isso funcionou muito bem, mesmo em meio à pandemia. 

E a conjugação de todas essas providências de ordem administrativa levou o Tribunal Regional Eleitoral a uma situação que nunca havia sido experimentada anteriormente. Nós temos um selo de qualificação que é atribuído pelo CNJ. Mais da metade dos tribunais não consegue nem mesmo a qualificação e essa era a situação que nós tínhamos dois anos atrás. Mas nós conseguimos, no primeiro ano da nossa gestão atingir a qualificação do selo prata. E no segundo ano da nossa gestão, recebi na quinta-feira (29) a informação do CNJ que fomos reclassificados para o selo ouro, ou seja, é motivo de orgulho não só para a administração, mas para todo o corpo de servidores e juízes eleitorais. Conseguimos alcançar a mais alta qualificação atribuída pelo CNJ em razão dessas melhorias.

Leiagora - A respeito dos julgamentos, o Tribunal, recentemente, recebeu críticas em razão da rápida cassação da ex-senadora Selma, enquanto apenas na segunda-feira (26) teve a análise do recurso do deputado Carlos Avallone, que também foi cassado. A crítica é em relação à diferença de tratamento entre os réus e por uma suposta parcialidade da Justiça. Como o senhor recebe essas críticas?

Des. Gilberto Giraldelli -
Questão de processos eu sempre digo: há processo e processos, situações e situações. Muitas vezes o processo está baseado em provas documentais que são irrefutáveis, ou seja, que você não tem como deixar de considerar. Outras ações, às vezes, precisam de perícias, colheita de provas, então há uma série de situações que são diferentes. Nós temos situações em que há recursos, inclusive ao TSE, e ele pode demorar um pouco mais de tempo para analisar. Eu quero deixar claro que quando eu tomei posse no TRE o processo de cassação da senadora Selma já estava julgado. Nós julgamos os embargos de declaração e, ainda assim, recebemos críticas porque teríamos demorado. Então, veja você como que é contraditório. Depende do lado de quem está analisando. No caso ali, era outro relator. Aí tem que tomar pé de um processo imenso de volumes, porque não tínhamos ainda o PJe naquela época, e o relator tem que se sentir seguro para elaborar um voto. Aí há um pedido de vista… Isso acontece em todo e qualquer processo. A situação do Avallone, por exemplo, foi diferenciada. Houve a necessidade de fazer o inquérito policial, aí vieram oitivas de policiais, oitivas de testemunhas. Inclusive, testemunhas faleceram. Então, são situações que não dão para colocar no mesmo recipiente. A questão do Avallone teve também embargos de declaração e agora vai para o TSE, quer dizer, o TRE fez a sua parte, inclusive não só em relação ao caso dele mas há inúmeros outros que foram cassados, vereadores, chapas inteiras por irregularidades, prefeitos do interior. Quer dizer, o TRE fez a sua parte dentro do seu tempo.

Leiagora - Falando em eleição, em 2020 o TSE definiu a destinação de recursos do fundo eleitoral de maneira proporcional à quantidade de candidatos negros e brancos, assim como também para a propaganda eleitoral gratuita. Na época, o Barroso [presidente do TSE] chegou a comentar que era um marco na história e que simbolizava que o TSE está do lado contrário ao racismo. De que forma o senhor acredita que a decisão impacta no cenário das próximas eleições? 

Des. Gilberto Giraldelli -
Essa foi uma decisão emblemática da Justiça Eleitoral. Ela certamente vai receber recursos do ponto de vista processual, vai ter questionamentos, evidentemente, mas entendeu o TSE, e tem as suas razões, que isso seria a forma de proporcionar a incursão das mulheres e dos negros na política, que, infelizmente, se formos fazer um levantamento… Se for na Assembleia Legislativa e no Congresso Nacional, a representação dos negros e das mulheres é muito pequena. Ainda que se estabeleça mecanismos para mulheres, temos enfrentado dificuldades. Essa é uma questão que é cultural no Brasil como um todo e que precisa ser combatida para gerar uma igualdade entre todos. O Tribunal Superior Eleitoral teve seus mecanismos para chegar a sua constatação e entendeu que essa é uma forma de dar oportunidade aos desfavorecidos. Se for realmente implantado, a meu ver, é um mecanismo que pode gerar uma igualdade entre aquelas classes menos favorecidas, vamos dizer assim.

 
 
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