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Artigos / Colunas / Rosana Leite Antunes de Barros

06/12/2022 às 14:43

Florbela Espanca e seus mistérios

Nascida Flor Bela Lobo, escolheu ser chamada e conhecida Florbela d’Alma da Conceição Espanca. O dia 08 de dezembro de 1884, em Vila Viçosa, Portugal, foram os dias e locais por ela ‘escolhidos’.

Não se denominou feminista, o que é totalmente compreensível pela época em que viveu. Todavia, é certo que não se curvou à sociedade machista, narrando a história que oportunizou voz a muitas mulheres sofridas por preconceitos sexistas, já que não conseguiram estudar. Tratou de temas considerados imorais naquela era, tais como a sexualidade feminina, a lesbianidade, o direito ao corpo por elas, e, a liberdade. Aos 11 anos de idade conseguiu ingressar em escola primária, sendo uma das primeiras mulheres a entrar no curso secundário do Liceu de Évora. Romantizou: “Bendita seja a mãe que te gerou! / Bendito o leite que te fez crescer! / Bendito o berço aonde te embalou/ A tua ama pra te adormecer/ Da noite em que nasceste tão suave, / Que deu essa candura ao teu olhar/ E à tua voz esse gorjeio de ave!”

Conhecida como uma mulher transgressora, não costumava cumprir com padrões sociais a sufocar desejos, tendo se levantado em momento onde o gênero masculino dominava a sociedade. Florbela foi conhecida pela inteligência ímpar e talento para a escrita, recebendo influência do neorromantismo. É sua: “Ser poeta é ser mais alto, é ser maior/ Do que os homens! Morder como quem beija! / É ser mendigo e dar como quem seja /Rei do Reino de Aquém e de Além Dor!”
 
Infelizmente, se tornou emocionalmente abalada e angustiada pela neurose, o que a levou a tentar o suicídio algumas vezes. Por isso, ficou conhecida como a poeta que contava a dor, a saudade e a melancolia. Estudos post mortem diagnosticaram uma mulher diplomática, desafiadora, brincalhona e intrépida. Primeiro, a poeta não recebeu qualquer crítica, apenas o silêncio, como modo a tentar que a calasse. Posteriormente, recebeu análises cruéis de caráter falocêntrico, inclusive, com conselhos para que a sua escrita não fosse lida e nem apreciada, como se fosse pessoa perniciosa e imoral. É dela: “O que é a vida e a morte/ Aquela infernal inimiga/ A vida é o sorriso/ E a morte da vida a guarida”. 

Se imiscuiu na política, declarando-se anarquista, quando Portugal passava por situação de revolta, no ano de 1915. Alguns poemas retratam a fala de inconformismo da poeta “inadequada”. Trouxe: “A respeito de política (...) eu continuo a não ter fé em ninguém e a achar todos os mesmos.”

A alteridade foi marca de Florbela, que poetizou, fez cantar, e encantou. Denominando-se pagã, morreu cedo, aos 36 anos, em 08 de dezembro de 1930, deixando saudade pelo encanto, pelo que representou ao movimento literário, e, ainda, para as mulheres. Musicado e conhecido ficaram os seus versos no Brasil, com ‘Fanatismo’: “Minh ’alma, de sonhar-te, anda perdida/ Meus olhos andam cegos de te ver!/ Não és sequer razão do meu viver,/ Pois que tu és já toda a minha vida!/Não vejo nada assim enlouquecida…/ Passo no mundo, meu Amor, a ler/ No misterioso livro do teu ser/A mesma história tantas vezes lida!/ “Tudo no mundo é frágil, tudo passa…/ Quando me dizem isto, toda a graça/ Duma boca divina fala em mim! /E, olhos postos em ti, digo de rastros:/ Ah! Podem voar mundos, morrer astros, /Que tu és como Deus: Princípio e Fim!”

Rosana Leite Antunes de Barros

Rosana Leite Antunes de Barros
Rosana Leite Antunes de Barros é defensora pública estadual.
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