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02/11/2023 às 09:09

EXPEDIÇÃO ÁREAS ÚMIDAS

Fotos e Vídeos | Áreas Úmidas no Araguaia: Leiagora participa de expedição e explica se região é um Pantanal ou Cerrado

Durante quatro dias a equipe de reportagem do Leiagora esteve no Araguaia conversando com estudiosos, produtores e representantes para verificar os problemas e impactos econômicos que esta celeuma jurídica por trazer para a região

Paulo Henrique Fanaia

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Foto: Paulo Henrique Fanaia / Leiagora

Desde setembro deste ano um imbróglio judicial vem tirando o sono dos produtores rurais e moradores da região do Vale do Araguaia em Mato Grosso. Acontece que, a pedido do Ministério Público de Mato Grosso, o juiz Rodrigo Roberto Curvo, da Vara Especializada do Meio Ambiente de Cuiabá, concedeu uma liminar que declarou que uma grande parte do Araguaia é Área Úmida, criando uma espécie de “Pantanal do Araguaia”. A partir daí, todas as licenças ambientais em andamento foram suspensas.

E com isso, voltou à tona uma discussão antiga na região, afinal, o Araguaia tem bioma pantaneiro ou de cerrado? Para entender melhor esta situação, a equipe de reportagem do Leiagora participou da “Expedição Áreas Úmidas – Araguaia”,  que contou com a presença de professores e estudiosos em Geologia para explicar a região e os biomas característicos. A viagem foi organizada pelo deputado dr. Eugênio. 


Pantanal ou Cerrado?
 
Então, vamos primeiro entender se de fato o Araguaia é o novo Pantanal. Durante a expedição, o professor-doutor em Geologia da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) Fernando Ximenes explicou à equipe de reportagem quais são as principais diferenças entre o pantanal e o cerrado. De acordo com ele, o pantanal exige a compreensão de uma região dominada por transbordamento dos cursos d'água por inundação e não necessariamente alagamento. Já a região do Araguaia não há esse predomínio de inundação.
 
“Como o terreno é plano favorece o alagamento porque não há escoamento fácil, mas o alagamento ocorre durante um determinado tempo. Passou algum tempo, parou de chover, passou uns dois meses sem chuva, seca novamente porque a água vai infiltrando lentamente e muitas porções da água vão evaporando pelo clima quente. Pelo trabalho que nós já fizemos, inclusive lá na Fazenda Colonial e numa outra propriedade na parte mais baixa do Araguaia, no rio Cristalino, nós comprovamos que não é Pantanal. Araguaia não é pantanal", afirmou.

O professor explica que existem, sim, áreas que funcionam como um pantanal, mas não totalmente. Tratam-se de áreas que ficam às margens dos cursos d'água. "A margem do Araguaia é uma área de inundação, de transbordamento, então funciona como pantanal, mas não é extensiva a toda a região”, ensina o professor Ximenes.
 
Ele ainda diz que grande parte do solo encontrado no Araguaia tem característica de solo poroso, o que não acontece no Pantanal, onde, devido às águas predominantes, é um solo mais úmido. Já na área leste de Mato Grosso, a parte que pode ser considerada úmida fica submersa apenas no ápice da cheia e são predominantemente terrestres. Sem irrigação e drenagem são consideradas regulares para pastagem nativa. Com irrigação e drenagem são consideradas terras boas para lavoura. Portanto, é possível concluir que a região do Araguaia é uma região favorável à agricultura.

 
"Essa área úmida do Araguaia existe, e não deve ser ocupada. Muito menos drenada, para não prejudicar o ambiente de funcionamento dos cursos d' água", afirma o professor.
 
De acordo com Fernando Ximenes, o estudo feito pelo RadamBrasil na década de 70 e 80 foi um trabalho bem feito, todavia, foi realizado com a tecnologia da época que atualmente está ultrapassada. Logo depois veio o estudo feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), usado como base para classificar o Araguaia como Pantanal. De acordo com Ximenes, esse estudo foi feito apenas com imagens de satélite e em uma proporção que não é possível definir de forma clara o que é área úmida e o que é pantanal.
 
Questões técnicas

O mapa de áreas úmidas apresentado pelo IBGE segue uma proporção de 1 para 250 mil, onde 1 cm no mapa corresponde a 2,5 km no terreno, o que não permite verificar com clareza as áreas. Neste nível, não há possibilidade de definir quais áreas são efetivamente úmidas devido a inexistência  de infornações em níveis adequados sobre solos, espécies vegetais e relevo. Portanto, utilizar esses estudos para embasar qualquer tipo de decisão é errado.

Para o professor, o correto seria fazer em uma escala mínima de 1 para 25 mil, sendo 10 vezes mais detalhado que o do IBGE. Atualmente, o estudo que está sendo conduzido pela Uniselva em parceria com a UFMT utiliza esta escala de 1 para 25 mil e em outras localidades uma escala de 1 para 10 mil além de visitas nos locais para retirar amostras de solo e de vegetação para análise laboratorial.
 
“Precisa fazer esse trabalho em escala detalhada para saber exatamente como funciona, e aí você pode ter leis, decretos e orientações para planejar as áreas. Isso é necessário, não pode deixar a coisa continuar como está” diz o professor.
 
Como a área ainda não está oficialmente legalizada, o Araguaia encontra-se em uma espécie de zona cinzenta legal onde para se tirar uma licença de manejo ambiental deve-se seguir a resolução nº 45/2022 do Consema e 
parte do Decreto Estadual nº 1.031/2017.
 
Impactos na região
 
Caso o bioma do Araguaia seja declarado pela justiça como Pantanal, 17 municípios da região podem ser afetados com restrição para uso do solo. A projeção é de que 4,5 milhões de hectares não possam ter atividade agropecuária ou qualquer outro licenciamento para empreendimento econômico.
 
Leiagora conversou com o deputado Dr. Eugênio que relatou que há um sentimento de insegurança jurídica na região, como por exemplo no município de Cocalinho, local em que 98% da área do município pode ser considerada como Pantanal. Além da agricultura e pecuária, na região há uma grande quantidade de jazidas de calcário que é utilizado na agricultura para cuidar do solo.
 
Caso seja considerado Pantanal, essas jazidas enfrentarão um grande impacto na produção, o que pode influenciar de maneira negativa a economia do Araguaia. "É um impacto muito grande; são 2 milhões e 200 mil hectares de áreas plantadas em soja, algodão e milho que vão sofrer o impacto imediato devido à não exploração dessa mina de calcário", diz Dr. Eugênio sobre a restrição do uso das áreas úmidas, algumas das quais consolidadas há décadas.
 
O prefeito de Cocalinho, Márcio Conceição Nunes de Aguiar, conhecido como "Baco", já percebeu o impacto da insegurança e indefinição sobre a restrição do uso da área úmida no Vale do Araguaia. "O investimento do ISSQN, calculado de janeiro até 30 de maio, foi de menos três milhões e meio. Para um município pequeno como o nosso, é uma tirada de pé bem grande (redução). Isso mostra o medo da nossa região com as áreas úmidas. Da forma colocada como Pantanal, o que para nós não é realidade. E isso trouxe medo para os pecuaristas e a população", lamenta. O ISSQN é o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza, de recolhimento municipal.
 
O prefeito diz como ocorreu a perda do recurso para a prefeitura ao longo da atividade econômica. "Tivemos uma grande queda da receita do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) e ICMS. Mas a grande queda foi de ISSQN, através dos produtores rurais. São eles que fazem investimento, que contratam caminhão de calcário, alguém para fazer a cerca e tem que tirar a nota fiscal para receber", acrescenta.
 
Donos de propriedades rurais da região, como Aparecido Sterza Segundo, relatam a perda do valor de venda das terras. De acordo com eles, vários negócios de compra e venda de áreas rurais foram desfeitos, haja vista que os investidores têm medo de comprar uma fazenda ou sítio e no futuro não poderem produzir caso seja declarado como Pantanal.

“Em um ano caiu o valor das terras porque as pessoas não querem mais investir aqui. No começo os preços dobraram, depois caiu uns 30%. Não tem mais procura, porque o problema é ter uma fazenda em área restrita, você pode usar, mas de forma restrita”, diz Aparecido que mostra indignação com a situação.

Os principais municípios do Vale do Araguaia atingidos pela discussão sobre áreas úmidas são: Água Boa, Araguaiana, Bom Jesus do Araguaia, Canabrava do Norte, Canarana, Cocalinho, Confresa, Luciara, Nova Nazaré, Nova Xavantina, Novo Santo Antônio, Porto Alegre do Norte, Ribeirão Cascalheira, Santa Terezinha, São Félix do Araguaia, Serra Nova Dourada e Vila Rica.


 
O estudo ainda está em andamento e deve ser concretizado apenas nos primeiros meses de 2024. Espera-se que o projeto mostre de forma pormenorizada que o Araguaia não pode ser classificado 100% como Área Úmida, sendo apenas uma parte dela que fica às margens dos rios com essas características.
 
Desta forma, a região não entraria na classificação de Pantanal e pode ter uma legislação própria para facilitar o manejo do solo pelos produtores e até mesmo auxiliar em leis que protejam o meio ambiente.

 
A batalha jurídica
 
Tudo começou em setembro quando o juiz Rodrigo Roberto Curvo a pedido do Ministério Público concedeu uma liminar que determinou a suspensão imediata dos processos de licenciamento ambiental em tramitação na Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Sema) para realização de obras, atividades e empreendimentos localizados em áreas úmidas do Estado de Mato Grosso. Os efeitos da Resolução do Consema (Conselho Estadual do Meio Ambiente) nº 45/2022, que trata do assunto, também foram suspensos por determinação judicial. 
 
A liminar estendeu os efeitos da Lei Estadual 8.830/2008, que trata do Pantanal, às planícies do Araguaia e do Guaporé e seus afluentes, com delimitação definida pelo Radambrasil, e as demais áreas úmidas identificadas no Cadastro Ambiental Rural (CAR) ou processo de licenciamento ambiental, até que o Estado de Mato Grosso tenha regramento protetivo para referidos ecossistemas, suspendendo os efeitos de parte do Decreto Estadual nº 1.031/2017. Isso fez com que o Araguaia e o Guaporé fossem considerados como região pantaneira.
 
Logo depois, em outubro, o magistrado voltou atrás e reconsiderou a decisão anterior e suspendeu a liminar que colocava as áreas úmidas do Vale do Araguaia e do Vale do Guaporé como Pantanal. O juiz acatou o pedido de reconsideração feito pela Procuradoria da Assembleia Legislativa (ALMT) e da Ordem dos Advogados do Brasil, secção estadual (OAB/MT). A suspensão determinou que em 120 dias fosse feito um estudo técnico contratado pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente (SEMA) que sirva de base para excluir as áreas úmidas do Vale do Araguaia e do Vale do Guaporé com a classificação de Pantanal.
 
O estudo foi contratado junto à Fundação Uniselva, vinculada à Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). A Assembleia Legislativa destinou um recurso ao Governo do Estado para o estudo no valor de R$ 2,103 milhões. Após esse prazo, o juiz determinou que o feito volte a tramitar para nova análise judicial, com relatório detalhado dos trabalhos desenvolvidos pelo Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania em Matéria Ambiental de Cuiabá (CEJUSC Ambiental), onde o debate do tema poderá efetivamente ocorrer.
 
E é então que se começa uma corrida contra o tempo. Audiências públicas foram realizadas na Assembleia Legislativa de Mato Grosso com a presença de diversas autoridades políticas, estudiosos e produtores do Araguaia na Assembleia. Nesta audiência foram demonstrados estudos em que mostravam que o Araguaia não poderia ser considerado uma área úmida, mas sim um cerrado.
 
Neste meio tempo, uma decisão do desembargador Márcio Vidal, do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT), suspendeu as duas liminares anteriores da Vara Especializada do Meio Ambiente e fez com que a discussão voltasse à estaca zero. A decisão atendeu um pedido feito em agravo de instrumento feito pelo Instituto Agroambiental Araguaia e pela Associação dos Fazendeiros do Vale dos Rios Araguaia, Cristalino e das Mortes (Afava). 
 
Na decisão, o desembargador salienta que a decisão de primeira instância poderia ser entendida como uma invasão do Judiciário no mérito administrativo, algo passível de ser interpretado como uma ofensa ao Princípio da Separação dos Poderes. Além disso, ele ressalta que a questão de proteção ambiental não pode se sobrepor a questões sociais e econômicas. 
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