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05/11/2023 às 13:35

FAMÍLIAS ESPERAM REPARAÇÃO

Sem condenação dos responsáveis, tragédia em Mariana completa 8 anos

Atingidos que foram reassentados tentam se adaptar às mudanças na rotina. No novo Bento Rodrigues, dos 248 imóveis previstos, 168 estão com obras finalizadas

Do G1

Sem condenação dos responsáveis, tragédia em Mariana completa 8 anos

Foto: Márcio Fernandes/Estadão Conteúdo

Com a chave da nova casa finalmente em mãos, seu Raimundo Alves, de 81 anos, tenta se adaptar. Ele gosta de passar o tempo cuidando dos pés de alface, laranja e limão recém-plantados e observando, sentado à mesa da varanda, a movimentação de pessoas e caminhões no novo Bento Rodrigues, ainda em construção.

Há exatos oito anos, a antiga comunidade onde Raimundo nasceu, cresceu, casou-se e teve filhos foi destruída pelo mar de lama provocado pelo rompimento da barragem de Fundão, da Samarco.

"A casinha da gente era de pobre, mas era nossa, a gente mesmo que fez, tinha muita história. Não tinha nada, mas a gente era feliz. Hoje a gente faz de conta que sim, mas não é feliz. A tristeza está sempre com a gente", disse.

No velho Bento, pouco sobrou de uma história de mais de três séculos: da maioria das casas, restam apenas destroços. O único barulho é o dos pássaros, e as ruínas da escola municipal foram tomadas por mato. A Capela de Nossa Senhora das Mercês é uma das poucas construções de pé.

"É triste ver tudo acabado assim. Aqui era bom e sossegado de morar, todo mundo sente falta, era aqui que a gente queria estar hoje", disse a dona de casa Ana Paula Salgado, de 30 anos, ao visitar o antigo vilarejo.

A barragem de Fundão rompeu em 5 de novembro de 2015, em Mariana, na Região Central de Minas Gerais, e causou o maior desastre ambiental da história do país.

Cerca de 40 milhões de metros cúbicos de rejeitos de mineração destruíram comunidades e modos de sobrevivência, contaminaram o Rio Doce e afluentes e chegaram ao Oceano Atlântico, no Espírito Santo. Ao todo, 49 municípios foram atingidos, direta ou indiretamente, e 19 pessoas morreram.

Neste ano, as famílias que tiveram que sair de casa em 2015 começaram a receber as chaves dos novos imóveis, mas ainda falta muito. No novo Bento Rodrigues, dos 248 previstos, 168 estão com obras finalizadas, segundo a Fundação Renova, entidade criada para a reparação dos danos.

Em Paracatu de Baixo, de um total de 93, 66 estão concluídos. Ao todo, nos dois reassentamentos, 72 imóveis foram entregues aos moradores.

Já em Gesteira, distrito de Barra Longa, na Região Central, que também foi atingido pelos rejeitos, o modelo de reassentamento é diferente: um acordo prevê a transferência de R$ 126 milhões da Renova para a prefeitura, que será responsável pelas obras de infraestrutura e urbanização e pela construção de 36 casas.

O aposentado Marcos Muniz, de 60 anos, espera há oito anos por um novo lar. A casa dele, no novo Bento Rodrigues, ainda está em fase de projeto e, até hoje, ele e a família vivem em um imóvel alugado pela Renova no centro de Mariana.

"Eu tinha um projeto de vida no velho Bento, já era aposentado e queria passar o tempo mexendo com minhas plantações e criações. A minha vida está parada há oito anos, eu fico ansioso para acabar essa angústia que a gente sofre. [...] Será que eu vou estar vivo para ver? A demora é demais", lamentou.

No novo Bento, as ruas largas com casas amplas e modernas pouco lembram o antigo distrito, que fica a cerca de 10 km de distância. A estrutura se parece com a de um condomínio fechado – a entrada, inclusive, é controlada pela Fundação Renova.

Por lá, a saudade da vida na antiga comunidade está sempre presente, mas os moradores também querem dar lugar à esperança do recomeço.

O bar da comerciante Darlisa das Graças Euzébio, de 57 anos, a dona Una, era um dos principais pontos de encontro do velho distrito e, há cerca de dois meses, está instalado no reassentamento. Enquanto todos os vizinhos não chegam, ela transformou o estabelecimento em restaurante, que atende principalmente funcionários das obras.

"Tenho muita saudade de tudo, da comunidade, dos eventos. Aqui a gente está começando aos poucos. Eu quero continuar", falou.

Nenhuma condenação

Passados oito anos, ninguém foi responsabilizado criminalmente pela tragédia. Os réus – que já foram 26 e, agora, são 11 – vão começar a ser interrogados nesta segunda-feira (6). Apesar das 19 mortes causadas pelo rompimento da barragem, eles não respondem mais por homicídio.

Em outubro de 2016, o Ministério Público Federal (MPF) denunciou 22 pessoas e quatro empresas (Samarco, Vale, BHP e VogBR, consultoria que atestou a estabilidade da barragem).

Entre as pessoas físicas, 21 foram denunciadas por homicídio qualificado, inundação, desabamento, lesões corporais graves e crimes ambientais, e uma, por apresentação de laudo ambiental falso.

Em novembro do mesmo ano, a denúncia foi recebida pela Justiça Federal. No entanto, em 2019, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) retirou a acusação de homicídio e lesão corporal de todos os réus. As 19 mortes foram consideradas pela Justiça consequências da inundação causada pelo rompimento.

Além disso, ao longo dos anos, a Justiça trancou a ação penal com relação a vários réus, ou seja, muitas pessoas que tinham sido denunciadas não respondem mais pela tragédia.

Atualmente, o processo tem 11 réus – as quatro empresas e as seguintes pessoas físicas:

Ricardo Vescovi de Aragão (diretor-presidente da Samarco à época do desastre);

Kleber Luiz de Mendonça Terra (diretor de operações e infraestrutura da Samarco);

Germano Silva Lopes (gerente operacional da Samarco);

Wagner Milagres Alves (gerente operacional da Samarco);

Daviely Rodrigues Silva (gerente operacional da Samarco);

Paulo Roberto Bandeira (representante da Vale na Governança da Samarco);

Samuel Paes Loures (engenheiro da VogBR).

Os cinco primeiros respondem por inundação qualificada, desabamento e 10 crimes ambientais. Paulo Roberto Bandeira, por três crimes ambientais, e Samuel Paes Loures, por um. Devido à demora na tramitação do processo, dois crimes ambientais prescreveram.

"Eu tenho muita expectativa de que a condenação criminal das empresas e pessoas físicas vá ocorrer no começo de 2024. [...] O MPF tem absoluta convicção de que a produção de provas foi suficiente para a condenação. Apesar de não concordarmos (com a retirada da acusação de homicídio), nós respeitamos a decisão e estamos fazendo o melhor para conseguir a máxima condensação possível para esses crimes", afirmou o procurador da República Carlos Bruno Ferreira da Silva.

Segundo as investigações do MPF, os denunciados sabiam dos riscos de rompimento da barragem e optaram por manter a estrutura em funcionamento, sem se preocupar com a segurança das comunidades próximas e dos próprios funcionários.

'Reparação insuficiente'

Além do processo criminal, tramitam na Justiça ações civis públicas que buscam a reparação dos danos ambientais e socioeconômicos causados pelo rompimento da barragem.

Inicialmente, duas ações principais requerendo a condenação das empresas foram ajuizadas. Ao longo dos últimos anos, a Justiça desmembrou o processo em 12, por temas como saúde e moradia, instaurando uma ação para cada um deles. Nenhuma foi julgada até agora.

No mês passado, as instituições de Justiça pediram o julgamento antecipado de parte das ações, como as que tratam de indenizações por dano moral coletivo. Elas pedem uma condenação de aproximadamente R$ 100 bilhões contra Samarco, Vale e BHP.

Para o procurador da República Carlos Bruno Ferreira da Silva, as ações de reparação executadas pela Fundação Renova são insuficientes.

"Infelizmente, depois de oito anos, a sensação para todos que atuam no Rio Doce é de completa ausência de reparação aos atingidos e ao meio ambiente. [...] O cenário no Rio Doce é desolador", afirmou.

Segundo a Renova, até agosto deste ano, foram desembolsados R$ 32,6 bilhões em ações de reparação e compensação. Desse valor, R$ 13,1 bilhões foram destinados ao pagamento de indenizações e R$ 2,5 bilhões, a auxílios financeiros emergenciais, para um total de 431,2 mil pessoas.

No entanto, o MPF considera que foram atingidos, de forma direta ou indireta, 49 municípios, com uma população total de 2,4 milhões de pessoas.

"Evidentemente se espera indenização mais ampla para as pessoas atingidas. [...] A petição visa garantir melhor indenização para as pessoas e para a coletividade como um todo", disse o procurador.

Na Justiça inglesa, corre outro processo em busca de reparação. Cerca de 700 mil atingidos, incluindo municípios, comunidades indígenas, igrejas e empresas, reivindicam R$ 230 bilhões em indenizações. O julgamento está previsto para começar em outubro de 2024, mas o escritório de advocacia que representa as vítimas espera fazer um acordo com Vale e BHP antes disso.

Repactuação prevista para dezembro

Há cerca de três anos, os governos de Minas Gerais e Espírito Santo, a União, as instituições de Justiça e as mineradoras discutem a repactuação do acordo de reparação dos danos provocados pela tragédia em Mariana.

No ano passado, as empresas ofereceram R$ 112 bilhões, mas o governo de MG não concordou com a forma de pagamento. As negociações continuam, e a expectativa agora é que o novo acordo seja assinado até 5 de dezembro.

"O acordo foi melhorado, nos parece que é um acordo pronto, basta haver boa vontade de todos na mesa, em especial das empresas. [...] A grande vantagem do acordo é conseguir reparação definitiva e imediata para a sociedade", afirmou o procurador da República Carlos Bruno Ferreira da Silva.

Segundo Joceli Andrioli, membro da coordenação nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), falta participação dos atingidos na definição dos termos.

"Até agora não tivemos direito à participação no processo de repactuação. [...] O Brasil precisa dar um resultado concreto de como reparar crimes socioambientais de grande complexidade. Aconteceu Mariana, aconteceu Brumadinho. Hoje o sistema judiciário não dá conta, e o estado brasileiro está de costas para isso", disse.

Em nota, o governo federal afirmou que "ainda não há consenso entre as partes quanto às medidas da repactuação e a destinação que deve ser dada aos recursos que serão recebidos a título compensatório". A União declarou, ainda, que "discorda de qualquer perspectiva de pactuação que possibilite a aplicação dos recursos que forem recebidos fora da Bacia do Rio Doce".

O governo de Minas disse que tem compromisso com "a justa reparação aos atingidos pelo rompimento da barragem".

O Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF-6), que está coordenando as discussões, afirmou que a expectativa é fechar o acordo até o fim de 2023.
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