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22/12/2020 às 08:38

Centro Histórico tem mais de 50 casarões em risco de desabamento e quase 100 abandonados

O patrimônio histórico, cultural e arquitetônico de Cuiabá ainda carece de gestão e de políticas que promovam a ocupação da região aliada à preservação

Maria Clara Cabral

Centro Histórico tem mais de 50 casarões em risco de desabamento e quase 100 abandonados

Foto: Secom-MT

Do total de 527 imóveis entre casarões que compõem Centro Histórico de Cuiabá, 96 estavam vazios, fechados e sem uso até o ano passado. Dado que preocupa, pois o abandono expõe o patrimônio arquitetônico, histórico e cultural da capital de Mato Grosso a altos riscos de degradação. Destes, 52 estão em risco de colapso, quase 10%.

As informações resultam de um levantamento realizado pela arquitetura e urbanista Maria Bárbara Guimarães durante seu mestrado profissional pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). "O exercício de mapeamento foi bastante útil para a compreensão ainda que preliminar das condições da área tombada", diz as primeiras linhas do trabalho.

E em um ano em que o poder público esteve voltado quase que exclusivamente às urgentes demandas da pandemia da covid-19, 
a pesquisadora acredita que pouca coisa mudou – ou se mudou, foi para pior.

"A maioria [dos casarões] não teve nenhuma intervenção depois que entreguei o trabalho em 2019. O tempo não para e a arquitetura continua se degradando pelas ações do tempo. Alguns imóveis que identifiquei com risco de colapso, como um casarão que fica ao lado do espaço Silva Freire, na Praça da Mandioca, de fato caíram", relata.

Com a falta de políticas públicas voltadas para o desenvolvimento e recuperação da região, o período de chuva, por exemplo, é sempre um período de alerta e tensão para quem atua em prol da preservação da região. "A cada época de chuva a gente fica esperando mais um casarão cair", lamenta Maria Bárbara.

E apesar de nem todos os imóveis serem tão antigos, ela explica que, por se tratar de um conjunto tombado, todos deveriam ter importância diante da diversidade de temporalidades que materializam.

"A gente se preocupa com os mais antigos porque são mais frágeis, e tem vários ali nessa situação. Tem alguns na Rua Pedro Celestino, por exemplo, que são bem ornamentados. São poucos exemplares desse tipo, então são bem relevantes do ponto de vista arquitetônico".

Conforme o levantamento feito por Maria Bárbara, a maioria dos imóveis do Centro Histórico está em estado regular de manutenção. Há apenas 17 imóveis em 'ótimo estado', o que representa 3,2% do total de edificações na área tombada. Por outro lado, 25 já estavam em ruína, ou seja, em péssimo estado.


O Centro Histórico de Cuiabá é composto majoritariamente por casarões de arquitetura colonial. A maior parte, no entanto, já é reformada (30%), conforme o estudo. A pesquisadora identificou 35 imóveis de arquitetura moderna e 14 imóveis Art Déco. Há ainda imóveis caracterizados como ecléticos ou neoclássicos e contemporâneos.

Ela também classificou os imóveis da área tombada no que se refere à manutenção de características arquitetônicas originais ou mais antigas e presença ou ausência de elementos que caracterizam algum período histórico. Assim ela observou que a maior parte, 194 imóveis (quase 37%), estão parcialmente preservados. Trata-se de edificações que apresentam elementos de descaracterização de fácil reversão.

Já estão descaracterizados 28 imóveis (5%), estes apresentam fachadas revestidas e ausência de ornamentos característicos. Ainda estão preservadas 176 edificações (33%) e 129 não apresentam características arquitetônicas históricas. 

Os números mostram que, mesmo diante do abandono, ainda é possível recuperar e presentar o patrimônio na região. 

Conforme a arquiteta e urbanista Luciana Mascaro, professora da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), são vários os fatores que resultam no abandono e, consequentemente, na degradação do Centro Histórico de Cuiabá. A opção por novas contruções, tanto de habitações sociais, quanto em condomínios de luxo, em localizações distantes, é um desses fatores. Para ela, a política fundiária do município necessita de uma regularização.

"A cidade precisa de planejamento. Quando você joga um bairro lá para fora, você cria um problema de infraestrutura, porque tem que levar transporte, asfalto e iluminação. Fica caríssimo. Muito mais racional seria planejar a ocupação de espaços ociosos que a gente já tem dentro da cidade. Quando mais você joga as pessoas para fora, mais o centro da cidade vai ficando desvalorizado. As empreiteiras querem cada vez mais terrenos vantajosos e acham muito complicado trabalhar com regiões e espaços que ainda temos disponíveis na cidade".


Tchélo Figueiredo - Secom/MT

Falta de gestão

Ainda assim, Cuiabá não tem um Centro Histórico vazio. Percebe-se na região tombada – e também no entorno – uma predominância do uso comercial dos imóveis. Mais da metade da quantidade total, 237 são comerciais. Além dos 96 que estão vazios (quase 20%), outros 122 são imóveis residenciais (23%) e apenas 11 institucionais (2%), o que demonstra uma
mínima presença e ocupação por parte do poder público.

Um dos argumentos utilizados pela Prefeitura de Cuiabá para justificar a omissão com relação à intervenção nas edificações ociosas é de que a grande maioria é patrimônio privado. Questionado sobre políticas de gestão do Centro Histórico, o município não se manifestou até o fechamento dessa matéria. Por meio do Instituto de Planejamento e Desenvolvimento Urbano (IPDU), também não apresentou dados atualizados sobre a situação de (des)ocupação da região, solicitados pela reportagem.

No entanto, para Luciana Mascaro, o poder municipal tem, sim, brechas de atuação, previstas por lei e estatuto da cidade.

"Não dá para gente aceitar mais a ideia de que a prefeitura não pode fazer nada. Ela é o poder público responsável pelo gerenciamento e planejamento da cidade. Tem toda a legislação disponível. É o ente responsável, e é omisso, não cumpre com seu papel", destaca.

Luciana Mascaro atualmente coordena a elaboração de um plano de gestão para o Centro Histórico de Cuiabá pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), contratado pela Organização das Nações Unidas (ONU) 
através do Governo do Estado de Mato Grosso.

Para o desenvolvimento de propostas para a região, o estudo vem sendo realizando a partir do levantamento de características do Centro Histórico, principalmente do perfil das pessoas que vivem ali, e deve ser divulgado nos primeiros meses de 2121 e 
apresentado aos poderes, inclusive municipal.

Para 
Luciana, a intervenção e construção de políticas públicas deve ser feita de forma articulada entre poder municipal, estadual e federal, já que todos reconhecem o Centro Histórico enquanto patrimônio. Como prevê o plano em que vem trabalhando, é possível promover ações para maior circulação de pessoas na região.

A implantação de atividades variadas para pequenos comércios, serviços e habitações, por exemplo, pode tornar a região mais atraente e segura, sem descaracteriza-la. 

Uma das propostas que une manutenção, preservação, desenvolvimento econômico e que já vem sendo desenvolvida junto ao plano de gestão, é a realização de um laboratório de capacitação de mão de obra.

"Toda aquela região está construída em arquiteturas de terra crua, com taipa e adobe. Não há muito conhecimento sobre esse sistema construtivo, porque ele está em desuso, o que também acaba encarecendo as obras. Então a gente pode resgatar quem tenha esses saberes para capacitar outras pessoas e, com isso, a gente gera emprego também", finaliza.


O que diz a prefeitura

Em nota enviada ao Leiagora nesta quarta-feira (23), a Prefeitura de Cuiabá informou que acompanha todas as discussões relacionadas a preservação e ocupação do Centro Histórico de Cuiabá. 

O município também apontou ações da Secretaria de Agricultura, Trabalho e Desenvolvimento Econômico, Secretaria da Gestão e Secretaria de Cultura, Esporte e Lazer. 

Confira a nota na íntegra:

A Prefeitura de Cuiabá informa que acompanha todas as discussões relacionadas a preservação e ocupação do Centro Histórico de Cuiabá e que está aberta ao diálogo e colaboração de entidades e sociedade, para uma gestão cada vez mais inclusiva e participativa. 

Prova disso e de seu comprometimento com o patrimônio arquitetônico e cultural são as diversas ações em prol da região que estão sendo executadas por várias Secretarias Municipais:  

- A Secretaria de Agricultura, Trabalho e Desenvolvimento Econômico, em conjunto com a Secretaria de Fazenda trabalham na elaboração de um plano para atrair empresas para o Centro Histórico, oferecendo incentivos fiscais para a permanência e ocupação da região, inclusive com funcionamento noturno.
 
- A Secretaria da Gestão, por exemplo, comanda o estudo de viabilidade para revitalização do Mercado Miguel Sutil, mais conhecido como Mercado Municipal. O levantamento deve contar com informações técnicas, econômicas, financeiras e jurídicas que apontem para a viabilidade de execução dos projetos. O resultado também mostrará se há possibilidade para criação de uma parceria público-privada (PPP), para o desenvolvimento das obras.

- A Secretaria de Cultura, Esporte e Lazer comandou a restauração e/ou revitalização de 10 equipamentos históricos do Centro de Cuiabá, por meio do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) – Cidades Históricas, em 2019: entorno do Casarão do Beco Alto, praça Senhor dos Passos, praça Largo Feirinha da Mandioca, praça Caetano Albuquerque, praça Dr. Alberto Novis, Museu da Imagem e do Som MISC, chafariz do Mundéu, Obelisco da praça Luis de Albuquerque, estátua de Maria Taquara, primeira etapa de restauração da Casa de Bem-bem. No momento, encontram-se em fase de aprovação de projeto pelo Iphan para continuação do restauro dos seguintes equipamentos: Casa Procon, Igreja Senhor dos Passos, Casarão da Funai. 

- Nos próximos dias, a Secretaria de Cultura irá entregar o Beco do Candeeiro totalmente restaurado. 

- Ainda na Pasta de Cultura, o segmento de Patrimônio Histórico possui cadeira fixa no Conselho Municipal de Política Cultural de Cuiabá, para colaborar e fiscalizar ações da gestão para o setor. O segmento aprovou 15 projetos culturais em edital de Fomento, financiado pela Lei Federal Aldir Blanc, coordenado pela Pasta e pelo Conselho. 

- Visando colaborar com a segurança pública, visto que não é função do Município atuar nesse sentido, a Empresa Cuiabana de Limpeza Urbana (Limpurb) tem trocado as lâmpadas amarelas da cidade pela versão LED na cor branca, que garantem maior luminosidade nas ruas da Capital no período da noite. O calçamento da região central também tem sido refeito para garantir trafegabilidade segura aos pedestres.

- Quanto a responsabilidade de fiscalização de imóveis particulares tombados, ela é do Iphan. Cabe à Prefeitura de Cuiabá acompanhar apenas aqueles imóveis que fazem parte do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

 
(Matéria atualizada às 11h07 de 23/12/2020)
 
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1 comentário

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  • Jonas 22/12/2020 às 00:00

    Também vejo um grande potencial turistico, caso o Centro Histórico seja revitalizado e recuperado. Excelente reportagem.

 
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