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15/02/2020 às 16:18 | Atualizada: 17/02/2020 às 12:59

“Não lembro nem como saí da lagoa, estava desacordada”, revela bombeira em caso Abinoão

Camilla Zeni

Quase 10 anos depois da morte do policial militar Abinoão Soares de Oliveira, durante treinamento oferecido pela Secretaria de Justiça e Segurança Pública (Sejusp), a Justiça mato-grossense começou a ouvir as vítimas e testemunhas do caso.

Na quinta-feira (13), a sala de audiências da 11ª Vara da Justiça Militar esteve lotada. Eram 17 instrutores denunciados e mais de 20 testemunhas aguardando para serem ouvidas. O filho do soldado, Anderson Matheus Mota de Oliveira, de 25 anos, e representantes da Associação das Famílias Vítimas de Violência também estiveram presentes.

O grande espaço de tempo entre o depoimento à Justiça e o fato - que completa 10 anos no dia 24 de abril - deixou sem resposta clara algumas das perguntas feitas pelo Ministério Público, representado pelo promotor de Justiça Paulo Henrique Amaral Motta.

Ainda assim, os relatos deixaram claro os excessos no treinamento e uma perseguição a alunos “estrangeiros”, ou seja, vindos de outro estado. 

Primeiro a falar, por exemplo, o policial civil Jonny Wanderson Sena Lima contou que aquele tinha sido seu primeiro curso, e que, por isso, não sabia dizer, na época, se os instrutores estavam extrapolando. 

Ele lembrou, no entanto, que era constante a prática de “caldos” nos militares e pressão maior sobre os alunos estrangeiros. Ao todo, a 4ª turma do Curso para Tripulante Operacional Multimissão (TOM-M) tinha três alunos de fora.

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Jonny também contou que, ao fim do quarto dia de curso, Abinoão estava pálido, com a boca roxa, e lutava para respirar, com o corpo ainda dentro da água e apenas a cabeça para fora. Ainda assim, o tenente Carlos Evane da Silva aplicou a ele um último “caldo”.

A prática, segundo explicado na audiência, é quando os instrutores puxam os alunos para dentro da água. No entanto, Abinoão não retornou à superfície e, tão logo perceberam, os instrutores ordenaram que os demais alunos saíssem de perto.

Para o policial, houve excessos e faltou técnica por parte dos instrutores, mas ele descartou a alegação do Ministério Público quanto à prática de “sadismo”. “A instrução em água é uma das mais complexas que tem”, disse aos juízes.

A 3º sargento do Corpo de Bombeiros, Flávia Aparecida Rodrigues de Lima, disse que sentiu na pele a pressão e os excessos dos instrutores do curso. Na audiência, ela lembrou que estava tão preocupada com a própria pele que sequer conseguiu perceber Abinoão - a quem descreveu como uma pessoa “ótima”.


Ela lembrou que esteve no fim da fila dos alunos e que um major gritava logo atrás. “Sofri muito no curso”, contou a bombeiro. Ela também relatou diversos caldos que levou, inclusive depois que todos os alunos já tinham saído da água. Mas não conseguiu perceber Abinoão. 

“Não lembro nem como eu saí da lagoa. Eu estava desacordada”, ela disse, captando a atenção de todos que a ouviam. Para a sargento, embora o “caldo” não seja considerado tortura, houve excessos no quarto dia de treinamento.

Já o sargento Anderson Nogueira, questionado sobre uma intenção por parte dos instrutores, afirmou que “nenhum setor da segurança pública faria um curso com a intenção de matar um aluno”.

No entanto, assim como os demais, também relatou os “caldos”. Segundo ele, era comum os instrutores subirem nos alunos, empurrando-os para dentro d’água.

Ele também lembrou que, na ocasião da morte de Abinoão, o tenente Evane, apontado como o autor do último caldo do militar morto, chegou a debochar, acreditando que Abinoão estaria fingindo um desmaio. 

Nesse dia, o Ministério Público ainda ouviu outros alunos do curso, considerados vítimas pelo órgão, e dispensou mais de cinco deles.

Alunos durante o 4º Curso para Tripulante Operacional Multimissão (TOM-M) 

Ao Leiagora, o promotor Paulo Henrique chegou a comentar que os alunos ouvidos sequer seriam as principais testemunhas do Ministério Público, sinalizando de que relatos ainda mais reveladores devem vir à tona.

O promotor também comemorou o andamento da ação e disse que espera finalizar o caso até o fim do ano.

Audiência
No início da audiência, foram escolhidos os coronéis bombeiros Sandro dos Santos Caillava, Agnaldo Pereira de Souza, César Claudiomiro Viana de Brum, e o coronel da Polícia Militar Jorge Luiz de Magalhães como juízes militares do caso.

O advogado de defesa do policial Adagilson Rosa e Silva chegou tentou adiar a audiência, alegando a ausência do cliente, que foi enviado para missão em Brasília, e inconformidade no sorteio dos juízes.

Outros cinco advogados chegaram a ratificar a manifestação do colega, mas tanto o Ministério Público quanto os juízes militares votaram pela rejeição do pedido, assim como Marcos Faleiros.
 
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