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Artigos / Colunas / Sueli Furlan

31/01/2023 às 09:37

O que há de novo para comemorar no Dia Nacional das RPPNs?

Para começar a responder essa pergunta, pensemos antes quais motivos temos para comemorar conquistas da proteção ambiental quando destruir tem ocupado as manchetes sobre o tema da conservação da natureza? 

Diante de descaminhos, é sempre bom iluminar e refletir sobre iniciativas de impacto socioambiental positivo na proteção biodiversidade.  Inspirar a retomada dos caminhos da Conservação da Natureza no Brasil é essencial neste momento e, tem gente fazendo a diferença! 

As Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPNs) são um tipo de  Área Protegida criada pela legislação brasileira para iniciativas do setor privado. Elas representam o tipo de território conservado que mais cresceu em números nas últimas décadas. 

Assim como outros territórios conservados, as RPPNs protegem remanescentes de importantes sistemas naturais e sistemas socioecológicos reconhecidos pela ciência, ambientalistas, proprietários, instituições, entre outros, como um trunfo importante que considera a conservação da natureza uma tarefa de toda a socioedade.  

Mas por que conservar de modo colaborativo? Quais motivações levam proprietários a tornar um território privado aberto ao protagonismo social com mais interação socioambiental? Destacamos o fato de que as ações de conservação baseadas em pesquisa científica e  valorização dos saberes locais vem acontecendo num  processo que envolve a gestão, a governança e a governabilidade em muitas outras modalidades de Unidade de Conservação. 

Hoje comemoramos o dia nacional das RPPNs e vamos refletir essa experiência ousada de planejamento e o papel especial da RPPN Sesc Pantanal como referência. Criada pelo Sesc em 1997, a maior RPPN do Brasil, com 108 mil hectares, é uma iniciativa do Sistema CNC-Sesc-Senac que está assumindo o novo paradigma da Conservação Colaborativa.  

Sabemos que o Sesc é uma instituição que advoga o compromisso do bem-estar social e a qualidade de vida e, há décadas, desenvolve ações que procuram estimular a sustentabilidade, sensibilizando crianças, jovens e adultos sobre o respeito e a importância de adotar hábitos melhores e ambientalmente e socialmente justos. Estas premissas estão presentes na conservação de suas reservas, pautadas na formação de pessoas e na valorização da cultura e da natureza. 

Mas o queremos saudar agora é o processo de gestão que acontece no território de conservação da RPPN Sesc Pantanal, em Barão de Melgaço (MT). Em sua revisão do atual Plano de Manejo da Unidade de Conservação, o Sesc Pantanal está dando um passo ousado na institucionalização do novo paradigma da Conservação Colaborativa, em parceria com a Wetlands International, que apoia projetos de interação socioambiental no Pantanal. 

Nesse processo estamos praticando a revisão do Plano de Manejo numa metodologia participativa nova para a RPPN. Em síntese é uma forma de construir aprendizagem social entre pares, envolvendo a multifuncionalidade das paisagens e a participação e compromisso social nas decisões de gestão. A iniciativa envolve três aspectos básicos: 

1. A conservação se faz no território, portanto reconhece sua dinâmica multifuncional e o Plano de Manejo é o instrumento que organiza um amplo processo de aprendizagem que envolve a colaboração, co-criação e co-responsabilidade pela conservação. 

2. Reconhece a necessidade, já posta cientificamente, de construção com  os pares propiciando os diálogos entre cientistas, comunidades tradicionais, proprietários e outras Unidades de Conservação vizinhas, buscando a sinergia colaborativa que potencializa conservação na longa duração do tempo.

3. Enfatiza que o ordenamento ecológico, portanto a especificidade dos habitats, as fragilidades, os riscos orientam o ordenamento territorial. 

Esse caminho novo de permeabilidade entre sujeitos e território é a motivação para que as parcerias entre a Unidade de Conservação e todos os outros atores envolvidos caminhem juntos, com propósitos comuns e transparentes.  Não é pouco, nem é fácil! 

Portanto, nesse dia de reflexão, convidamos a todos RPPnistas e você também que se interessa pela conservação da natureza a conhecer mais de perto as motivações para a conservação de terras privadas ao redor do mundo e no Brasil. Há muitas motivações que partem do desejo de deixar um legado para as futuras gerações, filantropia, motivações econômicas, mobilizações sociais e programas de apoio a criação de RPPNs em áreas relevantes. Na região do Pantanal as motivações para a criação das RPPNs corroborou a urgência e necessidade de conservação de espécies e ecossistemas do bioma.   

Estamos adicionando a isto a satisfação pessoal em contribuir com a conservação de ambientes naturais por meio da construção de compromissos e co-responsabilidades com sujeitos locais.  Temos no Sesc Pantanal iniciativas que seguem esse caminho. Território da Conservação, Governança Participativa e Co-criação são novos conceitos incorporados às decisões de conservar que já ocorrem, mas que agora são reconhecidas institucionalmente.

Tendo em vista a comemoração neste ano dos 50 anos da Convenção para a Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural é indispensável relembrar a noção de “patrimônio”, que inspirou a concepção da categoria RPPN, e permitiu ampliar sua importância, ao associar os conceitos de áreas naturais de domínio particular e “bens comuns da humanidade”. 

A RPPN Sesc Pantanal, reconhecida pela UNESCO como Zona núcleo da Reserva da Biosfera, um patrimônio mundial por sua excepcionalidade, e seu novo processo de governança com pares atende a essa ideia de transformar um patrimônio privado em patrimônio da humanidade, permitindo a agregação de novos sentidos às práticas de conservação do Sesc. É, portanto, um momento de mediação entre as duas possibilidades, reafirmando o território como lugar dos sujeitos, e como espaço destinado à humanidade.

A Conservação Colaborativa que está se institucionalizando neste momento como inovação da prática de gestão da RPPN Sesc Pantanal incrementa o seu papel de guardiã da natureza, e a reafirma o seu propósito de patrimônio natural. Há sim o que comemorar! Parabéns a RPPN Sesc Pantanal e a todos os RPPnistas para quem a regra é conservar por meio do diálogo territorializado da conservação. 

Sueli Furlan

Sueli Furlan
Profa. Dra. Sueli Angelo Furlan
Conselheira da RPPN SESC Pantanal
Departamento de Geografia – FFLCH – USP
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